1º Travessia Pico Paraná/Graciosa

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30 de abril de 1997- 1º dia
Eram 17:45h do dia 30 de abril de 1997, horário que eu saía de casa, e ia para a rodoferroviária, onde embarcaria às 19:00h com destino a Terra boa. Meu amigo Oséas estaria no trevo do Atuba esperando pelo ônibus, mas diferente das outras vezes, percebi que este não parou, apesar dos gestos das pessoas que o esperavam. Imaginei que deveria ser uma linha direta, e que meu amigo já tivesse ido com outro recém passado.


Ao chegar na Ponte do Rio Tucum (dois ponto após o posto Tio Doca), lá pelas 20:00h, fiquei surpreso em não encontrá-lo, me passou pela cabeça que ele estivesse então no Bar do seu Bandeira e segui para lá sob a luz das estrelas apenas. A noite estava linda e a temperatura muito agradável para caminhar, em 20 minutos cheguei ao bar, e o Oséas não estava lá. Naquele momento percebi que faria aquela caminhada noturna sozinho.

Depois de conversar com seu Bandeira por alguns minutos, recoloquei minha mochila nas costas e exatamente às 20:30h prossegui na minha caminhada. O vulto branco da estrada dispensou o uso de lanterna, o que tornou a caminhada ainda mais exótica, a partir da fazenda, meio contra vontade, tive que usá-la, já que na mata a escuridão era total. Cheguei na bica às 22:45h, matei a sede, que já estava incomodando, enchi de água a garrafa plástica de 2 litros, e prossegui para o objetivo final daquela noite, que no caso era o Itapiroca. Logo no início da Floresta da Fadas, voltei a fazer algo que sempre faço quando ando sozinho na mata: sentei em uma pedra, apaguei a lanterna e fiquei imóvel por alguns minutos. Não havia vento, nem riacho por perto, nem barulho de insetos ou qualquer animal que fosse. O silêncio era total, e por mais incrível que possa parecer não senti solidão, senti sim uma paz descomunal. Uma paz que só a natureza pode oferecer, algo que poucas pessoas no mundo ainda sentem. Longe da fumaça, do barulho dos automóveis, da violência, pude conceber a energia emanada de Deus.

A noite continuava linda, a mata e a trilha completamente secas, e ao chegar no Itapiroca, às 23:25h, observei maravilhado a silhueta do Pico Paraná, que mais parecia um gigante adormecido. Uma cena que cada vez que vejo parece ser a primeira. Não havia ninguém lá, só eu, as montanhas e aquele céu maravilhoso. Tratei de armar acampamento e me abrigar antes que meu corpo se resfriasse. Me enfiei dentro do saco de dormir e mentalizei os objetivos do dia seguinte até que o sono chegasse.

01 de maio de 1997 – 2º dia
Na manhã do dia seguinte, como sempre acontece, acordei com os primeiros sinais de um novo dia nascendo. Imediatamente abri a porta da barraca e percebi que o tempo continuava muito bom. A visão era total e não havia nuvens de espécie alguma. Isto me animou, e em pouco tempo já estava fora da barraca contemplando o visual. Logo mais fiz um bom lanche, o qual serviria de base para o dia todo. Esta refeição matinal constituiu-se de: 1 nutri (cereal em barra), 1 pão com queijo, 250 ml de suco de maracujá adoçado. Após terminar, preparei a mochila de ataque para ir ao Pico Paraná e ao Tupipiá. Nela continha: O tubo de PVC revestido com papel contact azul marinho, devidamente montado em um suporte metálico, com tampa superior e inferior de cor branca. Dentro do tubo já estava o caderno e uma caneta azul. Levei também a máquina fotográfica, o binóculo, uma garrafa para trazer água na volta, outra garrafa de 500 ml contento suco de maracujá e uma blusa.

Lembrei também de deixar um bilhete na parte de fora da barraca avisando o Oséas e o Corrêa que voltaria logo, no caso de eles aparecerem por lá. Mesmo receoso em deixar o acampamento sozinho, parti às 8:30h rumo ao PP. Meia hora depois estava no A1, onde encontrei um colega, o Gabriel que também estava indo para o cume com alguns amigos seus. Conversamos um pouco e às 9:10h continuamos a caminhada. Passei pelo A2 às 9:35h e como me sentia muito bem não parei para descansar. Atingi eufórico o Cume do Paraná pela 16ª vez às 10:10h, onde permaneci por aproximadamente meia hora. Apreciei a paisagem, fiz algumas fotos e quando o Gabriel chegou convidei-o para ir comigo ao Tupipiá, mas ele não estava muito disposto e resolveu ficar por lá. Pedi a ele que fizesse uma tomada com sua filmadora dali do PP, quando eu chegasse no Tupipiá.

