O Rio Cubatão de Cima

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Há tempos q o Nando comentava comigo suas intenções exploratórias dum rio selvagem na Serra do Mar santista q, por algum motivo qq, terminava sempre sendo adiada. Até agora. Como “água mole em pedra dura”, ele finalmente me convenceu em acompanhá-lo numa investida pelos tortuosos meandros do ribeirão Cubatão de Cima.

De registros q beiram a nulidade, este generoso curso dágua nasce em São Bernardo (ABC), singra mansamente o planalto pra depois derramar-se furiosamente pela verticalidade escarpada das encostas da Serra do Cubatão. Este é o registro da nossa primeira (e perrengosa) incursão ao referido regato, q pela dificuldade, distancia e ausência total de trilha alcançou apenas sua primeira gde queda. O q já é um feitio e tanto prum prosaico bate-volta de reconhecimento q mal arranhou as possibilidades do lugar.

O latão da Breda com destino Cubatão partira pontualmente as 8hrs do Term. Jabaquara naquela manhã promissora de céu azul e sol radiante. A breve viagem pela Rod. Imigrantes (SP-160) transcorreu sem nenhuma intercedência, a exceção da constante prepocupação em lembrar o motorista do lugar certo em q saltaríamos no asfalto. Deixado de sobreaviso, felizmente o mesmo fez questão de nos alertar da “desova” e dessa forma encostou tranquilamente sob o viaduto, antes do trevo da Interligação q toma rumo pra Rod Anchieta.

Desembarcamos então meia hora após ter partido de Sampa, exatamente no km 40 da Rod. Imigrantes, onde enfim ajeitamos as mochilas ás costas e começamos a caminhar pela rodovia pelos seus 4 curtos kms sgtes. Pernada mais do q tranqüila e sem nenhuma intercedencia, apenas cuidando em permanecer rente ao acostamento devido a alta velocidade dos veículos trafegando, após uma lacônica placa q indicava ali estarmos em territorio do “Núcleo Itutinga-Pilões do Pq Est. Serra do Mar”. Após passar pelo desativado Rancho da Pamonha á nossa esquerda, onde gdes antenas de telefonia celular apontam pro firmamento, é preciso já prestar atenção ao lugar em se abandona o asfalto. Ou melhor, nem tanto, pois é um pouco depois do km 44, onde a rodovia faz uma enorme curva pra oeste indicando o inicio da descida de serra, q observamos claramente blocos amarelos de cimento na margem direita do acostamento.

Visivelmente obstáculos pra evitar a entrada de veículos, observamos q dali nascia uma antiga estrada q hj esta desativada e totalmente tomada pelo mato. E será por ela q provavelmente vamos andar um tanto até alcançar uma aproximação razoável pro rio almejado. São exatamente 9:10hrs qdo seguimos por uma picada em meio a tal “estrada” qdo surgem algumas ramificações. No entanto, o rumo certo é o q se mantem sentido sudeste, tangenciando a Rod. Imigrantes, da qual vamos nos afastando aos poucos. A pernada é agradável e desimpedida, subindo suavemente um morrote em meio a capim baixo. No alto do mesmo temos uma vista interessante da SP-160, q após a curva embica pra nordeste rumo a Anchieta; com algum esforço, á nordeste vemos o inicio da Rota Marcia Prado.

Sempre nos mantendo nos vestígios da antiga estrada tomada de capim ralo, mantemos a mesma direção original qdo de repente a sequencia de corcovas começa a desviar pra oeste. No alto do ultimo morrote, e onde aparentemente a “estrada” termina, somos agraciados om uma bela panorâmica da sequencia de vales q temos pela frente: uma sequencia de verdejantes morros de altura considerável, onde se destaca o espelho dágua dum simpático e improvável laguinho perdido na mata, enfiado ao sopé dos morrotes na extrema esquerda.

Pois bem, fim de “estrada” e, portanto, de trilha. A partir dali tomamos rumo sempre oeste por onde desse e o mato fosse menos espesso. Logo de cara nos mantivemos nos descampados de capim maiores, mergulhando em touceiras de capim-navalha e outros arbustos mais agrestes. Após uma rápida desviada pro laguinho pra bater algumas fotos, onde o destaque eram os tocos aflorados na superfície e as inúmeras pegadas de aves em suas margens arenosas, o avanço se manteve ate constante não fossem algumas voçorocas de bambuzinhos infernais obstruindo caminho. Foi ai q percebemos q em descampados nem sempre é mais facil andar, pois o sol abrasante resseca bem mais a vegetação tornado-a dura e agreste.

