A Ferradura do Elefante

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Durante minhas andanças pela Cachu do Elefante – região serrana de Mogi das Cruzes – sempre tive curiosidade em conhecer a notória “Trilha do Mirante”, picada q nasce à beira do asfalto da SP-98 e num piscar de olhos alcança a mais famosa queda do Rio Itapanhaú. Bem, esta dúvida foi sanada neste último domingo num circuito relativamente “sussa”, resultado da emenda desta vereda com outra bem conhecida. Um roteiro em formato de “ferradura” q percorre td “Trilha do Mirante” até margens do Itapanhaú, pra então cruzá-lo com cautela até a Cachu do Elefante, e finalmente retornar ao asfalto através da tradicional “Mogi-Bertioga”. Um circuito q não é nenhuma novidade, e sim apenas mais uma desculpa pra cair no mato afim de curtir um banho refrescante, ideal pra este inicio de verão.

“Tempo nublado com períodos de chuva durante o dia e noite”. Essa era a nada animadora previsão pro último domingo, dia sacro q reservo pra me dar o luxo de pernar por onde quer q seja. Como era de se prever, boa parte da galera q chamei pro bate-volta da vez amarelou de última hora seja por conta do tempo ingrato, por não ter levantado a tempo ou por outro motivo qq. “Cara, voltei da balada e arrumei uma gostosa.. agora preciso `finalizar´. Desculpa, mas não vou mais. Boa trip proceis!” , desculpava-se via torpedo um dos “confirmados” lá pelas altas da madrugada. “Boa trip pra gente e bom ´treps` procê!”, pensei comigo mesmo, já reconsiderando em chamá-lo numa eventual próxima ocasião.

É dose e ao mesmo tempo desanimador. “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, eis a questão. Noutras palavras: se chama pra pernar acaba no final falando com as paredes; se não dá o toque do rolê depois tem de ouvir desaforos do tipo “e não me chamou?”.  Vai entender…Bem, o blábláblá do parágrafo acima foi apenas pra resumir q no final das contas a única boa alma q topou me acompanhar foi minha amiga e vizinha (de alguns quarteirões) Carol. Sendo assim e após sair bem cedo de Sampa, nos vimos saltando às 9:10hrs no km77 da SP-98 (Mogi-Bertioga), mais precisamente no tradicional posto q atende pelo nome de Balança, pto de partida de trocentas aventuras pela região.

O tempo, por sua vez, parecia não corresponder à medonha previsão, uma vez q estava relativamente quente e o firmamento apresentava aquela típica nebulosidade clara com eventuais frestas azuis, de onde alguns tímidos raios de sol espiavam nossa disposição naquele dia.Após rapidamente ajeitar as mochilas nos ombros, ajustar o calçados e retirar o anorake, demos inicio oficial à pernada proposta naquele domingo. Caminhada longa e interminável pelo asfalto da rodovia, serra abaixo rumo o inicio da trilha, no “Mirante”, diga-se de passagem. Poderíamos perfeitamente ter ido de van até o pto em questão, mas o escorpião no bolso aliada à vontade de já começar andando logo cedo diluiu qq possibilidade de desembolsar din-din numa lotação q abreviasse este trajeto.

Pernada esta q só não foi enfadonha devido à nossa animada conversa durante td percurso, sendo apenas interrompida pelo ensurdecedor barulho de possantes motos descendo rumo Bertioga ou pelas inconvenientes buzinadas da playboyzada “engraçadinha” de plantão. Fora isto, havia q ter um certo cuidado ao andar pelo acostamento, já q alguns veiculo passavam raspando pela gente no sentido contrario.

Pois bem, após descer a serra num ritmo ate q compassado, passar pela ponte do Rio Sertãozinho e pela do Rio Guacá, as 10:45hrs finalmente alcançamos o “Mirante”, situado aproximadamente no km 88 às margens da rodovia. O local nada mais é q um refúgio ou acostamento um pouco maior, com o diferencial q aqui há uma placa vertical enorme sinalizando estarmos nos domínios do Pque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Itutinga Pilões. Totens indígenas e algumas toras de madeira tombadas q servem de bancos disputam o espaço com meia dúzia de ambulantes  – q vendem desde refrescos até óculos de sol – além dos turistas q param aqui apenas de passagem.