Parti às 10:45h e às 11:13h atingi o cume desta montanha pela 2ª vez. Procurei cuidadosamente um lugar para colocar o tubo onde ficaria o caderno. Fui então até a pedra onde havia estado com o Oséas e o Taylor na primeira vez que fomos lá. Havia uma fenda nesta pedra, na qual tentei enfiar a barra metálica algumas vezes sem muito sucesso. Logo encontrei um ponto que ela começou entrar, e cada vez que eu fincava a barra ela ia mais fundo. Logo já havia entrado uns 35cm e percebi então que já estava bem firme. Acertei o nível do tubo, e comecei um relato emocionado no caderno. Ao terminar, coloquei-o dentro do tubo, fechei-o e tirei algumas fotos. Percebi o pessoal do cume do PP como pequenos pontos em movimento, acenando para mim, provavelmente o Gabriel e seus amigos.

Iniciei o retorno às 12:45h chegando de volta ao PP às 13:45h. Não encontrei mais o Gabriel e sua turma, mas sim outros vários montanhistas que lá estavam. Conversamos um pouco, eu me despedi e às 14:20h retomei minha caminhada. Um pouco abaixo do A2 encontrei outro colega da montanha, o Etore. Ele e um amigo estavam indo para o cume. Logo depois do A1 enchi as garrafas de água e rumei para o Itapiroca onde cheguei às 15:50h. Minha barraca continuava lá, e próximo a ela meus amigos Oséas e Corrêa. Eles comemoraram minha chegada, e eu a deles. Nisso já eram quase 16:30h, e então decidimos que seria melhor passarmos a noite ali mesmo, e no outro dia partirmos rumo ao Agudo da Cotia.

O final deste dia foi um dos mais bonitos que já vi na minha vida. Observava-se no horizonte nuvens leves, que assumiam tons que iam do dourado ao púrpuro, mesclando-se a um céu de azul indescritível. Realmente algo fora do comum. Meus amigos não haviam levado barraca, apenas rede de selva, tendo então que bivacar durante à noite. Felizmente o clima continuava seco, o que proporcionou a eles uma noite muito tranqüila.

02 de maio de 1997 – 3º dia
Oséas!!, Corrêa!!…, gritei quando olhei para fora da barraca, quando despontavam os primeiros raios de sol. Não menos maravilhoso que seu poente no dia anterior, foi seu nascente neste dia. Ainda meio escuro dentro da barraca, procurava a máquina fotográfica para registrar aquele momento inesquecível. Saí para fora e comecei a procurar o melhor ângulo. Logo apareceu o Corrêa, e fez a mesma coisa. Eram aproximadamente 6:45h, quando decidimos que partiríamos às 8:00h dali do Itapiroca, rumo ao Agudo da Cotia. Comecei então desarmar o acampamento, e na hora marcada partimos.

Chegamos no Cerro Verde às 8:50h. Não paramos. Chegamos no Pico do Luar às 10:05h. Permanecemos lá por 15 minutos. Tomamos suco, comemos alguma coisa e continuamos a caminhada. Chegamos na última água antes do Ciririca exatamente às 11:25h. Ficamos meia hora ali. Não abastecemos nossos reservatórios de água. Decidimos que pegaríamos água entre o Ciririca e o Agudo, e mesmo sabendo que os córregos poderiam estar secos, preferimos arriscar. Chegamos ao Ciririca às 12:47h. Encontramos lá um colega que por coincidência eu já havia encontrado na última vez em que estivera lá, o Pioli, amigo do Paulo Marinho, que por sua vez é um amigão meu.

Descansamos, assinamos o caderno, e às 13:05h continuamos rumo ao objetivo final daquele dia, o Agudo da Cotia. Durante a descida do Ciririca, encontramos vários córregos, que em vezes passadas abundavam água, mas que desta vez estavam totalmente secos. Em alguns casos, quando havia água, parecia estar parada há dias. Felizmente mais adiante encontramos água corrente e cristalina. Aproveitamos para saciar a sede e abastecer nossos reservatórios.

