Família de escaladores pela América do Sul, parte 7

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Acordei no dia 31/12 ainda cedo para o passeio, que começava a sair às 9hs, esperei o Léo acordar e tomamos café da manhã, com a comida que tínhamos comprado no dia anterior, em uma mesa privada que ficava ao lado da barraca.

 
Com o frio que fazia o Luca dormiu até bem mais tarde, vimos alguns barcos saindo para o passeio e quando deu 10:30hs, resolvi acordar o Luca. Ele tomou o café da manhã e começamos a organizar as coisas de volta no carro, quando chegou um visitante para nos dizer adeus, um gatinho preto e muito simpático que ficou bem à vontade em cima da nossa mesa. A gente via gaivotas por todos os lados e, pela primeira vez, vi um pelicano, eles também eram habitantes comuns por ali. Em um último adeus andando pelo camping encontrei uma plantinha vermelha que parecia agasalhada para o frio. Fomos aos barcos, antes de embarcarmos já havia sido avisado que veríamos lobos marinhos, leões marinhos, pinguins e, com sorte, golfinhos. Acho que estávamos com sorte, vimos muuuitos deles, dois tipos, os Nariz de Garrafa e os de Dorso Branco. Ainda antes de chegar a ilha onde veríamos a maioria dos animais, passamos perto de  um pelicano nadando com seus filhotes, infelizmente não consegui pegar a máquina a tempo de bater uma foto. 
 
Chegamos a Ilha Choros e vimos então os leões marinhos, uns pássaros locais bem bonitos de que não me lembro o nome, os Pingüins de Humboltd, os lobos marinhos e até lontras, mas estas também foram rápidas demais para a minha máquina fotográfica. Além disso passamos por uma gruta onde entramos com a embarcação e vimos pequenos peixinhos em suas águas claras, a pedra Olhos do King-Kong e a Ilha da Dama, onde descemos para um “banho” de praia. Paramos para um lanche, onde uma gaivota tentava roubar nossa comida. O tempo não estava dos melhores, foi impressionante ver a disposição de alguns turistas para entrar e ficar dentro das águas geladas do Pacífico.  Voltando do passeio era hora de partir, comemos umas empanadas (pastéis) em uma lanchonete local e 17:30h, torcendo para o combustível não acabar, pegamos estrada para La Serena/Coquimbo. Ainda era dia e a imagem da costa guiou nossa viagem quando chegamos a um posto de combustível. 
 
Por volta das 20:00h, ainda com a luz do sol, chegamos em La Serena e começamos a procurar os sítios de boulders, encontramos o setor Los Monsters de forma bem fácil com algumas indicações que tínhamos pego em um site. Cada vez que chego em um lugar destes fico impressionada, e quando eu penso que estou vendo um incomum mar de pedras, outros me aparecem. O lugar era impressionante, a qualidade dos blocos rivalizava com a encontrada em Tuzgle, mas tinham muito mais quantidade de blocos por m2, se eu achava que tinha encontrado um mar de boulders em Tuzgle, aqui havia passado um Tsunami de blocos. Mas era dia apenas de reconhecimento de local, ainda não estávamos acomodados e no meio dos boulders o Luca caiu e machucou o joelho, o que acabou apressando nossa saída do sítio. O joelho não foi nada demais e fomos encontrar um hotel para ficar. Quando encontramos um hotel (apesar de feder a cigarro foi o melhor custo x benefício que encontramos) apenas lavei o machucado do Luca e saímos para comer. Era Ano Novo e queríamos encontrar um lugar legal para comemorar, mas os lugares legais haviam ficado em La Serena e, apesar de ser “COLADO” em Coquimbo era impossível chegar lá a esta hora da noite no dia do réveillon, é como tentar chegar a Copacabana no Ano Novo. 
 
Fizemos um tour por Coquimbo e só encontramos um restaurante chinês aberto, o Léo não gosta muito destas comidas mas esta era a nossa única opção. A janta foi razoável, o Luca já estava muito cansado, querendo dormir, na verdade quase dormiu em cima do prato, então voltamos para o Hotel antes mesmo dos fogos estourarem. O Luca tomou o banho e escovou os dentes praticamente dormindo e apagou na cama.  O Ano Novo chegou com o Léo no banho e eu escrevendo minhas impressões dos dias anteriores da viagem. Já fazia muito tempo que eu não dava sinal de vida para a família e eu precisava desejar a eles um Feliz Ano Novo. Protocolos cumpridos fomos sonhar com os boulders do dia seguinte.
 