Mas após cruzar dois enormes “buracos”, na verdade valas cavadas por pequenos córregos, adentramos de vez no frescor da floresta q recobre a maior parte daquele pouco conhecido setor serrano. Foi ai q começou a ralação. Embora boa parte do trajeto fosse relativamente facil o avanço bastando desviar dos obstáculos, a maior parte revelava-se recoberta por voçorocas de bambuzinhos, infernais cipós unhas-de-gato e touceiras de capim navalha q imediatamente carimbaram nossos braços e pernas! Buscando sempre ir pela rota menos perrengueira, porem sempre no sentido oeste, essa foi a constante de quase td nossa trip.

Não bastasse isso, havia o ainda o constante sobe-e-desce dos acidentes topográficos do trajeto, ora vencidos pela encosta ora pelo topo, onde o chão forrado de enormes bromélias se encarregava de dar o tiro de misericórdia em nossa constante danação, por meio de suas longas, afiadas e punçantes folhas. Se servia de consolo, o perrengue so era menor qdo encontrávamos inconfudiveis trilhas deixadas por antas pelas quais seguíamos sem pestanejar qdo iam no sentido desejado. Estas picadas são facilmente identificáveis não pelos bolos de dejetos deixados pelo trajeto mas pelas características intrínsecas dela: abaixo vê-se a vereda bem pisado e aberto, mas acima o mato toma conta, havendo necessidade algumas vezes de andar arqueado pra não levar uma cipozada na cara! Apesar do inconveniente de anta ser sinônimo de carrapato, andar pelas trilhas destes robustos mamíferos mostrou-se menos desconfortável q andar no mato a esmo.

Pois bem, ao descer na diagonal um morro estalando td sorte de bambus no caminho, nos deparamos em duas ocasiões com enormes valas verticais, as quais vencemos ladeando seu “vértice”. Pensamos seriamente em acompanhar seus leitos secos rumo sua foz (q fatalmente dariam no rio desejado), mas ao perceber q tomavam rumos completamente oposto ao nosso (oeste), serpentenado a morraria sgte de modo a aumentar mais a distancia a ser percorrida, preferimos em dar continuidade ao nosso plano original: acompanhar em linha reta nosso azimute, ou seja, subir e descer a morraria no caminho; contorná-los a menos q fosse estritamente necessário.
Sempre naquele ritmo inipterrupto e desgastante, não tardou pra sede se tornar presente pra ambos. Pior era q apenas eu portava um cantil de 500ml, cujo precioso liquido dividimos com gosto. No entanto, o racionamento de agua mostrou-se desnecessário pois as 11hrs interceptamos um simpático correguinho, onde encontramos curiosamente o q parecia ser uma roda dum monomotor(!?). A tentação de acompanhar seu sinuoso curso ate dar no rio principal foi gde, mas decidimos prosseguir nossa linha reta imaginaria na raça ate o Cubatão de Cima. Além do mais, pelos calculos do GPS do Nando o tão almejado ribeirão não estava mto distante.

Dito e feito, as 11:30hrs desembocamos  as margens do largo e raso Cubatão de Cima, q aqui marulha mansamente pelo planalto em sua inconfundível rota rumo borda da serra. Cruzamos com água na cintura até a outra margem da curva do rio e ali estacionamos numa aprazível prainha fluvial, cujas areias claras irradiavam o sol daquele horário. Pausa pra descanso, lanche e, claro, tchibum num poção represado tanto pra refrescar como pra remover td sujeira e mato pelo corpo. E tb pra expulsar os inevitáveis carrapatos oriundos daquela rasgação de rota no peito. Somente depois reparamos q perto dali havia uma legitima “toillette” de antas, por conta não somente pela presença de trocentos bolos fecais do bicho mas pela coloração e mau cheiro da água daquele remanso próximo.

Revigorados e bem mais dispostos, retomamos nossa rota agora chapinhando pelas águas douradas e rasas do Cubatão de Cima durante um bom tempo, sem maiores complicações. No caminho, vários piscinões e prainhas fluviais belíssimas, cujas areias eram ornadas com td sorte de pegadas imaginável, q iam desde pássaros, pequenos mamíferos, gatos do mato, mas a maior parte de fato era composta de antas. Não por acaso um gde tributário do Cubatão de Cima ganha o nome de Ribeirão das Antas, denunciando a presença em massa das bichinhas pela região.

Após chapinhar pela água um tanto, tropeçamos com os primeiros afloramentos rochosos no caminho, onde além de belíssimos caldeirões cavados na pedra e pequenas cachus, éramos brindados com um piscinão maior q o outro, tds igualmente convidativos. Como aqui o rio comecava a ficar mais fundo, o jeito era acompanhá-lo por ambas margens, fosse pelas pedras, pela areia compacta de suas praias fluviais ou ate mesmo pela mata, onde as onipresentes trilhas de antas encarregavam-se de facilitar o caminho, bordejando o curso dágua. Ainda assim, havia trechos onde a rasgação de mato no peito foi necessária, porem com bem menos intensidade q o inicio da pernada.