Ao chegar na encruzilhada antes da subida do Agudo, às 14:25h, paramos&nbsp, para decidir o que fazer, pois não havia vantagem alguma em subir o Agudo com as mochilas cargueiras e acampar lá em cima, já que no dia seguinte teríamos que voltar naquele ponto onde estávamos para continuar a caminhada. Então o Oséas decidiu dar uma olhada lá para frente. Largou a mochila e foi. Logo retornou e disse que havia um lugar para passarmos a noite. Pegamos as mochilas e fomos para lá. Eu achei um descampado, e armei ali minha barraca. Já os meus amigos encontraram um pequeno vale e armaram lá suas redes de selva.
Enquanto eles faziam isto, saquei o mapa que havia levado, e com o Araponga e o Morro do Sete no plano visual, comecei a imaginar uma possível rota para o objetivo final da aventura, a estrada da Graciosa. Enquanto isso eles apareceram, convidando-me para ir para o Agudo. Improvisamos uma pochete com as bolsas laterais da minha mochila e colocamos as máquinas fotográficas dentro. O Corrêa a prendeu em sua cintura, e às 15:50h partimos para um ataque ao Agudo da Cotia. Exatamente 30 min. depois estávamos no cume desta montanha. Era a 1ª vez do Corrêa, e a 2ª minha e do Oséas. Fiquei muito feliz em estar lá novamente, já que esta é uma montanha símbolo para mim, tanto que hoje alguns preferem me chamar de Agudo do que de Elcio. Permanecemos lá por 40 minutos, e às 17:00h iniciamos o retorno ao nosso acampamento.
Como o lugar em que acampamos não tinha nome, decidimos então chamá-lo de Colina Verde. Chegamos na Colina Verde às 17:30h. Eu estava precisando repor minhas energias, e então decidi preparar algo quente para comer. Saquei da mochila o fogareiro a álcool que havia feito às pressas antes de sair de casa. Coloquei um pouco de álcool, e preparei aquele miojão. Como estava bom. Tão bom que não resisti e preparei outro. Aí sim, fiquei satisfeito. Já era quase noite e estava esfriando rapidamente. Então entrei na barraca e me acomodei. Logo escuto a vóz do Oséas me chamando: ELCIOOOOOOO!!! Como estavam dentro do vale, parecia vir de muito longe. Nos comunicamos aos gritos, e depois de um barulhento BOA NOITE!!!, silenciamos e dormimos.

03 de maio de 1997 – 4º dia
Este dia foi diferente dos outros. Não as condições do tempo, que continuavam excelentes, mas a expectativa de nos confrontarmos, nós três, pela primeira vez com o desconhecido. Cada um de nós tinha dentro de si, certeza e autoconfiança de que tudo terminaria bem e que atingiríamos nosso objetivo tão sonhado, em breve. Isso fez com que ficasse para traz todo tipo de dúvida e incerteza, pois apesar das suposições sobre o tempo da travessia, que deveria ser de pelo menos dois dias, estávamos convictos de que era possível fazer em um.

Partimos às 7:05h da manha em busca deste sonho, e após abrir caminho em campos de altitude, vales, vários deles repletos de bromélias, bambus e cipós, rios e pequenos morros, chegamos às 10:37h na garganta do Araponga. De lá avistamos o Morro do Sete. Nós sabíamos que de acordo com a carta topográfica da região, descendo até o fundo da garganta, em algum lugar encontraríamos a nascente do Rio Mãe Catira. Logo no início da descida, nos deparamos com um leito seco de um córrego. Seguimos por ele por algum tempo, e em determinado instante, começou brotar timidamente um filete d´água. Continuamos. Este filete começou a ganhar tamanho, e logo era um córrego.

Descemos mais e entre uma cascata e outra, já era um riacho. Quando chegamos no fundo da garganta, pulava-mos de pedra para pedra para não molhar os pés. Um afluente aqui, outro ali, e em alguns pontos já tinha-mos que ir pela margem. Percebemos que por um longo trecho, o declive era bastante suavizado, o que facilitava nosso progresso. Porém aquele riacho continuava ganhando porte. Caminhava-mos sobre as pedras, hora num lado do leito, hora no outro, as vezes no meio. Corrêa e Oséas iam na frente com muita agilidade. Eu tentava acompanhar, mas infelizmente o solado da minha bota não permitia uma boa aderência sobre as rochas, isto fez com que meu ritmo caísse de forma drástica. Não conformado com isso, tentei inutilmente acompanha-los. Foi um festival de tombos que acabou abalando meu bom humor, e então comecei a temer que em alguma queda, algo mais que uma simples batida no joelho ou no braço acontecesse. Reduzi meu ritmo. A essa altura, aquele pequeno riacho, já havia se transformado num rio, e nós três não tinha-mos mais dúvida de que este era o Mãe Catira.

Em determinado instante, olhando adiante, percebemos uma janela na mata. O rio parecia terminar. Chegando lá, observamos uma grande cachoeira, deveria ter uns 40m de altura, maravilhosa, e no seu final havia uma piscina natural que convidava para um banho, porém tínhamos que continuar, pois não sabíamos quanto ainda tinha pela frente. Depois desta cachoeira, encontramos outras várias pela frente, uma mais linda que a outra, mas muito perigosas para descer. As horas passavam, e entre uma cachoeira, uma curva no rio, outra cachoeira, pulos de pedra em pedra, a aventura parecia não ter fim.

