Retrospectiva da montanha 2014

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O ano de 2014 foi repletos de realizações tanto no montanhismo brasileiro quanto no mundial. Confira o que rolou de destaque neste ano:

Enquanto na vida normal o ano demora para começar, no montanhismo ele vem com tudo logo nos primeiro dias de Janeiro. Esta época de férias é também a alta temporada para escaladas em alguns locais, como no Aconcagua e Patagônia e muita gente está lá.

Ainda no finalzinho de 2013, o Aconcagua conheceu o mais jovem escalador a galgar seu cume, o pequeno Tyler Armstrong, de 9 anos que fez cume com seus pais no dia do Natal. Nesta mesma época, andava pelos Andes o guia de montanha Pedro Hauck, que levou até o cume do famoso vulcão Licancabur o também jovem Luca Antoniutti, de 15 anos, que talvez seja o mais jovem montanhista a fazer aquele cume, já há apenas o registro de outro menino francês, que também tinha a mesma idade.

Isso é o que sabemos na atualidade, pois este mesmo vulcão já era escalado pelos Incas antes dos colonizadores espanhóis. Nesta mesma expedição, Pedro acabou fazendo cume sozinho no Llullaillaco, a quinta montanha mais alta dos Andes onde em 1999 foram encontradas 3 crianças incas mumificadas em seu cume, o que mostra que estes povos pré colombianos já escalavam montanhas muito tempo antes dos europeus.

Com a temporada na Argentina em alta, montanhistas se esforçam em escalar, catarinenses fazem cumes na Patagonia e um parapentista argentino, Hernán Pitocco entra para história ao realizar a primeira travessia pelos Andes num parapente, voando baixo a apenas 3300 metros de altitude ele saiu do vulcão Llaima, no Chile e foi parar na Argentina, passando por cima das montanhas.

Na Patagonia, é realizado um grande feito, Tommy Caldwell e Alex Honnold, dois dos mais renomados escaladores do mundo, realizam a travessia de todo complexo de agulhas do Fitz Roy em El Chaltén, Argentina. Um pouco antes, outro renomado escalador americano, Chad Kellog falece num acidente no próprio Fitz Roy.

Nesta mesma época sai a indicação do premio Piolet D’or deste ano e temos a grande novidade de ter três brasileiros indicados. Sergio Tartari e Flávio Daflon pela conquista da via “Samba de Leão” no Fitz Roy e o teresopolitano Marcos Costa, que mora na China, por ter escalado montanhas virgens naquele país.

No cenário político, uma grande vitória do montanhismo amador e independente no Paraná. Após 2 anos de lutas, a lei 17.052 que trazia várias restrições à pratica livre de esportes de aventura foi alterada num formato mais coerente.

Em São Bento do Sapucaí, o montanhista Davi Marski é atacado por abelhas na Pedra do Baú e ele e clientes vão parar no hospital. A Colméia de onde vieram as abelhas que o atacou foi removida dias mais tarde, no entanto os ataques de abelhas passaram a ser uma preocupação na região.

O mês de Março foi movimentado no cenário da montanha no Paraná. Fortes chuvas abriram uma cratera na estrada da Graciosa, o que deixou o acesso ao Marumbi caro e difícil. Neste mesmo mês, é anunciado que seria lançado um novo guia de escaladas, o do Morro do Canal.

Ainda no cenário do montanhismo neste estado, aventureiros despreparados que queriam subir uma montanha, acabam se perdendo e ganham de presente um passei de helicóptero. Um notícia vindo do exterior comoveu muitos montanhistas daquele estado. Foi a morte precoce de um dos melhores escaladores americanos, Sean Leary, ex namorado de Roberta Nunes, que faleceu num acidente de Base Jump e teve seu corpo descoberto dias depois.

A atenção volta-se com o inicio da temporada no Everest. Primeiramente o governo do Nepal muda a regra das permissões para escalar as montanha, reajustando os preços. Depois é divulgado que Sherpas querem instalar escadas fixas no teto do mundo, medida criticada pela UIAA meses mais tarde depois o governo do Nepal anuncia que colocará efetivo policial na montanha para controlar os frequentes problemas que vem ocorrendo por lá, como furtos e brigas. A polêmica se expande com a determinação de novas regras de lixo na montanha, numa lei que depois é revogada. Mal sabiam as autoridades que em 2014 o Everest conheceria uma de suas maiores tragédias.