E assim, após subir um pequeno morro numa curva de rio pra depois desescalaminhá-lo na unha, desembocamos nas lajotas do topo da primeira gde cachu do Cubatão de Cima, q aleatoriamente apelidamos de “Primeira Queda”. Ali o rio derrama suas águas furiosamente de uma altura ate modesta – menos de 10m – num enorme poção arredondado, este sim de proporções superlativas! Desescalando cautelosamente por pedras escorregadias chegamos nas margem do mega-piscinão por volta das 14hrs, onde enfim desabamos com noção do dever cumprido. Jogamos as mochilas no chão e caímos na agua, claro! Com direito ate ao Nando de nadar atrás do tênis dele, q caira na água e estava sendo levado pela correnteza! O lugar é selvagemente maravilhoso e isso é facilmente constatado não apenas pela beleza, mas pela ausência total de qq vestígio de lixo humano!

Explorando um pouco pelas redondezas, ou seja, saltando pelas pedras rio abaixo encontramos vestígios de uma antiga e velha barragem, o q abriu a possibilidade da existência de alguma via (mesmo desativada) de manutenção. Claro q pilhamos em buscá-la, mas a dúvida de até onde ela nos levaria (Evangelista de Souza?) caso existisse dirimiu qq tentativa nesse sentido. A real era q tavamos sem tempo pra explorações mais demoradas e o relógio continuava rodando. Foi ai q decidimos retornar pelo mesmo caminho q, mesmo sendo vara-mato, era mais seguro pq sabíamos aproximadamente o tempo q demandaria. E pernoitar ali estava fora de cogitação (embora fosse algo tentador, mas q meu colega não aprovou) pois não estavamos nem um pouco preparados. Aliás, de onde estavamos era possível avistar o rio ainda descendo em vários poços como tb vislumbrar parcialmente o litoral, sinal q as maiores quedas e principais quedas do Cubatão de Cima, em tese, não deveriam estar mto longe. Mas infelizmente não tínhamos nem tempo pra isso. Fica pruma próxima ocasião, claro, e devidamente preparados pra pernoite ali.

Zarpamos um pouco depois das 14:30hrs daquele belo e bucólico lugar, no mesmo tempo em q as brumas começaram a  invadir a serra oriundas do litoral, conferindo àquele vale perdido um ar quase místico. E lá fomos nós, retornando td novamente: palmilhando as trilhas de antas sentido contrário e costurando o rio, cruzando o mesmo com água até o peito qdo era necessário passar p/ margem oposta! O diferencial foi q aqui neste trecho rio acima fomos numa linha reta imaginaria, subindo e descendo os morros (rasgando mato no peito) no caminho qdo o ribeirão serpenteava o planalto em curvas maiores, abreviando assim o trajeto na volta. Isto pq qq tempo ganho no retorno era precios por um singelo motivo: tínhamos q sair da mata antes q escurecesse!

Dessa forma atingimos o plácido remanso fluvial onde intereceptamos inicialmente o rio em menos tempo q na ida, ou seja, por volta das 16hrs! Ali nos presenteamos apenas com menos de 5min de descanso pra descanso e, principalmente, remover a areia (grossa) depositada dentro da bota/meia e assim evitar q a mesma esfolasse a pele no atrito com a mesma. Na sequencia mergulhamos, enfim, na mata tocando pra leste inipterruptamente! A idéia a principio era a mesma q do rio, isto é, abreviar o trajeto azimutando a bussola tocando reto, subindo e descendo morros no caminho ao invés de contorná-los!

Entretanto, não apenas valas enormes surgiram como obstáculos como tanto nas encostas qto no topo dos morrotes o avanço se mostrava vagaroso pela presença de espessa e agreste vegetação! Um verdadeiro inferno na terra!  Como o Nando capitaneava a rota e percebeu q nosso progresso era tão nulo qto desgastante, decidiu q o melhor era abortar a tal linha imaginaria e voltar pelo mesmo caminho da volta, mesmo q este fosse um pouco maior. E la fomos nos alternando na dianteira na rasgação de mato até interceptar a rota original. Uma vez nela, nosso avanço aparentou visível progresso. Não sei se pelo fato da rota ser conhecida mas pela mata mostrar-se menos agreste q pelo outro caminho. E pela presença maior de, sim (sempre elas!).. onipresentes trilhas de antas! E assim foi.

