O Garrafão Nebuloso de Mogi

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Quando estivemos no alto da Pedra da Esplanada poucos meses atrás, outra pedra vizinha nos despertou bastante o interesse pelo seu contorno gracioso e arredondado, detentora de um cume projetando-se mais além e acima de um enorme paredão rochoso. Sim, era o Pico do Garrafão, mas não àquele da Serra dos Órgãos (RJ) ou o de Itamonte (MG). Era o seu modesto homônimo de Mogi das Cruzes (SP) q desta nos chamava até seu largo topo através de sua majestosa face sudoeste repleta de musgo, gramíneas, bromélias e mata nebular, quase mil metros acima do nível do mar.


Maldita cachaça! Minhas pretensões deste fds de uma pernada-solo com pernoite no cume do Garrafão foram extraordinariamente diluídas pela manguaça da noite anterior, q me segurou às cobertas por mais tempo q previsto. Entretanto, a súbita mudança de planos fora até benéfica, pois me proveu de tempo adicional pra planejar mais calmamente o eventual perrengue do próximo feriado prolongado, alem de calçar de mais infos (precisas) da empreitada quase às cegas q me propusera. Melhor ainda, consegui a cia do experiente Souza pra me embrenhar na Serra do Mar mogiana atrás do tal Pico do Garrafão, passível tb de ser percorrido num mero bate-volta. Corrido e bem puxado, diga-se de passagem!

Dessa forma zarpamos de Sampa bem cedo em direção ao Bairro Manuel Ferreira, às margens da Mogi-Bertioga. O tempo, infelizmente, já não estava tão convidativo qto o do fds anterior. Envolto numa nebulosidade opaca desalentadora, o firmamento agora nos privava inclusive de suas tão eventuais frestas de céu azul, q tanto nos animam nessas horas. “Dane-se, já estamos aqui mesmo agora vamos até o fim!”, pensei, ainda com algum pingo de otimismo. Após tomar um rápido café na Balança, nos dirigimos ao pacato bairro rural onde chegamos apenas às 9:30, abraçados por fina e fria garoa.

Deixamos o veiculo na frente do boteco da simpática Lais (q depois soubemos não trabalhar mais lá), arrumamos as mochilas, trajamos os anorakes e lá fomos nós começar oficialmente a pernada, as 9:40. Começamos chafurdando o pé na lama pela precária estrada de terra q toma rumo nordeste indefinidamente, serpenteando pequenos morros e acompanhando os enormes dutos, inicialmente pela esquerda pra depois passar (por baixo deles) pra direita. Como este trecho inicial corresponde basicamente ao mesmo da trip à Pedra da Esplanada serei breve, me atendo apenas a detalhes diferenciados daquela outra ocasião.

As 10:15, com enorme cuidado pra não deslizar nos trechos mais escorregadios de lama, ignoramos a bifurcação à direita (marcada por um portal no meio) q leva à Pda do Sapo, sempre seguindo pela estrada principal. Nos trechos mais abertos, com o passar do tempo o céu arrisca até breves vislumbres de pequenas janelas de céu azul (e sol até!), pra depois tornar a se fechar outra vez sepultando de vez nossa empolgação de ao menos ter visus privilegiados naquele dia.

Passado o trecho rural marcado de sítios aqui e ali, adentramos agora no vasto e extenso território de reflorestamentos da Suzano Têxtil, as 10:40, passando reto na bifurcação q na ocasião anterior tomáramos equivocadamente, sentido Sitio S. Pedro. Os dutos foram deixados pra trás e agora acompanhávamos uns postes esquisitos de energia, sempre bordejando uma suave encosta duma seqüência de morros forrados de eucaliptos, cujos troncos rangiam copiosamente às eventuais lufadas de vento.