Abril marcou os 50 anos do golpe militar no Brasil. Apesar disso não ter nada a ver com o montanhismo, indiretamente afetou bastante a liberdade das pessoas. Quem viveu esta época, como o experientíssimo montanhista Vitamina, conta como foi.

É começo da temporada no Everest e logo tem sua primeira vítima, um Sherpa falece com edema pulmonar. Esta foi apenas uma prévia, pois dias mais tarde, enquanto Sherpas trabalhavam na fixação da rota pelo lado nepalês da montanha, uma avalanche ceifou a vida de 16 pessoas, todos Sherpas. Esta tragédia mudou os rumos das escaladas. Houve greve entre carregadores e guias e dias mais tarde os próprios Sherpas decidem por pôr um fim na temporada de montanha antes mesmo dela começar. O montanhista cearense Rosier Alexandre estava lá e conta como foi a tragédia. O cronista de montanha Rodrigo Granzotto Perón fez um resumo de tudo o que aconteceu na temporada de montanhismo da pré Monção do Nepal neste ano.

Nos Andes, um ucraniano desaparece misteriosamente na região da Puna do Atacama de Catamarca, na Argentina. O Montanhista Maximo Kausch estava lá e contou como foi, ele aproveitou e fez mais quatro montanhas de seis mil metros.

Maio começa com uma grande perda para o montanhismo brasileiro, com a morte de Paulo Roberto Felipe Schmidt, o “Parofes”. Parofes lutou por dois anos contra uma leucemia, mas não resistiu. Sua carta póstuma é lida por milhões de pessoas e chega a ser capa de um dos maiores sites brasileiros, o UOL. A comoção é geral.

Driblando os Sherpas que fecharam o Everest um pouco antes, a brasileira Cleo Weidlich decide escalar o Everest, passando por cima da cascata de gelo do Khumbu de helicóptero, sua parceira na aventura, a chinesa Wang Jing chegou ao cume dias mais tarde. As opiniões sobre esta escalada são divergentes no resto mundo, pois alguns as criticaram pela questão ética e desrespeito aos Sherpas e outras viram como uma rebeldia em quebrar as regras para escalar.

Ainda no Himalaia, o japonês que reside no Brasil Tatsuo Matsumoto chega ao cume do Kangchenjunga, a terceira montanha mais alta do mundo.

A paulista Ana Elisa Boscarioli, após vários anos no circuito dos sete cumes, finalmente finaliza seu projeto chegando ao cume do Denali no Alaska. Ela se torna a primeira brasileira a fazer os sete cumes, que é o projeto de escalar as montanhas mais altas de cada continente.

No Brasil, mais um parque nacional que protege montanhas é criado, trata-se do Parque Nacional do Guaricana, localizado na Serra do Mar do Paraná. Na mesma Serra do Mar, um jovem acaba perdendo a vida após uma incursão mal sucedida na região do morro do Tucum.

Waldemar Niclevicz realiza uma expedição na região de Cuzco no Peru, onde escala o Nevado Verônica e o Ausangate. É a primeira vez que um brasileiro faz cume nesta bela montanha. Em sua volta ao Brasil, ele lança seu quarto livro, uma auto biografia fotográfica.

Outra tragédia abala o montanhismo do sul do Brasil. O famoso montanhista Ricardo Baltazar, o “Rato” que foi a ultima pessoa a fazer cume no Cerro Torre antes que fossem tiradas as chapeletas da rota do compressor falece durante uma incursão solitária em um canyon na região da Serra Gaúcha.  É a segunda grande perda do montanhismo brasileiro.

Em Agosto, após realizar dois cursos de escalada em gelo na Bolívia, a dupla de guias de montanha Maximo Kausch e Pedro Hauck escalam as montanhas que faltavam para eles finalizar a ascensão de todos os cumes com mais de 6 mil metros naquele país, que são 14. Em cada cume eles jogarem as cinzas de seu falecido amigo Parofes. Nesta odisseia, eles descobriram que uma montanha que não era tida como 6 mil metros, o Capurata, era na verdade um seis mil, ao contrário do Alto Toroni, que era tido como 6 mil, mas na realidade beira esta altitude. Fazendo cume sozinho nesta isolada montanha, Pedro Hauck ainda descobre um sitio arqueológico em seu cume. Com estas montanhas, Maximo Kausch chegou a sua 68 montanha de seis mil metros nos Andes e Pedro Hauck 28. Dentre estas montanhas também está o Chachacomani e o Chearoco, montanhas pouco frequentadas, cujos acessos são mantidos a 7 chaves pelos bolivianos.

