A serra do Tico Tico

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Menos de ano atrás qdo pisei por acaso no “Mirante de Caieiras” – na verdade um Cristo Redentor q coroa o alto dum morrote local – reparei q aquela acanhada elevação fazia parte dum espigão bem maior, q ainda se estendia no sentido oeste por bons 2kms de abaulada crista. Era a Serra do Tico-Tico q, inserida em propriedade particular (e bem vigiada) da Cia Melhoramentos, atiçou a curiosidade em saber onde diabos daria. Indiscrição esta sanada nestes dias qdo lá retornei afim de percorrer aquela modesta cumeeira serrana, resultando numa curta caminhada com belas vistas da zona norte da Metrópole Paulistana. E claro, uma pernada tão agradável como proibida.

Cancelada a trip programada pro domingo e com tempo abreviado por conta do berço me segurar além da conta, me vi neste final de semana sem gdes opções selvagens de rolê. Por conta do horário avançado automaticamente descartei Paranapiacaba, Biritiba-Mirim e Mogi, visando alguma coisa na direção da perifa semi-urbanoide de Sampa. Revirando as cartas de Guarulhos e Santana do Parnaíba, meu olhar estacionou num pequeno serrote doméstico q havia permanecido como pendência duma ocasião anterior, a Serra do Tico-Tico. De facílimo acesso, próximo de casa e sem gdes traslados de trem/metrô  era a pedida certa prum meio período dominical.

Saltei então solitariamente as 11:30hrs na Estação Caieiras da CPTM naquele domingo quente, onde um fino véu de opacidade clara envolvia o firmamento, deixando algumas frestas azuis aqui e acolá. Sim, o horário era bem avançado pros padrões normais, mas era o ideal pra pernada proposta. Felizmente a viagem pela sacolejante composição da CPTM  foi breve e rápida. Pelo visto as obras na linha lilás foram concluídas e o usuário já não precisa mais das enfadonhas baldeações trem/lotação q terminavam dilatando mais o deslocamento.

Pois bem, uma vez pisando em Caieiras – a famosa “cidade dos pinheirais” – num piscar de olhos tomei o asfalto da Rod. Tancredo Neves (SP-332) retrocendendo algumas dezenas de metros por norte e passando por cima dum pontilhão sobre o Rio Juquery. Dali bastou tocar sentido Francisco Morato e Franco da Rocha, na segurança do acostamento da margem esquerda da via. Mas não dá nem 10min de caminhada q abandonamos o asfalto em prol duma picada q sobe o morro de reflorestamentos q nos acompanha desde o início. Como referência desta vereda há uma placa “Sintequimica” e um campo de futebol, este do outro lado da rodovia.

Uma vez nesta erodida picada basta tocar pra cima, sempre subindo em meio a vegetação ressequida e chamuscada, cercada de pinheiros e eucaliptos. Na verdade este terreno já compõe a propriedade da Cia Melhoramentos – sob pretexto de “Refugio de Fauna e Flora” – como deixa escancarado uma placa no final da via, q desemboca numa rua um nível acima do morro. Daqui basta apenas subir pela Rua Dauri B. Morais, sempre sentido noroeste, bordejando o enorme morro a nossa esquerda. Passada uma igreja evangélica, o Supermercado Uberaba e cair nas ruelas q integram o pacato Jd Marcelino. Daqui basta acompanhar a direção dumas torres de alta tensão, q indicarão a entrada pro Cristo Redentor. Em caso de dúvida qq morador saberá indicar esta entrada.
E assim as 12:20hrs alcanço os portões de entrada q dão acesso ao Cristo Redentor local, onde uma placa escancara o horário de visitação como sendo das 8hrs às 17hrs. Daqui é só subir a íngreme via asfaltada ao alto, onde não vejo vivalma nem ali nem no bairro, quiçá por ser horário de almoço. Ou quiçá pelo sol estar dando as caras com força total e fritando os miolos de quem estiver ao relento, como eu. O odor delicioso dum churrasco sendo feito nalgum canto invade minhas narinas e me deixa com agua na boca. Mas estou pernando e preciso me focar, evitando as “tentações” do caminho.
Dez penosos minutos depois finalmente me vejo, sozinho, nos pés do Cristo Redentor, estátua q coroa o alto dos quase mil metros de altitude do Morro do Cruzeiro. Um ventinho tímido refresca meu semblante encharcado, enqto o pouco lixo ao redor infelizmente me lembra de estar nas proximidades civilização. Ali, no pto mais alto da região, q tb funciona um pto de observação de queimadas na mata de reflorestamento da companhia pela vista privilegiada, divide o espaço tb com uma gde antena de retransmissão. A paisagem é panorâmica e cobre os 360 graus de td região! O Pico do Jaraguá, a rodovia dos Bandeirantes, a Tancredo Neves, a Anhanguera, a Serra do Japi, a cidade de São Paulo, o centro de Caieiras e dos bairros próximos. Está td lá. E claro, a leste, o morrote verde-claro e pelado do Ovo da Pata, no PE Juquery, e seus descampados adjacentes!!