Diante das dificuldades em superar o desnível do rio, com uma bota que mais parecia um par de esqui na neve, decidi que seria melhor para os meus amigos e mais seguro para mim, ir pela margem do rio. Foi o que fiz. No começo encontrei a mata meio fechada, o que as vezes me obrigava a voltar no leito do rio. Mas depois, como num passe de mágica, apareceu uma trilha, aparentemente bastante utilizada e que seguia pela margem. Eu observava enquanto caminhava por ela, meus amigos ficando para traz no leito do rio. Foi quando gritei para o Oséas e o avisei que estava numa trilha. O convidei para que também viesse por ela, mas ele disse que iria pelo leito mesmo. Então falei a ele que devido a situação da minha bota, iria continuar pela trilha.

Essa decisão faria com que a história terminasse com dois finais diferentes. A trilha que segui, em pouco tempo se afastou do rio, e logo já nem ouvia mais seu barulho. Por algum instante achei que a atitude que tomara não foi sensata, mas então pensei: se eu continuasse com meus amigos pela margem, além de estar colocando em risco minha integridade física, estaria também atrasando a caminhada deles, tendo em vista que eles sempre me esperavam quando eu ficava distante. Após levar em conta estes aspectos, continuei a caminhada mais tranqüilo pela trilha. Depois de 45 min. cheguei a uma cabana semi destruída feita de bambu. Imaginei ser de palmiteiros, e que provavelmente foi encontrada e destruída pela polícia florestal. Aquilo me animou, pois deduzi que a estrada deveria estar perto. Porém a noite também estava. A pilha da minha lanterna já estava gasta, devido a subida noturna do Itapiroca, e a sua utilização na barraca durante as três noite anteriores.

A Situação era a seguinte, eu poderia estar a 3 minutos da Graciosa, ou a 3 horas. Encontrei então uma clareira bastante batida e decidi acampar ali. Já era quase noite dentro da mata quando terminei de armar a barraca, e eu estava um pouco triste por não conseguir atingir o objetivo no mesmo dia. Tive então a idéia de utilizar o resto da carga das pilhas da lanterna para tentar ir um pouco mais adiante, já que o acampamento estava armado e a trilha bem aberta. Andei por 20 minutos pela trilha quando tive a felicidade de encontrar bananeiras. Ba-na-nei-ras. Eu não acreditava. Comecei a andar a passos largos. Logo encontrei aquelas famosas florzinhas que tem aos milhares na Estrada da Graciosa. Fui mais alguns metros adiante, e às 19:20h aproximadamente, tive a alegria e a emoção de ajoelhar-me sobre as pedras da estrada da Graciosa e beija-las. Voltei correndo como uma criança pela trilha, esqueci completamente o cansaço, e quando cheguei a barraca, entrei nela e dormi tranqüilo e realizado. A minha missão estava comprida. Pedi a Deus que estivesse tudo bem com meus amigos, já que o sucesso pleno da aventura dependia disso também.

04 de maio de 1997 – 5º dia (final)
Choveu durante a noite toda. Rezei para que meus amigos tivessem chegado pelo menos no recanto Mãe Catira. Eles estavam apenas com rede de selva, o que tornaria a noite deles interminável sem um abrigo. Coloquei tudo de volta na mochila e fui andando pela trilha ciente do seu final. Avistei perto das bananeiras uma casinha. Não havia visto essa na noite anterior devido a escuridão. Quando sai na estrada encontrei dois senhores, um deles morava nela. Perguntei a ele se o recanto Mãe Catira estava longe, e ele me disse que não, estava a uns três quilômetros dali. Convidou-me então para entrar e tomar café, mas tive que recusar devido a ansiedade de chegar ao recanto e saber se estava tudo bem com meus amigos.

Ao chegar lá, pedi informação para um menino que atendia em um quiosque, e ele me informou que meus amigos haviam passado por lá noite anterior. Após tentar inutilmente conseguir uma carona, decidiram pernoitar ali, e bem cedo partiram. Aquilo me tranqüilizou, já sabia que eles estavam bem. Porém lembrei que eles não sabiam se eu estava bem ou não, e então tive a idéia de ir ao posto da polícia florestal e deixar meu nome ao soldado Soares, caso alguém me procurasse.

Desci então até São João, onde tomei um ônibus até Morretes às 11:30h. Chegando lá tomei o primeiro ônibus para Curitiba, finalizando assim esta aventura que ficara para sempre na minha lembrança.

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