SERTÃO RADICAL NA PEDRA DA BOCA

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Quem viaja pelas estradas planas do “Brejo Paraibano“ – micro região interiorana da Paraíba de clima + ameno em função da altitude do Planalto da Borborema – não imagina o q existe algo além de sua monótona paisagem de caatinga e lavouras de açúcar. Próximo da divisa c/ RN há um local repleto de serras, grutas, cachus, pinturas rupestres e enormes monólitos de pedra apontando pro céu, cujo carro-chefe é a famosa Pedra da Boca. Localizada dentro do recém-criado (e desconhecido) Pque Estadual homônimo e nos contrafortes da Serra das Confusões, ele é o novo palco da galera potiguar praticante de rappel, escalada e trekking. Mas aos poucos vem atraindo tb gente de fora, aventureiros sedentos por novos destinos inexplorados e belezas naturais ainda incógnitas no mapa do ecoturismo brasileiro.


Fotos: Mell Meziat Godoy &amp, Paulo Rodrigues

Saltei do “latão“&nbsp, em pleno asfalto, as 20:30, ainda faltando uns 3km ate a pequena cidade de Passa-e-Fica, destino final do coletivo da Expresso Paraibano. A viagem fora bem demorada apesar dos 170km q nos separavam de João Pessoa, de onde partira às 18hrs. As longas paradas em Sapé, Pirpirituba, Guarabira e Belém eram necessárias, pois o melhor acesso ao PE Pedra da Boca é por Passa-e-Fica (RN), embora o parque se localize em território paraibano.

Pois bem, atravessei o asfalto já tomando a estrada de chão à esquerda, onde uma placa indica claramente faltarem uns 5km ao meu destino. Esta região rural de Araruna tem apenas algumas casas aqui e acolá e precária iluminação. Não demora e me vejo andando em plena escuridão, numa estrada deserta rasgando um chapadão plano do interior do sertão. No entanto, ao longe já consigo distinguir o contorno recortado de enormes morros destacando-se da horizontalidade da caatinga ao meu redor.

O céu está coberto de estrelas e a noite oscila entre o fresco e o quente, embora minhas costas já estejam ensopadas de suor. A tentação de acampar à beira da estrada é enorme, mas a silhueta dos mandacarus&nbsp, – q + lembram sentinelas guardando a região – me inspiram a continuar firme e forte, bordejando morrotes abaulados, forrados de vegetação arbustiva e mtos cactos. Bifurcações surgem, mas o sentido é obvio não oferecendo maiores problemas de orientação.

No caminho, atravesso o Rio Calabouço pela precária ponte, divisa natural da PB e RN, p/ depois bordejar pela direita seu enorme açude homônimo. Numa nova bifurcação tomo à direita, indo de encontro as únicas “luzinhas“ q cintilam ao sopé de um enorme serrote, cada vez + próximo.

Após uma plaqueta me dar as boas-vindas ao parque, alcanço finalmente, as 22hrs, os limites da propriedade de Seu Tico, composta por duas casas e uma ampla área de camping, onde já haviam umas 4 barracas instaladas. Depois de breve prosa c/ Seu Tico e sua esposa, Dna Nazareth, monto minha tenda, tomo um banho (banheiros decentes!) e desfaleço sobre o saco-de-dormir. Afinal, o dia sgte seria repleto de explorações.

A manha sgte raiou c/ mto sol e fragmentos de céu azul, alem de promessas de bom tempo no decorrer do dia. Tomei meu desjejum antes q a barraca se tornasse um forno ao ser tocado pelos braços do Astro-Rei e permaneci sob a área coberta do camping (q serve de mini-restaurante) esperando o dia efetivamente começar, alem de perscrutar as redondezas da casa. Um mural c/ fotos do grupo potiguar “Kalangos da Serra“ mostram as atividades ali desenvolvidas, e um livro de registro de visitantes revela uma freqüência maior de gringos ao parque q turistas tupiniquins! Uma das casas é a do Seu Tico e a outra serve de “pousada“ rústica e improvisada a quem quiser estadia + “confortável“. Enfim, o local é bem simples, porém acolhedor.