A novidade de setembro foi a edição de mais um guia de escalada no Brasil, trata-se do guia do Cuscuzeiro, um dos melhores locais para se escalar no estado de São Paulo.

No outro lado do mundo, a explosão de um vulcão no Japão pega excursionistas de surpresa teve até brasileiro na montanha presenciando este fenômeno natural belo e mortal ()

Criada no começo do ano, a Associação Brasileira de Escalada Esportiva realiza seu primeiro campeonato de escalada, uma competição de Boulder realizada em Brasília.

Polêmica na montanha. Na área de amortecimento do Parque Estadual do Marumbi é aprovado o desmatamento de um terreno de 800 metros quadrados. Apesar da denuncia e da interdição do terreno, menos de um mês depois começou uma construção no local.

Realizando um dos voos mais difíceis do Paraná, o piloto de parapente Hilton Benke ganha 3 mil metros de altitude e consegue sobrevoar o Anhangava e o Marumbi, realizando uma travessia pela Serra do Mar e indo pousar perto de Alexandra, na baixada litorânea, ele produziu um vídeo que foi depois divulgados por diversos meios.

Com uma das piores secas da história, são registrados diversos incêndios florestais simultâneos no Brasil. O pior deles, na Serra do Órgãos, consome partes do Parque Nacional de nome homônimo e chega até os campos de altitude.

No segundo desastre deste ano no Nepal cerca de 40 pessoas perdem suas vidas durante uma forte tempestade de neve e avalanche na região do Annapurna. A maioria deles são de carregadores Sherpas.

Nesta mesma época no Nepal, a paulista Cissa Carvalho, colunista do AltaMontanha, faz cume no Ama Dablan, a montanh a com rota normal mais difícil da região do Everest.

Realizando uma pesquisa com um GPS de alta precisão, o geocientista e pesquisador Antonio Paulo Faria redefine as altitudes das montanhas mais altas da Serra do Mar Fluminense. É confirmado que o Pico Maior é a montanha mais alta de todo o conjunto da Serra do Mar, de Santa Catarina até o Rio.

No acre um acidente de slackline leva a vida de um praticante desta modalidade que surgiu no Brasil com escaladores, mas que ganhou vida própria. O motivo do acidente foi o rompimento da catraca de uma equipamento de má qualidade

Em Yosemite, na Califórina, a neozelandesa Mayan Smith Gobat e a americana Libby Sauter batem seu próprio recorde de velocidade ao escalar a famosa via The Nose no El Capitán. 3 dias depois elas voltam para a parede e repetem a escalada em 4 horas e 43 minutos.  Um pouco depois, o holandês Jorg Verhoeven, ex. campeão mundial de escalada, repete a mesma via em livre, ou seja, usando apenas as mãos e pés para escalar, enfrentando trechos de grande dificuldade técnica que eram realizadas com clifs e estribos. Torna-se o primeiro europeu a fazer esta mítica via desta maneira.

Marcos Costa, indicado meses antes ao prêmio Piolet D’or, regressa a sua casa com mais cumes virgens no Himalaia no curriculum. São montanhas de 5 mil metros técnicas onde se misturam escaladas em gelo e em rocha, num estilo arrojado e bastante comprometedor.

Em novembro com a temporada no Aconcagua, após ser fixado o preço dos permissos em cima da hora, começam os primeiro movimentos na montanha que ao contrário de ser de montanhistas, são de corredores. É que há oito anos era realizado o Ultra Trail do Aconcagua, um evento que vinha crescendo internacionalmente e que servia de classificação parar o Ultra Trail do Mont Blanc, uma das provas de corrida de montanha mais famosa do mundo. Porém a situação na Argentina não está nada fácil e uma greve surpresa dos guarda parques do Aconcagua impediu a realização do evento.