Pois bem, é aqui q azimuto em direção á Serra do Tico-Tico, cuja  abaulada cumeeira florestada se espicha na direção oeste. Retrocedo pelo asfalto e avisto uma discreta porteira barrando o acesso na direção desejada, mas nada q um desvio lateral não resolva. “Propriedade Particular – Cia Melhoramentos” escancara unicamente uma placa logo na entrada e num piscar de olhos me vejo palmilhando uma agradável crista da serra em nível. Como, em tese, td q não está expressamente proibido é permitido, adentrei de boa naquela via de manutenção pouco freqüentada, o q pode ser confirmado no mato tomando conta do caminho e ausência total de pegadas. Vez ou outra encontro vestígios e rastros de pneus de bikers, mas são raros.

A pernada prossegue tranqüila e desimpedida, felizmente no conforto da sombra do aprazível arvoredo ao meu redor, composto basicamente de eucaliptos, pinheiros e alguma mata ciliar. No caminho, frestas na vegetação revelam novas perspectivas do Pico do Jaraguá, da Serra do Japi e até da pouco conhecida e visitada recentemente Placa de Cajamar, a noroeste. A crista ondula suavemente na direção oeste, sem gde desnível e sempre nas mesmas condições até então encontradas. Eventualmente é preciso ter cuidado no caminho, pois não bastasse o mato alto as vezes tomar conta da vereda a mesma se apresenta lisa e visguenta feito sabão. E em mais duma ocasião quase fui pro chão não fosse me firmar nalgum apoio a minha volta.
Após um íngreme descidão acompanhando duma forte subida, as 12:40hrs alcanço o q parece ser o pto culminante de quase mil metros do Tico-Tico, assinalado por uma decrépita guarita tomada pelo mato. Uma clareira com sinais de fogueira completam o cenário, ainda mais agraciado por uma oportuna janela na vegetação q emoldura td caminho percorrido até então, incluindo o Cristo Redentor, realçado de tons alvos pela luminosidade daquele início de tarde. Pausa de 1 minutinho pra descanso e alguns goles de agua.

Pois bem, aqui a crista apresenta uma bifurcação, onde sou obrigado a tomar a opção da esquerda, q visivelmente se mantem no restante da crista serrana, agora marcada por cocurutos florestados cada vez menores. O caminho percorre a encosta descendente do morro palmilhado pra tropeçar com nova bifurcação logo adiante. E mais uma. E outra. Bem, aqui procuro sempre me manter na q siga sempre o mais próxima da cumeeira e na direção oeste. Fica aqui a dica de exploração das demais veredas adjacentes, q acredito darem noutros ptos dos bairros caieirenses ao norte. Mas claro, são apenas suposições.

Logo adiante começo a ouvir o burburinho de veículos e qual minha surpresa ao ver, no meio do arvoredo, a Rodovia  dos Bandeirantes quase bem a minha frente! É aqui q a serra termina e praticamente começa uma íngreme e perrengosa descida de mais de 200m. Perrengosa pelo chão liso e pelo mato alto invadindo o caminho, mas nada assim do outro mundo. A perda de altitude é instantânea e logo os reflorestamentos dão lugar a exuberante mata secundaria ciliar. Logico q vestígios de pegadas, pisadas ou de pneus aqui não há. Há sim, nos trechos enlameados, rastros de animais, dos quais pude identificar pequenos roedores e galinhas-do-mato.