Naquele inicio de dia pude apreciar melhor a famosa Pedra da Boca, cujas muralhas rochosas agora resplandeciam privilegiadas pela incipiente iluminação matinal. De fato, a Pedra realmente se destaca majestosa entre as outras formações rochosas q embelezam os arredores. Apresenta uma grande cavidade provocada pela erosão, a 60 metros do seu cume, que se assemelha a uma grande boca aberta. Os locais dizem q a montanha lembra um sapo cururu gigante prestes a abocanhar algo. Entretanto, eu já prefiro não comparar a boca c/ a do nojento anfíbio e sim c/ outra boca de proporções igualmente impressionantes, a da Angelina Jolie.

Mas eis q surge o ilustre dono do local, Seu Tico, td sorridente e falador. Tem pessoas q são folclóricas e imediatamente associadas à região q residem. Assim como o Dílson (PP), Zé Pescocinho (Bocaina) e Seu Caneco (Paranapiacaba),&nbsp, Seu Tico é “o cara“ da Pedra da Boca. Nascido e crescido ali, este simpático senhor de meia-idade conhece cada palmo e, sempre prestativo e de boa vontade, dá dicas, sugere roteiros ou serve ate de guia caso haja necessidade. Gentilmente, me inclui num “roteiro de grutas“ q faria naquela mesma manhã junto de uma galerinha super gente boa (de Natal) acampada, oferta q aceito s/ pestanejar!

Partimos então às 20:30, nos lançando numa trilha q sai dos fundos da casa em direção ao sopé do enorme monólito rochoso, já tomando bifurcações seguidas em meio à vegetação arbustiva e ressequida, em suave aclive. No caminho, varias paradas são necessárias p/ Seu Tico explicar a utilidade de cada planta ou arvore do trajeto. E dá-lhe café-do-mato, sisal, gameleira, juazeiro, jatobás, umburana, maçaranduba, cordeiro, páu d“arco e umbuzeiro. C/ direito até a degustação de ingá, fruto de um cacto, e de uma lagartinha branca comestível q vive dentro de um coquinho, o catolé. Ah, e colhida na hora, fresquinha! Isto é, ainda se mexendo! O 1º tava uma delicia, o 2º declinei de provar, claro. Francamente, este senhor sabe mto bem se virar c/ os escassos recursos q a caatinga oferece, inclusive c/ mtas plantas medicinais q nunca imaginei q teriam alguma finalidade.

Uma vez na base da rocha, começamos a subir a enorme pedra através de uma gde fenda entre os blocos desmoronados, no q aparentemente é um curso de água, q no verão seca totalmente. Após algumas rampas de granito, começa um trecho de escalaminhada que demanda tanto pés e mãos firmes se agarrando nas fissuras escarpadas da rocha p/ ser vencido. E ate corda, em alguns casos. Ganhando altitude rapidamente, não demorou a nos enfiarmos em meio a buracos entre pedras enormes desmoronadas formando uma caverna, onde houve necessidade de nos arrastarmos, da mesma forma q se faz no Petar ou em Itatiaia. Este trecho é o conjunto chamado de “Gruta da Perikiteira“, segundo Seu Tico.

Uma vez no alto, emergimos em meio a arbustos de galhos desnudos e retorcidos, onde o frescor das frestas dá lugar ao calor de um sol incidindo diretamente na cachola. Na verdade, estamos num pequeno platô no meio deste conjunto de serrotes onde temos as ranhuras e fendas da enorme Pedra da Boca bem à nossa esquerda. Daqui fazemos uma curva imperceptível p/ começar a descer através de um lajedo de declividade média por entre pequenas e vistosas bromélias, aqui chamadas de macambiras. A trilha é discreta, porem perceptível a olhos já treinados.

:: Ler a seguna parte do artigo

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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