Pico do Jaraguá, Dez Anos Depois

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Visível da janela da minha casa – situada no alto de uma colina na zona oeste da capital paulistana – o Pico do Jaraguá destoa da horizontalidade da metrópole elevando-se elegantemente sob a forma de um pequeno serrote q recorta o horizonte com seus dois picos apontando pro céu, no extremo oeste da cidade. De altitude acanhada (1135m) se comparada a outros points e dificuldade zero de acesso ao cume, o Pico do Jaraguá é bate-volta clássico de “iniciação à aventura” na “montanha” mais próxima q os paulistanos tem à disposição, inclusive deste q vos escreve aqui. Após “séculos” de ausência no local, aproveitei um dia claro pra lá retornar e constatar poucas novidades, mas tb avaliar novas possibilidades de pernadas pouco ortodoxas pela região. Independente disso, o Pico do Jaraguá continua sendo não apenas mais um cartão-postal da metrópole, mas tb o pto mais alto da cidade de São Paulo.

São muitas as formas de chegar ao Pico do Jaraguá, mas particularmente considero a mais prática descer na estação Anhangabaú do metrô e dali, na Rua Xavier de Toledo, tomar o busão de linha “Jaraguá – Pça Ramos de Azevedo” (8696-10), de horários regulares. Foi exatamente isso q eu e a Lau fizemos naquela terça-feira da primeira semana do ano, aproveitando a rara brecha de bom tempo com céu limpo e despido de qq vestígio de nuvens. Pela janela do latão vamos rapidamente deixando o centrão caótico e cinzento da cidade, pra cruzar quase td zona oeste da mesma, até cair na Marginal Tietê, na Rod. Anhanguera e Bandeirantes, de onde já avistamos nosso destino cada vez mais próximo.

Após rodar 16km e mais um tanto pelas abauladas colinas q compõem o Bairro do Jaraguá, já ao sopé da montanha do mesmo nome, o cobrador (já deixado de sobreaviso) nos diz q era hora de saltar, ao exato meio-dia daquele agradável inicio de tarde. E não é q o busão nos deixou mesmo na entrada do Parque? Pois é, de cara um enorme totem vertical anunciando “Parque Estadual do Jaraguá” nos convida a entrar, onde já podemos apreciar td boa infra-estrutura pra receber visitantes, sejam eles daqui como de fora. Centro de visitantes, posto de informações, lago artificial, sanitários, lanchonetes, churrasqueiras, playgrounds, etc.. td bem organizado e bonitinho.

A Fazenda Jaraguá (q deu nome ao parque) está situada entre a Serra do Japi e Paranapiacaba, e tem mta história. Voltada pra mineração extrativista, desde 1580, pertencia ao bandeirante Afonso Sardinha. Foi a 1ª da província de São Paulo a ter mina de ouro. Depois de passar por mtas gerações, em 1961 a área da fazenda se transformou no q hj é o Pque Estadual. Tornou-se ponto turístico da cidade de São Paulo em 1946, e em 1994, foi tombado pelo Patrimônio da Humanidade, pela Unesco.

Pois bem, chega de blábláblá e vamos subir o pico, não? Sinalização pra isso é o q não falta, portanto se vc se perder aqui decerto tb vai precisar não só de uma carta topográfica ou GPS de ultima geração, mas sim de uma bengala e um astuto cão-guia! O cume pode ser alcançado sem mto esforço através da “Trilha do Pai Zé”, de aproximadamente 2km percorridos em menos de uma hora; ou sem esforço nenhum, por uma via de acesso a veículos, a chamada Estrada Turística do Jaraguá, de 5km de extensão. Qq semelhança com a Pedra Grande de Atibaia não será mera coincidência. De cara o q me chamou a atenção foi q já não existe mais a “Trilha das pedras”, uma escalaminhada q acompanhava um cano q dava no cume e q podia ser emendada com a “Trilha do Pai Zé”. Uma pena.

