A Ferradura do Juquery

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Previsão meteorológica desfavorável e tempo disponível reduzido foram os fatores q cunharam minha decisão de xeretar mais uma vez as veredas “proibidas” do PE Juquery, grata surpresa natureba q tive o prazer de conhecer tardiamente. Nesta 4ª visita deste belo e “último remanescente de cerrado” situado ao norte da Metrópole Paulistana, resolvi investir na direção oeste me valendo de poucas infos e carta topográfica. O final desta estória toda foi uma pernada breve, sussa e desprestensiosa, q terminou se mostrando tão cênica qto cultureba. Pernada q, em formato de “U”, teve inicio na portaria principal, galgou perpendicularmente o pque pela “Trilha Leste”, atingiu seu pto culminante e derivou pela vertente oeste desembocando nos limites do Hosp. Est. Franco da Rocha.

Francamente, é preciso paciência de Jó pra aturar os transtornos e atrasos decorrentes das obras tanto nas linhas do Metrô como da CPTM. O q deveria ser uma viagem rápida e tranqüila termina sendo um estresse demorado e desconfortável, quase sempre anunciado em cima da hora, na porta das estações. Foi por essa razão q arrisquei ir pras bandas da zona norte de Sampa no domingo a evitar a muvuca da viagem pra Mogi das Cruzes, por exemplo. Claro q caí do cavalo ao perceber q a linha lilás foi a sorteada daquele fds, interditada da Estação da Luz até Perus. Nessas horas tem q abstrair, respirar fundo, pegar a senha e procurar se acomodar o melhor possivel na escada do ônibus da baldeação.
 
Dessa forma, eu, Carolzita  e Lore chegamos em Fco da Rocha por volta dumas 9hrs, naquela manhã relativamente fria e repleta de nebulosidade. Após o rápido desjejum na lanchonete duma família oriental q carregava no sotaque, tomamos qq busão q passasse pela Estrada do Governo (SP-23), q oficialmente tem o nome de Rod. Prof. Luis S. Chamma. No caso, tomei o Mairiporã. E após uma breve viagem q não deu nem 5min saltamos na frente do corpo de bombeiros, numa placa escancarando a entrada principal ao Pq Estadual Juquery, as 9:40hrs. Lá encontramos os demais integrantes da caminhada daquele dia, a Lu e o Lúcio, q sensatamente foram até ai motorizados em duas rodas. “Poxa, vcs demoraram, hein?”, nos indagam. “Pois é, coisas do transporte público daqui!”, respondemos.
 
Comecamos então oficialmente nossa pernada após feitas as devidas apresentações, ajeitar as mochilas nos ombros e abastecer de água tds os cantis no banheiro do playground ao lado do prédio administrativo. Nenhum dos integrantes tinha pisado antes no Juquery e por isso já joguei um balde dágua fria naqueles q achavam q visitaríamos tds os atrativos oficiais dali. “A gente vai passar longe deles, com exceção de um, pois vamos andar por caminhos ´alternativos´!”, fui avisando. “Numa próxima ocasião vcs vem aqui e acompanham o roteiro tradicional q as placas e croquis do parque sugerem!”, emendei. 
 
Pra começar a entrar no clima do Juquery, inicialmente fomos em direção da sossegada “Trilha dos Lagos”, enqto dava informações históricas do lugar, como por exemplo, do fato dali ter sido antigamente terreno duma gde fazenda q foi transformada no famoso complexo do Hospital Psiquiátrico do Juquery, sendo q parte dele foi restaurado pra abrigar o belíssimo casarão q é sede administrativa do parque. Ao adentrar numa das ruínas remanescentes no caminho pudemos constatar q nem sequer as placas “proibido acesso” evitam a depredação do q ainda resta da triste historia q antecede o parque. Pixações de td natureza preenchem as paredes do q outrora foi um estábulo, numa legitima demonstração de “arte burrestre” da juventude sem consciência da região.
 
