O Zen da montanha

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O gesto não é só um movimento de subida ou descida, é também uma atitude

Texto de Mauricio Purto

Mallory, o lendário escalador britânico, que pode ter subido o Everest 30 anos antes que Hillary, resumiu o chamado da montanha “porque está ali”, explicando sua ansiedade pelo cume.

Este conciso “haiku” de Mallory resguarda um mundo vastíssimo. Os haikus são poemas Zen que soam mais ao acerto que a resposta… Mas quando sintonizados no sem razão, bem podem envolver flashes da realidade passada… Como “o som de uma mão aplaudindo” ou “a velha música dos pinus”… Que se escuta aos pés do Everest, compreendido por hordas de alpinistas que talvez pretendessem como eu transcender. Ter uma experiência, um “toque do Everest”. Mas o toque, mais além da prova, da iniciação, está na experiência do agora, do presente, do centro, do chamado Zen.

Peguntaram a Matsuo Basho (um ilustre poeta de haikus) o quê era a iluminação. Basho falou que não se tratava de buscar a verdade, mas sim de estar nela. E para estar nela devíamos ser impecáveis… “Viemos para ser criadores, não vítimas, a nos expressar, não a nos esconder… Na medida justa… No gesto impecável… O sapo na lagoa. Soa PloP”. Uma utopia?

O gesto impecável leva ao centro, e o centro leva ao gesto impecável… E ao estar presente. Esse é o Zen de subir montanhas.

No desenvolvimento psicofísico de um montanhista, a educação se dirige por uma parte a adestrar um conjunto de gestos naturais que se poêm em ação tratando de subir montanhas. Mas é um aspecto que poderíamos chamar técnico.

O gesto não é só um movimento de subida ou descida, é também uma atitude. O gesto também depende de nossa relação com o que representa para cada um as montanhas. O gesto traduz ritmo, nossa capacidade para decifrar as mensagens próprias e as da natureza ao redor, por exemplo, a tremenda decisão de subir ou não. Alcançar a impecabilidade no gesto é a essência, e o ritmo é fundamental. A impecabilidade do gesto é, além disso, uma necessidade em subir montanhas, que nos obriga a estar centrados na força. Porque mais além do zelo estético, intelectual ou físico, no alpinismo está comprometido todo o subjetivo, e portanto sua importância como valor educativo holístico.

Dizia Pío XII a alguns congressistas alpinos: “Sejam dóceis a lição da montanha. É uma lição de elevação espiritual, uma lição de energia moral mais que física”.

O montanhismo é uma escola integral do ser, cujas qualidades podem ser a panacéia dos filhos do “progresso”, aprisionados na comodidade e na indolência do sedentarismo. Uma escola muito antiga. Que nos conecta com o aqui e o agora. Porque o tempo sempre é presente. Os meditadores antigos chamaram a consciência do presente “dián”, e seu caminho “Zen”, o caminho do êxtase, da iluminação.

“O gesto não é só um movimento de subida ou descida, é também uma atitude”.

*Mauricio Purto é um dos mais importantes nomes do montanhismo chileno e possui diversos artigos publicados no periódico El Mercurio.

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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