Entrando no parque, basta tomar a estrada de paralelepípedos à direita q sobe suavemente a montanha com alguma declividade. Não vai demorar a surgir uma placa indicando (tb à direita) o inicio da “Trilha do Pai Zé”, q mergulha de vez na mata pra subir as encostas da montanha de forma gradual, contornado-a sentido noroeste. A trilha é relativamente larga e úmida, de solo compacto e chão duro, por ter sido antigamente uma estrada de manutenção, e não oferece nenhuma dificuldade. A novidade desta vez é q nos trechos mais íngremes existem toras de madeira q ajudam tanto na ascensão, servindo de degraus, como contém a erosão. Existem algumas ramificações saindo da principal, mas tds devidamente sinalizadas e proibidas de acesso seja pra “recuperação da vegetação” como pra acesso restrito da “Eletropaulo”.

A subida prossegue de forma desimpedida e sempre no mesmo compasso. O som de água correndo nalgum lugar logo se torna palpável ao cruzar com uma borbulhante nascente, quase do lado de um pequeno oratório de pedra. O frescor da Mata Atlântica remanescente é bastante agradável durante td trajeto, aplacando o forte sol daquele inicio de tarde. No caminho, belos exemplares de cedros, angicos, jatobás, aroeiras, jequitibás, guarapurus e outros de nomes estranhos fornecem a sombra necessária ao andarilho em permanente ascensão, como tb servem de habitat pra folgados macacos-pregos, q não se fazem de rogados (e pedintes) a qq um q passe perto deles. Fora isso, a trilha eventualmente se estreita e fica mais erodida, mas logo volta ao normal. Recordo q da primeira vez q aqui estive ela era bem detonada, com mato caído e mto mais obstáculos q o caminho baba q hj ta.

Pois bem, após quase meia hora de pernada eis q emergimos da mata fechada pra bordejar a montanha já num ambiente mais aberto, em meio campos de altitude, vegetação arbustiva-retorcida e solo mais pedregoso. Por entre a vegetação já podemos avistar as torres q coroam o pico cada vez mais próximas, embora ainda haja um certo chão ate elas. Após ladear em nivel um bosque de eucaliptos à nossa direita, a picada embica pro sul e passa a subir bem forte através de um solo bem pedregoso e seco. Oportunas escadinhas de madeira facilitam a subida, coisa q não existia dez anos atrás. Lembro q neste trecho dava-se um passo e retrocediam-se dois pois o chão se esfarelava com facilidade. Mas ainda assim com a ajuda dos degraus (e alguns corrimãos, no trecho final) a Lau sente o tranco, principalmente por causa do forte sol agora cozinhando sem dó algum nossos miolos.

Mas devagar e sempre vamos ganhando mais e mais altitude, ate q os horizontes se ampliam de tal modo q cada parada pra retomada de fôlego é merecedora de cliques das largas paisagens q se apresentam, revelando td quadrante norte. Povilho, Perus, Mairiporã e a porção sudoeste da Serra da Cantareira são perfeitamente visíveis daqui. Mas o q mais destoa neste trecho é o alto dos 1127m do cume do Bico do Papagaio, um dos picos oficiais do Jaraguá, de onde se eleva a torre da TV Cultura. Um decrépito cruzeiro guarda a entrada ao mirante da mesma, hj proibido o acesso. A tentação de lá chegar so não se concretizou devido a um guardinha, de olhar carrancudo, permanentemente no local à espreita de algum infrator. Q pena novamente.

A trilha termina na estrada, mais precisamente aquela por onde os veículos sobem o pico, e é por ela caminhamos algo em torno de 100m onde damos num estacionamento, cercado de barraquinhas de artesanato, uma lanchonete e um cto de informações. Uma oportuna placa perto dali avisa “Proibida a prática de rituais religiosos”, mais precisamente despachos, trabalhos ou até macumbas; além de emporcalhar o local, lembro q eles atrapalhavam e incomodavam os praticantes de escalada. Sim, antes havia 3 campos de escalada ao redor dos paredões de quartzito do pico, q atualmente não existem mais.

Do estacionamento parte uma enorme escadaria q leva, enfim, ao alto dos 1135m do topo derradeiro do Pico do Jaraguá, dominado pelas torres da TV Bandeirantes. E tome subida! A Lau contabilizou exatos 243 longos degraus q pareceram nunca terminar, numa espécie de pagação de promessa. Uma vez no mirante, a recompensa sob a forma de um mirante privilegiado da cidade, mais precisamente de td seu quadrante sul e leste. A atmosfera límpida e translúcida do firmamento permitia avistar td cidade de São Paulo, parte do município de Osasco, as rodovias Anhanguera, Bandeirantes e o Rodoanel. Com algum esforço é possível ver até o comecinho da faixa verde da Serra do Mar.