Após uma rápida visitação ao belo e enorme lago q faz jus ao nome da vereda, subir uma interminável escadaria de pneus e apreciar uma bela paisagem dum mirante de terra avermelhada q um dia foi pista de pouso, retrocedemos até o inicio da picada principal. Um casal de elétricas seriemas foge desengonçadamente ao se deparar conosco na trilha fofa e gramada, confirmando q o parque realmente ainda abriga vida silvestre apesar de se situar do lado da civilização. Pois bem, na sequencia tomamos despudoradamente a vereda ao lado da placa “acesso proibido” e tocamos em frente. Imediatamente reparei q a mesma apresentava-se bem mais roçada q na ocasião da minha ultima visita, coisa de meses atrás, facilitando a caminhada. Não demorou e surgiu uma bifurcação, onde tomamos o ramo da direita, q sobe ao invés de descer. A variante esquerda toca pros morros ao sul pra depois bordejar a Represa Paulo de Paiva Castro, passa pela “primeira torre de observação” e desemboca no Presidio Franco da Rocha, onde o risco de levar chumbo dos guardas penitenciários  é real.
 
No entanto, após suave subida logo nos vemos palmilhando uma larga vereda q percorre a crista abaulada da serrinha q toca praticamente em linha reta pro sul. É a “Trilha Leste” e os horizontes logo se ampliam ao redor, permitindo belos vislumbres dos vales  e descampados q caracterizam o Juquery. Em tempo, esta e tantas outras veredas são vetadas á população pois representam áreas de pesquisa ambiental do pessoal da Usp, com a intenção de criar um plano de manejo decente futuramente. Tanto q não demorou pra passarmos pelo lado dum pluviômetro instalado bem do lado do capimzal. Entretanto, são exatamente estes os melhores caminhos do parque, pelo fato de estarem mais preservados, menos erodidos e sem muvuca alguma, ao contrario das veredas oficiais.
 
A caminhada se mantem no mesmo compasso pela cumieira, suave e bastante agradável.  E sem desnível nenhum, diga-se de passagem, a diferença da rota oficial. Cupinzeiros, flores endêmicas e arbustos retorcidos são recorrentes em td jornada, ornando ambas margens da trilha. Imediatamente surge um enorme dorso montanhoso elevando-se elegantemente do entorno, a sudoeste. “Olha lá o Ovo da Pata, pto culminante do Juquery! É pra lá q a gente vai!”, falei pro pessoal. “Pq Ovo da Pata?”, pergunta a Lu. Claro q fiquei sem resposta pq essa indagação q ate hj eu tb me faço. Se alguem souber  o motivo daquele morro ter esse nome tão esdrúxulo qto impróprio, sendo q “Morro da Baleia” seria bem mais pertinente, por favor esclareça essa dúvida cruel.
 
Nossa pernada prossegue tranquilamente e o tempo nublado claro colabora nesse aspecto. Digo isto pq durante td trajeto não há sombra alguma e geralmente em dias limpos o sol castiga sem dó mesmo! Não é o caso, e sendo assim a vista descortinada da morraria a nossa volta é amenizada ate por uma suave brisa q refresca o rosto. É na metade do caminho q de fato surgem resquícios de cerrado q caracteriza o parque, sob a forma de pequenos arbustos e árvores retorcidas. Predominam extensos campos limpos, que sobem e descem os “mares de morros”, só deixando crescer, livres de sua secura, nos escondidos grotões e fendas das montanhas, uma mata exuberante q se alterna entre ciliar e de galeria.  Pequeninas e coroando o alto das cristas paralelas, a leste e oeste, podemos ver tb as torres de fiscalização do pque.
 
Mas é após passar por baixo das linhas das torres de alta tensão e cruzar um simpático bosquezinho –  q proprociona um dos raros momentos sombreados – q o caminho se estreita e o mato em volta cresce a pto de invadir a vereda. O Ovo da Pata já se encontra á nossa direita (oeste), eucaliptos emergem em maior qtidade ao mesmo tempo em q vocorocas de samambaias se interpõem no caminho, mas sem oferecer maiores problemas q um mero desvio não resolva. Uma família de urubus é testemunha disso. É, isso é sinal q já estamos nos limites do Juquery. No entanto, a muvuca duma excursão no pque é perfeitamente audível, corroborando nossa decisão de fugir da rota principal.
 