Dia 01/01 acordamos tarde, o dia estava com bastante neblina e bem fresco, pusemos roupas quentes e pelo clima comecei a achar que não iríamos conseguir escalar naquele dia mas, pelo menos, íamos tentar. Não tomamos café da manhã e estávamos indo almoçar quando passamos por um murinho de escalada e resolvemos parar para pegar informações sobre a escalada local. O muro era dentro de um Hotel, mas era independente e não havia ninguém responsável no momento. Não havia muito comércio (nem restaurante) aberto, encontramos uma pizzaria agradável e paramos por lá mesmo. A pizzaria não era das mais econômicas, mas decidimos gastar um pouco mais de dinheiro e fazer uma melhor comemoração de Ano Novo. Do lado de fora da pizzaria tinha um destes brinquedos infláveis que criança adora e lá foi o Luca brincar enquanto esperávamos nosso prato. A massa com pesto me chamou a atenção, mas o gosto não chegava nem perto da comida da Cris (pequeno restaurante em São Paulo onde encontramos os melhores macarrão ao pesto e cheese cake que eu conheço), nem mesmo a sobremesa. Depois do almoço… escalar, a esta hora o sol já estava forte e começamos a tirar as roupas quentes, o clima havia mudado e já dava para ver que o dia seria proveitoso. 
 
Fomos aos Los Monsters e andamos pelas trilhas e conferimos tudo com mais calma, o Léo já tinha mapeado alguns boulders no dia anterior e o Luca logo descobriu uns boulders adequados para ele. Era muita pedra, difícil de escolher, encontramos um bloco alto com 2 boulders verticais de regletes (V0/V1) mais para aquecimento, não conheço muito de rochas mas, pelos primeiros toques na pedra, já sabia que não teria problemas com a pele por lá. Tínhamos algo que se assemelhava a um croqui mas era difícil identificar cada boulder com tanta coisa desenhada em um espaço tão pequeno e, para “ajudar”, sem fotos. Quando estávamos saindo deste bloco encontramos um casal chegando, eles iriam para o seu aquecimento e depois combinamos de nos encontrar. Andamos um pouco e, entre tantas opções, ficamos em um cantinho com vista para o mar, pelicanos e gaivotas, entre outras aves, voando por perto, barcos turísticos passando e uma paisagem que transmitia paz. Encontramos um aglomerado de boulders meio negativos (V1/V2) escondidos entre dois blocos que pareciam divertidos e descobrimos que na sombra precisávamos de agasalho. O Léo mandou o boulder, mas eu fiquei devendo. 
 
Nos Los Monsters há uma diversidade de blocos enooorme, e não é diferente com negativos e caves, ao lado de onde estávamos escolhemos um provável V2 negativo bem divertido e logo chegaram os argentinos, para a Carla o boulder saiu de prima, o Léo já tinha mandado, Javier também mandou fácil e eu fiquei devendo. Javier e Carla são argentinos, escalam muuito bem, moram relativamente perto da fronteira e com frequência escalam no Chile. Ficamos mais um pouco por ali tentando um V6 que não saiu para ninguém, como estava muito forte para mim e a Carla, fomos para uma cave a uns 10 metros de distância. A cave era pequena, mas tinha muitas possibilidades diferentes entramos em um V2 e quando os “meninos” chegaram a “brincadeira” ficou mais séria, passamos a tarde tentando algo que parecia um V6 muuuito divertido, assim e eu já estava me sentindo no Paraíso, com P MAIÚSCULO. 
 