Pois bem, o local seria apenas mais um degradado pto de farofa – repleto de lixo e até de macumbas –  totalmente descartável não fosse pela magnífica vista q se tem dos contrafortes serranos q se elevam por td extensão do Vale do Rio Itapanháu, q aqui mostra seus cumes totalmente envoltos em neblina. Mas o destaque mesmo da paisagem fica por conta de espetaculares véus d´água despencando serra abaixo, destoando claramente dos contrafortes forrados de verde: a Cachu Véu da Noiva, mais acima e próxima dos cumes enevoados; e a Cachu do Elefante, uma queda maior já quase na base da montanha. É, o “Mirante” realmente faz jus ao nome.E depois da tradicional foto com as cachus ao fundo, iniciamos a pernada (agora pelo mato) propriamente dita deixando a muvuca do “Mirante” pra trás e dando adeus aos borrachudos, q naquele horário pareciam famintos e ávidos por sangue fresco.

A trilha não é difícil de encontrar, pois bastou fuxicar a beirada do lugar q ela surge meio q discreta atrás de uns troncos q servem tanto de cerca como de banco. Em caso de dúvida basta perguntar pros ambulantes. Bem, a picada já inicia mergulhando na mata e descendo forte por meio de degraus de pedras se alternando numa vala. Mas logo ela se torna uma vereda bem larga na íngreme encosta q se segue, com um chão coberto de folhas e raízes salientes, estas q por sua vez auxiliam na descida servindo de escadas. Mas não é suficiente pois as mãos são solicitadas a td momento pra se firmar no arvoredo ao redor, fazendo deste trecho uma legitima “quase” desescalaminhada.

Por ser freqüentada esporadicamente por grupos escolares enormes, o comecinho é repleto de bifurcações q dão em lugar nenhum, resultado dos trocentos atalhos q os turistas (ou farofeiros mesmo) fazem e terminam erodindo a trilha principal. No entanto, qq desvio de rota é facilmente sanado com bom senso, onde qq quebrada em demasia pra esquerda termina dando numa piramba intransponível, mato fechado, nalgum caminho d´água ou alguma outra surpresa. Foi o nosso caso, pois tropeçamos com a improvável carcaça de um veiculo ali capotado faz séculos. Já quase completamente tomado e mimetizado pelo mato, o q já fora um carro agora agregava sua tonalidade opaca e  enferrujada já repleta de esverdeado musgo á paisagem ao redor.

Após este perdidinho básico bastou apenas varar um trecho insignificante de mato pra direita q a picada ressurgiu novamente, agora bem óbvia e mais pisada. Visivelmente perambulando através de uma crista florestada, este trecho é bastante agradável pois a descida agora se dá suave e imperceptivelmente em meio a legitima Mata Atlântica, com densa vegetação e belos exemplares de arvoredo imponente á nossa volta. Enqto isso, o som ambiente q reina em td momento é o de água correndo furiosamente, aumentando na medida em q nos aproximamos cada vez mais do fundo do vale. Os obstáculos são poucos, tanto q so contabilizei duas enormes árvores tombadas no caminho, e de fácil transposição. Por sua vez, eventuais frestas na mata permitem visualizar flashes das cachus, cada vez mais ao alcance das mãos.

Um tempinho depois a descida arrefece por completo até estabilizar na horizontal de vez. Surgem uma ou duas bifurcações, mas no geral “tds os caminhos aqui levam á Roma” , no caso, ao Rio Itapanhaú. Tomamos a picada da esquerda, passamos por uma oportuna clareira de acampamento com sinais de fogueira recente, até finalmente desembocar no leito pedregoso do largo Rio Itapanhaú, as 11:50hrs. Pois bem, aqui é necessário avaliar qual o melhor lugar pra atravessar o rio, de preferência o menos fundo. Como referencia temos q atingir uma inconfundível prainha fluvial na outra margem do rio, q destoa da vegetação e acena graciosamente pra gente com sua convidativa e fofa areinha.Subimos e descemos um pouco o rio apenas pra chegar a conclusão q o melhor pto de travessia era justamente na margem em frente da tal prainha, aos ziguezagues.

E lá vamos nós, com este q vos escreve na dianteira tateando o terreno feito cobaia, pra depois dar sinal verde (ou não) pra Carolzita, logo atrás. A principio a travessia parece fácil. Embora o fundo seja perfeitamente visível, o duro é q ele é composto inteiramente por pequenas pedras roladas (escorregadias) e não de areia firme e compacta, portanto é preciso saber pisar firme antes de dar o passo sgte. Qq descuido ou deslize era tchibum na certa. Não q aquela hora um banho não fosse bem-vindo, mas com mochila, roupa seca e apetrechos eletrônicos junto não seria boa idéia.