Dito e feito, as 11:40hrs desembocamos numa vereda maior e bem batida q percorre uma cumieira transversal á q palmilhávamos. É aqui q tomamos claramente a vertente da direita pois ela irá ao nosso destino, o Ovo da Pata, agora a oeste. A da esquerda é possivel pressupor q leva ao Bairro do Morro Gde, já em Caieiras. E assim a pernada se mantem nesse mesmo nível e compasso, em meio a frondosa e colorida vegetação, em especial uns capinzinhos avermelhados q dançam ao vento. Nossa rota não tarda a bifurcar num “Y”, mas ai o sentido a tomar é bem intuitivo e dessa maneira vamos pelo ramo da direita, q logo se transforma numa vereda de terra bem aberta e erodida q perde altitude indo de encontro uma baixada, ao sopé das cristas palmilhadas.
 
Uma vez no fundo do vale provavelmente haja confusão qto a rota por conta do alto capinzal, mas na duvida basta tocar pra esquerda, indo de encontro ao sopé do Ovo da Pata. Caimos então num estradão largo e bem roçado, q não tarda em se transformar numa estreita picada q serpenteia o resto da baixada até finalmente emergir no estradão claro, de terra e pedra, q caraterizam os caminhos oficiais do Juquery.
 
Daqui basta caminhar um pouco q nos deparamos com a trilha pro Ovo da Pata. Abandonamos então a estrada principal e subimos pela picada q galga o dorso leste do morro, menos íngreme. Tem inicio uma subida através de sucessivos ombros serranos por trilha estreita, de chão arenoso e escorregadio.  Apesar da nebulosidade amenizar o calor e o desnível não superar 200m, a subida é lenta e vagarosa pq cada um obedece seu ritmo e condicionamento. Uma vez no alto a pernada nivela, acompanhando td extensão do largo cume do “Ovo da Pata”, no sentido leste-oeste, ate desembocar numa gde clareira q marca os 942m do topo oficial do morro, as 12:30hrs.
 
O topo é largo, exposto, gramado, com sinais de fogueira mas nenhum de lixo, por incrível q pareça. Contudo, o olhar é mesmerizado pela belíssima panorâmica q se descortina sobre td vale do Juquery e arredores: ao norte, mares de morros alternando campo limpo, sujo e cerrado se sucedem alternando fundos vales em primeiro plano, deixando a geometria de Franco da Rocha logo atrás; a oeste chama a atenção um Cristo coroando o alto duma das poucas elevações em Caieiras; ao sul um resquício do recorte da Serra da Cantareira divide o quadrante com o inconfundível Pico do Jaraguá, logo atrás; enqto a leste somos brindados pelos serrotes domésticos q abraçam Mairiporã, Piracaia e um rabicho da Represa Paulo de Paiva Castro.
 
Mas como nem td são flores, lembram daquela barulheira q ouvimos durante a trilha? Pois é, era um “grupo escoteiro-desbravador-religioso” q tb dividiu o cume conosco. No entanto, ao invés de “comungar com Deus” na paz, silencio e tranqüilidade q um lugar desses requer, a molecada fez questão de dar continuidade a muvuca barulhenta, com direito até celular tocando gospel em alto volume! Será q Deus é surdo tb? Bem q tentamos buscar outro local pra relaxar e beliscar nossos quitutes, mas não deu. Tivemos q permanecer ali a contragosto até a hora dos crentes-mirins finalmente vazarem, coisa de meia hora depois. Ai sim pudemos dizer q ficamos de boa, no cume. E eu, claro, aproveitei  pra estudar o trajeto a faríamos a partir dali.
 