E la fomos nós, subindo e descendo encostas sucessivas na raça. O tempo foi passando e passando, e a gente ainda naquele ritmo  pra la de puxado e desgastante, sem direito a descanso algum! Com a camisa ensopada de suor num piscar de olhos, não víamos a hora daquele inferno terminar e por isso parar tava fora de cogitação! Era uma legitima corrida contra o tempo! E, claro, a idéia de pernoitar ali passou varias vezes pela minha cabeça. “Não, nós vamos sair daqui ainda hj, Jorge!”, frisava Nando, deixando claro q a ideia do pernoite não lhe apetecia mto. De fato, alem da inexistência de qq clareira plana e fofa pra encostar o corpo, qq tentativa de sono naquele matagal teria de ser quase na vertical, na cia de espinhos, bambus e carrapatos! É, o melhor era caminhar mesmo..

Mas felizmente graças a ótima navegação do Nando e ao nosso empenho (físico), por volta das 18:30hrs emergimos daquela mata infernal rumo os campos abertos próximos do laguinho inicial. Respiramos aliviados assim q pusemos os pés na estradinha principal e, na sequencia, no asfalto da Imigrantes. A escuridão tomou conta daquele setor serrano na sequencia, deixando cintilantes apenas a luminosidade artificial dos faróis dos veículos e das antenas próximas dali. Ufaaa, por pouco ela não nos surpreende no meio da mata!  Da mesma forma q louvei aos céus de ninguém mais ter vindo conosco pq ai sim teria duvida se teríamos de fato deixado a mata a tempo. Mas, enfim, agora a preocupação pra mim era outra: como voltar pra Sampa? Se não conseguíssemos carona ou nenhum busão parasse pra gente, teríamos fatalmente q ligar pra alguem vir nos resgatar! Bem, tendo em vista nossa deplorável aparência q deixava qq mendigo morrendo de inveja, eu já via com naturalidade a obrigação de ligar pro Thunder (q mora no Jabaquara) pra ir la nos buscar. Mas o determinado e convicto Nando bateu pé até o fim de q esse ardil não seria necessário. Apenas em última instância.

Caminhamos até o tal Rancho da Pamonha onde finalmente sentamos pra descansar, bebericar o resto de agua q tinhamos e avaliar nossas chances de retorno pra Terra da Garoa. Tentamos carona com caminhoneiros estacionados, sem sucesso. Mas felizmente a Divina Providencia estava do nosso lado naquele dia, pois além de nos poupar de um desagradável pernoite na mata, não tardou em nos presentear com um busão vindo de São Vicente q encostou assim q acenamos pra ele com uma lanterna. Uffaaa! Mesmo lotado, o motorista topou nos levar na cabine por uma quantia acertada na hora! Ótemo, agora sim tínhamos a plena certeza q dormiriamos em nossas respectivas residências naquela noite!

Uma vez no Jabaquara, as 20hrs, encostamos num boteco pra comemorar nossa perrengosa empreitada sob o olhar curioso dos demais bebuns de plantão! Sob a precária luz do estabelecimento é q tivemos noção do nosso aspecto deplorável; eu mais parecia uma “zebra”, so q no lugar de listras tava coberto de cortes, ralados e td sorte de perfuração pelo corpo, sem falar na sujeira no cabelo! O Nando já estava um pouco mais “apresentável”, pero no mucho… Ali trocamos de roupa como removemos os espinhos e os carrapatos q ainda insistiam em nos fazer cia, com direito a um agarrado à minha perna q mais parecia um carangueijo de enorme! Mas foi qdo a cerveja desceu goela abaixo e amoleceu o corpo q as dores nas pernas e joelhos deram o ar de sua graça, fora a ardência natural das escoriações pelo corpo.

E assim transcorreu nossa primeira incursão ao Rio Cubatão de Cima, q vislumbra inúmeras possibilidades rio abaixo. É bem verdade q em função das adversidades encontradas é preciso estudar alguma outra maneira mais direta e eficaz de atingir o rio, pois sem um bom e afiado facão adentrar ali com cargueira deve ser uma tarefa não mto recomendável. Quem sabe vindo de Marsilac ou Evangelista de Souza as chances sejam mais promissoras, tendo em vista a antiga represa avistada? Pois bem, estas são apenas hipóteses ainda a serem devidamente estudadas pruma próxima investida. Até lá, o Cubatão de Cima  deve permanecer incólume e selvagem como sempre foi, tendo quiçá como únicas testemunhas da nossa breve passagem as onipresentes antas. Mamifero este q parece ser o habitante principal desse belo e desconhecido vale, e q parece ter encontrado o lugar certo pra se ver longe de qq presença ou interferência humana.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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