Pausa pra cliques, descanso e lanchinho na sombra disponível do mirante, protegidos do forte sol do quase uma da tarde. Uma leve brisa sopra do sul, enqto eu avalio bem as possibilidades de pernadas do local. E meu olhar clinico da topografia local diz q é possível sim uma travessia norte-sul perfeita de td aquela bela crista, partindo e terminando na rodovia. Só tem um porém, saber despistar os vários guardinhas espalhados pelo local, prontos pra flagrar alguém ultrapassando os limites das grades q cercam as torres. Bem,  não q isso seja problema, pois basta contorná-los ladeando a base da rocha, passando pelos antigos Campos 1, 2 e 3 de escalada, hj desativados. Mas enfim, são apenas especulações e, quem sabe, o pontapé inicial de um futuro e vindouro perrengue. Vamos maturar essa idéia e leva-la a cabo em seu devido tempo.

Voltando á área do estacionamento, paramos na lanchonete pra tomar uma cerveja q nunca esteve tão saborosa qto salgada em relação a preço, mas q naquela altura e desnível de 350m vencidos era mais bem-vinda. Uma aglomeração de gente próximo da mata revela alguns elétricos sagüis-de-tufo-branco próximos, mendigando comida dos poucos turistas ali presentes. Um cartaz escancara a proibição de alimentar os animais mas pelo jeito o ensino fundamental do governo parece não ter surtido efeito, pois tds pareciam ignorar a placa, até q um guardinha apareceu pra colocar ordem no coreto.

Por volta das 14hrs e pouco damos inicio ao retorno, feito exatamente pelo mesmo caminho da ida e em menos tempo q a subida nos vemos novamente na entrada do parque. Com tempo de sobra, ainda damos uma andarilhada pela tal “Trilha da Bica”, pernada sussa de 1500m feitos quase q o tempo td sem nenhum desnível – costeando a montanha e passando por enormes pedras de granito – q termina numa bica dágua gelada formada por uma das nascentes do parque. Recordo q dali partia a “Trilha das Pedras” pro alto do pico, acompanhando os dutos q levavam agua ao topo. Vereda esta atualmente fechada sabe-se lá por qual motivo.

Voltamos pelo mesmo caminho, onde um enorme e belo casarão abandonado – em reforma – chama a atenção. Ele era a sede da antiga fazenda do tal Afonso Sardinha, q a dez anos atrás funcionava como Hostel, mais conhecido como “Albergue da Juventude”. No caminho, enormes tanques de pedra cavados no solo são o único q resta dos tempos da extração do ouro no pico, servindo de lavagem do minério. Há ainda duas outras trilhas interpretativas, a “Do Lago” e “Do Silêncio”, das quais abrimos mão por serem curtas e breves demais, alem de devidamente adaptadas a portadores de necessidades especiais.

E assim, por volta das 16hrs, damos adeus ao Pque do Jaraguá. Na volta tomamos a estrada equivocada e fomos dar na degradada Aldeia Indígena Jaraguá, q mais parecia uma favela. Lembrar q os guaranis eram os antigos habitantes do lugar, q em tupi significa “Senhor do vale”. Ali eles parecem ter alguma assistência, embora se ocupem noutras atividades q variam desde fazer filhos até a confecção de artesanatos, q vendem aos turistas. Voltando a estrada correta tomamos o mesmo busão em q viéramos, as 17hrs, so q agora sentido centrão. Um horário mais q “apropriado” pra pegar td trânsito em pleno horário de pico, diga-se de passagem.

Dez anos se passaram desde minha última visita ao Jaraguá e pouca coisa mudou, embora o termo seja bem relativo. Apesar das mudanças – tanto pra melhor qto pra pior – o Pico do Jaraguá merece sim ser visitado. Não apenas por ser um cartão-postal ou pto referencial do paulistano. Mas sim por ser o parque urbano onde a maioria dos paulistas teve seu primeiro contato com rocha, fazendo com q td “aventureiro das antigas” q se preze nutra um carinho especial por ele. Vejamos como as coisas estarão daqui a dez anos mais.

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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