O Luca também se divertiu muito, explorou, escalou e no meio tempo ainda assistiu a desenhos no tablet. No final do dia, as aves se amontoaram em umas rochas que ficam praticamente dentro do mar e eu entendi a coloração branca delas e agradeci por elas ficarem por ali e não “invadirem” costa à dentro. Escalamos até umas 9hs com sol, o dia não podia ter sido melhor. Saímos da rocha às 9:30hs da “noite” com a luz do sol guiando nossos passos até o carro, onde ainda encontramos os escaladores locais Francisco e Sol e paramos para conversar, sem headlamps ou qualquer tipo de iluminação artificial. Depois de alguma conversa, descobrimos que COQUIMBO ERA UM PARAÍSO. Nos falaram de muito outros setores, tão bons quanto ou até melhores que o Los Monsters, como o setor chamado Golden. Acabamos não decidindo nada para o dia seguinte, teríamos que pensar no assunto, mas fomos embora muito felizes. Jantamos umas empanadas em La Serena, na rua da praia, ao lado de uma interessante lanchonete com decoração americana e tocando rock. Voltando para o Hotel, banho e cama, era um dos o melhores Anos Novos da minha vida e o dia seguinte ainda prometia…
 
Dia 02/01 mais uma vez o dia amanheceu bastante nublado, precisávamos encontrar uma lavanderia, nossas roupas limpas já estavam ficando escassas novamente. Perguntando por lavanderia descobrimos que mandar lavar roupas não era uma prática muito comum por ali. Recebemos várias indicações que nos levavam a locais fechados e enquanto rodávamos por Coquimbo fomos conferindo o comércio local e comprando umas frutas regionais como cerejas, a custo de banana nos seus melhores dias. Depois de muito rodar precisamos parar para almoçar em um boteco qualquer com boa comida, o dia continuava nublado e seguimos para mais uma indicação de lavanderia, era nossa última esperança, uma “5 a sec” em La Serena que ficava na alameda de serviços de um Super Mercado local e… estava aberta. O dia estava abrindo, OBAAA… seria mais um dia de diversão, então saindo da 5 a sec fomos pro climbing.
Chegamos no Los Monster sem nem sinal da galera, mas como a qualidade e a quantidade são impressionantes, escolhemos nossos próprios boulders sem grandes problemas. Paramos em um bloco de uns 3m bem pouco negativo e que ficava na sombra mantendo a temperatura bem baixa. Descobrimos uns 3 V2/V3 de regletes e demos uma “apertada” por lá antes de eu voltar no projeto V2 do dia anterior, negativo de abaulados e regletes com um dinâmico antes de um domínio delicado, enquanto o Léo dava mais uma sacada nos blocos por perto.
 
Na minha terceira entrada o Francisco e a Paz e alguns outros escaladores locais que eu ainda não conhecia chegaram para conferir minha gloriosa cadena. Fiquei muuuito feliz, depois disso entramos em uma cave que tínhamos entrado no dia anterior, mas o Francisco nos apresentou um novo boulder, um V6 IMPRESSIONANTEMENTE, que começava com uns abaulados num leve negativo dentro da cave e ia ficando mais negativo até que seguia pela borda e entrávamos no teto cruzando todo o portal da cave. Ficamos malhando o resto do dia. Foi ANIMAL, todos se divertiram muuuito. Conversando um pouco sobre os points de boulders pelo Chile com a galera, eles nos indicaram um guia de boulder que vende na internet, mas que por motivos óbvios teríamos que tentar encontrar em lojas físicas em Santiago. No final da conversa eles tomaram coragem e nos fizeram uma proposta inusitada… a de comprar nosso Belêcrash. Eu achei isso ao mesmo tempo engraçado e interessante, engraçado porque eu não esperava, mas eles nos explicaram que não haviam bons crashs por lá. E interessante porque o carro estava LOTADO, vendendo o crash livraríamos algum espaço “aumentando” o conforto da viagem e poderíamos comprar outro crash na volta para São Paulo. 
 
Por este motivo até que seria uma boa idéia não fosse pelo fato de que ainda pretendíamos escalar no resto de nossa viagem, acabamos não fazendo negócio. Depois disso comemos damasco do quintal da casa da Paz e fomos embora com dor no coração de deixar tantos outros boulders para trás, mas já estava na hora de tocar viagem. Jantamos um gostoso sanduíche na lanchonete de rock com som ao vivo de La Serena. Na lanchonete tocava rock de todo tipo e foi engraçado ouvir música brasileira cantada em espanhol. Voltamos para o hotel e eu fui dormir sonhando com os boulders que deixaríamos para trás.
 
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