Sempre indo pela estrada no mesmo compasso, agora cascalhada, tomamos um obvio atalho por cima de uma antiga ponte de cimento sobre um córrego q nos poupou de uma enorme volta, ate desembocar na frente da propriedade do Sitio Casa Verde (marcada por uma igrejinha batista) de onde parte a picada pra Pedra da Esplanada, as 11:11, por sua vez envolta em brumas incertas. A partir daqui a pernada se dá através de encostas forradas de eucaliptos serpenteando sinuosamente as montanhas do caminho, evidentemente contornando o fundo vale aos pés da Pedra da Esplanada, ainda sentido nordeste e com pouca variação de desnível.

Mas eis q as 11:41 deixamos a estrada principal em favor de um portão metálico amarelo à direita, q desvia nosso rumo agora pro sul, adentrando num setor de reflorestamentos q segue em direção ao vale entre a Esplanada e o Garrafão, alternando encostas serranas. Após descer um tanto, cruzamos uma ponte amarela onde desviamos pra direita, sempre tendo audível um ruidoso rio num fundo vale nalgum canto.Os reflorestamentos foram deixados pra trás e agora palmilhávamos uma estrada rasgando encostas em meio à densa Mata Atlântica forrando ambas montanhas supracitadas.

Após subir um trecho calçado de paralelepípedos, as 12hrs, se o tempo permitisse já teríamos faz alguns minutos um belo vislumbre do Garrafão à nossa frente.No entanto, nosso visu se resume a um branco total radiante. Contudo, ao menos vamos ladeando seu enorme paredão vertical oeste, besuntado de limo e coberto de gramíneas, bromélias e pequenos arbustos. Observamos as possibilidade de subir á pedra por ali. Impossível, ao menos sem equipo necessário, razão pela qual buscamos uma encosta menos íngreme.

Finalmente, após andar um tempão rumo sul nesse mesmo compasso, finalmente tropeçamos com uma enorme clareira à esquerda,próxima de um pequeno córrego q marulha próximo, enqto a estrada continua em frente pra se perder noutra curva em meio à alvas brumas, logo adiante. Desde Manoel Ferreira já totalizávamos quase 13km andados ate ali. Adentramos na enorme clareira buscando vestígios de alguma picada obvia q adentrasse na mata, as 12:15, e eis q ela surge bordejando a mesma pela direita, quase q escondida. Mergulhamos então na mata fresca e úmida, mas não é q não dá nem 50m q a trilha aparentemente desaparece. Busca aqui, fareja ali.. seria essa a picada mesmo? Cogitamos retornar à clareira e buscar a picada novamente, mas não.Tem q ser nalgum lugar por ali mesmo, pois aquela clareira é o único local menos íngreme do qual deve sair algum acesso ao topo do Garrafão!

Pois bem, começamos então a varar-mato (sem maior dificuldade, diga-se de passagem) galgando níveis lentamente pela encosta e desviando das pirambas maiores, mas eis q nossa intuição e bom senso sugere abordar uma crista obvia e íngreme à nossa direita e qual nossa felicidade a tropeçar com a tão almejada trilha!!! Com mato caindo por ambos os lados, a picada estava ali, escondida, em desuso, discreta, porém pra quem sabe diferenciar e reconhecer caminhos era obvio q aquela era a vereda q subia o pico! Dali em diante foi só alegria!

Começamos subindo forte, nos agarrando inclusive nos finos troncos do arvoredo ao redor, ate desembocar num primeiro ombro de serra onde a pernada arrefece. No entanto a partir daqui a picada se vê coberta de mato caindo sobre ela, sejam bambuzinhos ou arbustos maiores ocultando a mesma. Mas observando bem a trilha esta ali, logo abaixo, basta não perde-la. E lá vamos nos, mergulhando literalmente na vegetação, enxugando a mata ao redor. Em pouco tempo alem de ganhar altitude rapidamente nos vemos ensopados e cobertos de mato pelo corpo! Não fosse isso, bastava forçar varar-mato q imediatamente vc levava uma “chuvarada” grátis, cortesia do companheiro da frente. Mas a satisfação de vencer lentamente a montanha supera esses inconvenientes, ainda mais agravados pelo frio desgraçado q fazia.