Revigorados, pusemos pé-na-trilha por volta das 14hrs e, sem pressa, descemos a piramba íngreme q nasce do alto da montanha  até dar novamente na estradona principal do Juquery. Uma lacônica placa afirmando “Acesso permitido somente até este local” é ignorada sumariamente por não apenas por explicar os motivos da proibição como tb por ser aquela ser a nossa rota a partir de então, ou seja, agora tocamos pra  noroeste. Daqui tb nascem varias picadas menores q, presumidamente, devem dar numa portaria sul do Juquery, situada ao lado dum cemitério, já no Bairro Jd Virginia (Caieiras).
 
A estradona toma agora rumo sul, percorrendo a crista principal ou bordejando suavemente as encostas dos morrotes pelados q se seguem. O matinho cada vez mais alto q orna as margens da veredona eventualmente permite um visu do entorno e, olhando por sobre o ombro, percebemos q nos afastamos cada vez mais do Ovo da Pata. Nossa rota não tarda em interceptar então numa vereda maior (em “T”) e bem mais batida, na qual evitamos o ramo da direita, q certamente  irá desembocar numa minúscula portaria do Juquery de acesso restrito (e por onde o grupo escoteiro entrou), situada em seu limite oeste. Tomamos então curiosamente o ramo oposto, o da esquerda, q desce um pouco pro sul mas lentamente vai desviando pra oeste ate tocar indefinidamente pra noroeste.
 
Descemos uma larga baixadona pra então serpentear sinuosamente a morraria ao norte, q nos ocultam vistas a leste mas magnificamente descortina vedejantes contrafortes serranos a oeste. Ignoramos uma saída pela esquerda em favor da rota principal, cujo rumo é auxiliado inclusive por uma oportuna seta pintada no chão, apontando pro norte. Lentamente ganhamos altura pela encosta pelada dum abaulado morrote corado por eucaliptos perfilados.  Uma ultima olhada pra trás serve pra dar adeus ao pto culminante do Juquery, q agora se esconde trás a morraria palmilhada.
 
Mas após passar novamente por baixo das torres de alta tensão a então estradona principal se bifurca em varias veredas menores, perdendo altitude suavemente em definitivo, em meio a um bucólico bosque. Na duvida da rota, basta tomar a trilha q vá sempre pro norte, não tem erro. Valas terrivelmente erodidas, terra avermelhada, samambaial espesso e ate uma rústica pinguela de estrutura duvidosa são referenciais deste trecho no bosque, até q enfim caímos numa estradona maior q toca pro sentido desejado.
 
O ultimo trecho é presenteado com construções inacabadas engolidas pelo mato, mas logo adiante reparamos q estamos em propriedade particular, coisa q estridentes cães fazem questão de anunciar. Uma cerca de ferro delimitando propriedade é enfim nosso ultimo obstáculo do dia, q é facilmente vencido apenas se arrastando por baixo da mesma, as 15:10hrs. Tocando então por uma estradinha asfaltada percebemos q estamos nas dependências do Hospital Estadual Franco da Rocha, curiosamente ao lado do Centro de Progressão Penitenciária, a leste. E assim, as 15:30hrs finalmente damos na muvuca de Franco da Rocha onde estacionamos em definitivo num boteco pra bebemorar a empreitada pra la de sussa daquele dia. Bem, quase tds. O Lucio ainda teve q pegar buso pra pegar a motoca, deixada na portaria principal. 
 
E desta forma etilicamente prazerosa terminou mais uma incursão pelos vastos e largos horizontes deste parque q tem a oportuna alcunha de “último remanescente do cerrado na região metropolitana de São Paulo”. Existem ainda varias outras picadas não oficiais, proibidas ou simplesmente em desuso q partem de vários setores e sabe-se lá o q guardam,  esperando apenas a oportunidade propicia pra serem percorridas, descortinadas e mapeadas. Mas isso é assunto pra outro relato. E motivo mais q justificado pra retornar a esta enorme e fascinante unidade de conservação. É o cerrado a apenas 38km da “paulicéia desvairada”.
 
Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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