No fim deste mês, um incidente com abelhas na via Nirvana em Andradas, Sul de Minas, levou a vida de nosso querido parceiro Davi Marski. Davi estava escalando com Silvério Nery, presidente da CBME e da FEMESP, quando durante o rapel da via começou a ser atacado pelas abelhas. Como a via tinha múltiplos rapeis, eles ficaram muito tempo expostos às picadas, entre uma troca e outra de parada, até que no penúltimo lance Davi apagou. Silvério ainda ficou sendo atacado por bastante tempo e quase desistiu de lutar. No entanto ele juntou forças para se desprender do amigo e chegar ao solo, para ser mais tarde socorrido. Marski morreu de choque anafilático e Silvério milagrosamente conseguiu se salvar.

Depois do incidente, Nery se afastou da CBME e FEMESP, deixando o cargo para os vices, repectivamente Kika Bradford e Sergio Robles. Este ano foi um ano de mudanças nas diretorias das federações de montanhismo brasileiras, pois meses antes, no Paraná, Natan Fabrício, após 8 anos na presidência da FEPAM, deixa o cargo para Nelson Mendes, o Pexe, tocar a entidade que representa o montanhismo naquele estado.

É inegável a contribuição de Silvério Nery e das federações ao amadurecimento do montanhismo brasileiro. Durante uma década, estas entidades representaram os montanhistas e conseguiu reverter diversos quadros que dificultavam, ou que até impediam a liberdade de praticar o montanhismo em diversos locais. Foram leis absurdas e também muitas proibições em parques.

Nem todos os locais, no entanto, tiveram suas questões resolvidas. No Marumbi –PR, montanha onde nasceu o montanhismo brasileiro, há um grave problema de acesso ocasionado pela reforma do camping, que dura 4 anos. Este camping já está pronto, no entanto o órgão ambiental que gerencia a unidade de conservação não tem efetivo para trabalhar nele e sua abertura depende da criação de uma licitação para contratar uma empresa para cuidar do local. Por conta disso, não há previsão de que ele seja reinaugurado. O mesmo órgão ambiental proíbe a escalada em outra unidade de conservação, o Parque Estadual do Monge, localizado no município da Lapa, há 50 km de Curitiba. Tal parque sofre do mesmo problema e neste ano a população foi até impedida de ver o pôr do sol do alto de sua escarpa.

Enquanto isso, a nova entidade que realiza as competições de escalada no Brasil, a ABEE, faz seu segundo campeonato, um campeonato de dificuldade em São Paulo. Os campeões são Felipe Camargo e Bianca Castro. Neste evento houve a participação do top climber austríaco David Lama, que veio ao Brasil para realizar uma escalada em seu novo estilo favorito, que é realizar vias de parede de alto nível técnico. Para tanto, ele e Felipe Camargo entraram na via Atalho do Diabo na face Sul do Corcovado no Rio de Janeiro. O projeto era fazer esta dificil parede em apenas um dia, no entanto, uma queda de Felipe Camargo e outra de David Lama, que ocorreu pelo rompimento de um grampo, não permitiu que este feito fosse realizado como o planejado e a via continua sem uma repetição em livre em um só dia.

Um pouco depois da ilustre visita de Lama, outra equipe internacional aterriza em solo tupuniquim e realiza diversas escaladas de alto nível. É uma equipe de escaladores tchecos que abrem em pancas uma via de parede com enfiadas de até nono grau brasileiro.

E assim o ano vai chegando ao fim com o começo de mais um temporada andina, quando as chuvas e o calor pelo Brasil começam a dificultar a escalada por aqui. E é neste fim, meio que começo que o mundo volta suas atenções com Aconcagua. A bola da vez é Kilian Jornet, o mais badalado corredor de aventura da atualidade que conseguiu bater às vésperas do Natal o recorde de velocidade da montanha, baixando 55 minutos o recorde anterior e fixando sua marca: 12 horas e 49 minutos de Horcones ao cume e do cume de volta à Horcones.

E assim, fecha-se este ciclo anual, com o final de 2014. Que 2015 seja um ótimo ano com ótimas noticias. Estaremos antenados e divulgando tudo o que acontece aqui no AltaMontanha.com.

 

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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