Após algumas curvas e mais algumas bifurcações, onde tomo a direção da rodovia, desemboco num estradão batido bem maior, este sim com rastros de pneus. São as 13:30hrs e agora minha preocupação é sair dali, um vasto emaranhado de reflorestamento. Felizmente a somatória do uso carta/bússola é bem útil aqui, pois colabora (e muito) na tomada de decisões de modo a não me enfiar cada vez mais no miolo da floresta. Mas ai percebi q fui me afastando do ruído dos veículos da rodovia, tocando na direção sudeste, o q me deixou meio ressabiado. Mas com tempo mais de sobra me deixei levar naquela rota pra ver onde ia dar. Afinal a idéia era conhecer, não?
Não demorou a chegar num estradão de terra principal q ,no sentido leste/oeste, era praticamente a “Avenida Paulista” da Cia Melhoramentos. Tomando a direção oeste, as 14hrs caio numa guarita onde um guardinha de olhos arregalados me interroga da procedência, além de avisar da proibição de estar andarilhando por ali. Pergunto das opções pra sair dali e ele mesmo me recomenda voltar pra Caieiras pela via principal, isto pq eu pretendia tocar pra Perus pela Bandeirantes, q depois revelou-se bem longe. Curiosidade q perto daquela guarita nos cafundós daquela área de reflorestamentos havia umas curiosas ruínas q me despertaram a atenção por se assemelharem a um misto de castelo com olaria. “É a antiga fábrica de cimento e cal da cidade! Aliás, Caieiras nasceu daquela fábrica, tombada como patrimônio da cidade!”, explicou o prestativo segurança.

E assim comecei a voltar pela estradinha rumo leste, seguindo as instruções do segurança. Serpenteando morros e morros de reflorestamento, o destaque é um enorme lago a meio caminho onde não pensei duas vezes e mandei ver um breve e refrescante  tchibum. Desnecessário mencionar q durante td aquele trajeto q basicamente percorre o sopé da Serra do Tico-Tico no sentido contrário, fui abordado umas três vezes por seguranças motorizados. “Sabia q não pode estar aqui?”, “Por onde você entrou?”, “Você está em propriedade particular e de acesso controlado!” eram as perguntas mais frequentes. A resposta estava na pta da língua: “Fui no Cristo Redentor e acabei aqui!”. Simples e eficaz.  Ainda assim, minha presença não passara desapercebida e pude ouvir perfeitamente rádios e chamadas interfonadas mencionando a presença dum "estranho" no lugar. Logicamente q fui gentilmente convidado a me retirar dali, pedido q atendi sem questionar.

Dessa forma cai finalmente na empresa propriamente dita, embora  este seja um termo parece não se aplicar pois a impressão é q se está mesmo dentro dum mix de parque natureba com mini-cidade, composta por escolinha, creche, moradia, restaurante e td infra estrutura pra acomodar muitos funcionários, q naquele dia estavam em número reduzido. Havia até uma simpática capelinha, a Igreja Nossa Sra do Rosário, cujas fundações azul-claro destoam da paisagem esmeralda dos  morros florestados. Prédios e maquinário antigo ornam ambas margens da estrada, testemunhas de q a história da empresa se mistura à de Caieiras, qdo a empresa alemã Gerbruder Hemmer chegou em 1877 pra estabelecer uma empreendedora fábrica de papel industrial, q depois se tornaria a filial paulista da carioca Cia Melhoramentos.

Logo adiante a terra dá cede lugar ao asfalto e é ai q a empresa ganha mesmo forma de tal, com chaminés fumegantes processando matéria-prima, encostas desnudas de vegetação, toras empilhadas e muitos caminhões estacionados na beirada da estrada. Surgem bifurcações onde é nítida e mais rigorosa a entrada pralguns setores onde a extração não so de madeira como de pedras do morro abastece as caldeiras da fábrica.

Resumindo, deixo as dependências da Cia Melhoramentos por volta das 15hrs e logo depois me vejo tomando minha sagrada breja gelada num dos tantos quiosques perfilados a frente da Estação Caieiras. É o mínimo regozijo q posso me dar antes de empreender o caminho de volta pra casa. Satisfeito por ter cumprido minha sacra e descompromissada travessura dominical fica agora a pendência de futura exploração das serras adjacentes ás do Tico-Tico, além duma fantástica pedreira próxima. Mas claro, desde q a mochila esteja devidamente bem munida pra próxima incursão daqueles arredores. Dessa forma, um simplório frasco de “óleo-de-peroba” ganha sua devida importância, a pto q eu o incluiria facilmente como apetrecho imprescindível e indispensável no check-list de qq aventureiro q se preze.

 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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