A picada limpa novamente e a ascensão prossegue sem dificuldades, ziguezagueando agora encosta acima outra vez bem íngreme por degraus de raízes, apenas tomando o cuidado de não escorregar no chão forrado de folhas úmidas. No caminho, pegadas de um animal enorme e pesado despertam a atenção, q logo revelou ser uma anta em virtude dos enormes e arredondados dejetos depositados bem no meio da trilha. Bem, antes uma anta q uma onça.

Após um trecho onde tivemos q rastejar através de um gde túnel de bambuzinhos, a picada arrefece em meio à vegetação de altitude e pequenas arvores ornadas de belas bromélias, ate finalmente dar no largo e abaulado cume do Garrafão, as 13:30! O topo é de certa forma decepcionante pois é td coberto de mato mediano, mas dando um jeito é possível um bivaque. Pensando bem, ainda bem q não acampei aqui no fds. Alem do mais, o único (pequeno) ponto descoberto e deveria oferecer um belo visu do litoral hj apenas nos brinda com alvas nuvens. Apenas um marco geodésico de cimento traz algum diferencial a este pico cuja subida calculo não deve dar 450m de desnível ao todo. Valeu a pena? Sem duvida.

Pois bem, após fazer um delicioso lanche esparramados num trecho relvado da trilha, as 14:10 começamos o longo caminho de volta, agora cientes q não teríamos dificuldade alguma ao retornar por trilha obvia. De fato, a descida foi bem mais rápida e ágil q a subida… ate o momento em q a picada outra vez sumiu, já quase chegando no final. Pior q o nevoeiro impedia q visualizássemos a base da montanha ou qq outro tipo de referencia. No entanto, como o caminho era meio (ou quase) óbvio, bastou azimutar na direção da estrada (oeste) e lá fomos nos, rasgando mato no peito vigorosa e decididamente por pirambas mais suaves ate reencontrar vestígios da “picada”, q na sua base realmente é bem mais confusa não tanto por causa do mato caído e sim pelo desuso aparente da vereda.

Emergimos na clareira as 14:40, com o nevoeiro cada vez mais adensado, o q nos fez apressar a caminhada de volta pra espantar o frio. Se for pra confortar, pelo menos não teríamos a cia do maldito mosquito pólvora q nos infernizou da ultima vez. A estrada, por sua vez, pareceu realmente interminável. Tb pudera, quase 13km entediantes por enfadonha estrada de terra não é mole não. Felizmente os últimos 3km foram abreviados na sacolejante caçamba de um caminhão da Ultragaz, q finalmente nos “desovou” em Manoel Ferreira as 17hrs exatas! Lá fomos pro boteco da Laís..ops, pro agora boteco da igualmente simpática Valeria, onde trocamos nossas vestes úmidas por algo mais aconchegante, assim como bebemoramos o sucesso da empreitada naquelas condições climáticas nada favoráveis. Na seqüência tomamos asfalto rumo Sampa, onde chegamos&nbsp, 2hrs depois, indo direto prum chuveiro e rango quente pra depois capotar no berço.

E com esse perrengue frio e molhado de quase 26km percorrridos q fechamos a tríade de picos interessantes, semi-selvagens e de relativa fácil ascensão próximos de Mogi das Cruzes. Juntamente com a Pedra da Esplanada e a Pedra do Sapo, o Pico do Garrafão é mais uma das vedetes pouco conhecidas q se destacam na carta topográfica da região, montanhisticamente falando. É verdade q não detém os belos e amplos mirantes rochosos destes dois outros picos, mas em compensação sua breve e íngreme subida requer bom senso e ótimo farejo de trilha, diante das condições atuais de sua quase óbvia picada. E mesmo diante de tão acanhado desnível, estas qualidades já são diferencial mais q suficientes pra fazer da conquista de seu cume já algo digno de nota. Noutras, um ótimo desafio de fds.
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Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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