A correnteza felizmente estava num nível tolerável, e assim vamos avançando lentamente perpendicularmente ao Itapanhau. Mas mesmo desviando dos trechos aparentemente mais fundos, é impossível não se enfiar na água até um pouco abaixo da cintura. Em tempo, com chuva esta travessia é impossível e perigosa sem equipo apropriado; alem do volume de água maior e provável barro torna impossível avistar (e avaliar) a profundidade do rio. Felizmente as condições estão favoráveis, do contrario teríamos q dar meia-volta e a nosso circuito em “U”  se transformaria num simplório “J”

Ao meio-dia exato alcançamos a outra margem do rio, largamos as mochilas na prainha e nos presentearmos com um longo e demorado relax e banho refrescantes. Se durante a travessia nos melindrávamos pra não molhar acima da cintura, agora mergulhávamos de vez nos mesmos trechos fundos q havíamos evitado minutos atrás. Donos absolutos do pedaço, lagarteamos nas pedras e lajedos sob um sol difuso q ameaçava aparecer, enqto beliscávamos alguma coisa. A Carol mandou ver seus salgadinhos enqto eu comia minha marmita, uma gororoba previamente cozinhada em casa. O destaque aqui eram uns onipresentes sapinhos (ou pererecas, sei lá) minúsculos e quase imperceptíveis, q saltavam á nossa aproximação ao perambular pelas pedras.

O tempo passou mas já era hora de partir. O tempo felizmente fora generoso conosco se mantendo inalterado desde o inicio do dia, mas um negrume ameaçador avançava do litoral, cunhando de razão nossa decisão de zarpar dali. Pois bem, da prainha fluvial parte uma breve picada q num piscar de olhos cai numa principal, a óbvia e inconfundível “Trilha do Itapanhaú” (ou “Mogi-Bertioga”). Como não vamos sentido litoral e sim pro planalto novamente, tomamos à direita e tocamos piramba acima.

Mas não sem antes dar uma rápida visitada na Cachu Elefante, claro, a pedido da Carol q até então só ouvia tanto falar da mesma. Uma bifurcação á direita antes do inicio da subida derradeira nos leva a trocentas clareiras no caminho, cruza alguns riachos ate finalmente desembocar na base da majestosa Cachu do Elefante, palco de vários outras aventuras já cantadas em verso e prosa à exaustão. Como já conhecia a dita cuja fiquei num canto das pedras, protegido do borrifo constante da impressionante queda dagua, enqto a Carol dava um rolê pelos arredores da mesma, entusiasmada com a dita cuja. Claro q voltou totalmente ensopada.

Na seqüência retornamos á ultima bifurcação pra dar inicio, agora sim, à árdua e penosa subida derradeira da serra. Claro q engatamos a primeira e, sem pressa alguma, fomos subindo lentamente os intermináveis degraus de raízes num processo q mais lembrava uma pagação de promessa numa escadaria sem fim. Logicamente q o suor não tardou a escorrer em bicas pela ponta do nariz mas, como q por encanto, uma chuva despencou de forma oportuna pra nos refrescar e assim tornar mais amena nossa íngreme ascensão de serra.

Um espesso nevoeiro nos recebeu ao atingir a horizontalidade do terreno durante a travessia do Rio das Pedras, as 15hrs, onde encontramos o primeiro sinal de vida durante td trip no mato. No caso, sob a forma de uns ripongas acampados a margem do rio. E meia hora depois caímos finalmente no asfalto da SP-98, outra vez. Os 4km restantes de chão até a Balança foram feitos ate q em tempo satisfatório, apesar de abraçados por densa neblina.

As 16:20hrs já brindávamos com duas latas de Itaipava a pernada daquele dia, enqto aguardávamos o busão q nos levaria de volta á Mogi, onde por sua vez repetiríamos o brinde na pastelaria da tal “chinesa-Quick”, e forraríamos o estômago com um simplório misto quente q nunca foi tão delicioso como naquele momento. O resto da trip foi embalada no mundo dos sonhos, pra variar.

 Com o verão e o calor se avizinhando rapidamente damos adeus às elevadas e frias altitudes da Mantiqueira e similares, anunciando o final antecipado de temporada de montanha deste ano. Em contrapartida, temos motivos de sobra pra sair da nossa habitual “selva de pedra” e buscar aventuras refrescantes nesta outra selva próxima á urbe: a dos vales, bosques, rios e cachus de nossa deslumbrante e acessível Serra do Mar. E a “Ferradura do Elefante” é apenas mais uma das muitas opções naturebas pra este verão. Mesmo q esta “ferradura” ou “U” tenham quase um formato mesmo de “V”.

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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