A cachu do Marsilac

0

Nascida no final da construção da EF Sorocabana, Engenheiro Marsilac seria mais um pacato vilarejo rural de Parelheiros não fosse considerado o distrito “mais remoto da capital”. Situado a 70km do Centro e 15km do litoral, o bairro é formado por familiares de ex-funcionários da ferrovia e seu nome homenageia o engenheiro responsável da mesma. É totalmente recoberta por Mata Atlântica e banhada pelo Rio Capivari, q forma vários remansos e cachus no trajeto, sendo q a queda mais conhecida é a q leva o nome do bairro. E foi nela q nos dirigimos afim de conhecer melhor este cafundó no extremo sul de SP. Um “programa-de-índio-explorador” sussa de 20kms, com direito a esticadinha até Evangelista de Souza pelos trilhos.

Devo estar mal acostumado a ultimamente andar de carro q esqueci o quão sacal é embarcar na CPTM no dia domingo. Obras na linha, baldeações e outros contratempos comprometem consideravelmente qq tentativa de planejamento prévio, gerando atrasos não programados. O fato é só consegui encontrar o Ricardo no Terminal Grajaú por volta das 9hrs, e dali imediatamente zarpamos pra zona sul no “6003 Terminal Varginha”. Esta viagem foi bem rápida, q creio não deu nem 20min. Nesse terminal tomamos o “6L01 Marsilac” q partiu pontualmente as 9:30hrs, e resultou num deslocamento mais demorado porém bem interessante. Num piscar de olhos deixamos os últimos vestígios do cinza concretado da civilidade, e nos vimos percorrendo a interminável Estrada do Marsilac, cercado de verde exuberante de ambos lados. Placas nos lembravam q enfim adentrávamos nos domínios da APA Capivari-Monos.

Saltamos em Marsilac, pto final do buso, as 10:15hrs. O sol forte brilhando num céu despido de qq nebulosidade era indicio dum dia quente e promissor. Marsilac é um bairro um pouco maior e bem mais estruturado q outro vilarejo q serve de pernadas por aquelas bandas, o bairro da Barragem, situado 11kms a nordeste. O lugar basicamente é composto por uma rua principal repleto de vendinhas, igreja, escola e comercio, e um punhado de transversais onde se alocam os moradores. Ali fomos num mercado tomar um desjejum e munir as mochilas com alguns quitutes pra mastigar durante o rolê.

Dali seguimos tranquilamente pela rua principal rumo leste até dar num entroncamento com um estradão de terra, q toca pro sul interminavelmente. É a Estrada do Capivari e qq local sabe informar como chegar nela. Uma vez nela não tem erro q é só seguir por ela até o fim! Com ar bucólico, repleta de mata em volta e salpicada de chácaras, sítios e algumas igrejas evangélicas, é uma via agradável de percorrer a pé principalmente por não haver desnível algum. No caminho tropeçamos com alguns locais no sentido contrário, mas muitos veículos na mesma direção q a gente, o q diluiu consideravelmente nossa esperança q seriamos os únicos a desfrutar da tal “cachoeira do Marsilac”.

Pois bem, após andar desimpedidamente por quase 5kms chegamos ao final da estrada, as 11:20hrs, marcado por um amplo estacionamento, sanitários, uma vendinha bem estruturada, uma plataforma de tirolesa e duas placas q falam por si: “Pancadão Não!” e “Proibido Fazer Trabalhos Espirituais”. Outra referente a APA completa o quadro. Logo adiante vemos  uma enorme prainha fluvial q bordeja o Rio Capivari, q ali corre manso após passar encachoeirado baixo uma ponte. Sim, a ponte, q seria a continuidade da estrada, esta terminantemente bloqueada pra tráfego e o avanço é proibido, pois uma placa escancara “Reserva Florestal Fazenda Capivari – Sabesp – Invasão é Crime”.

Mas e a tal queda Marsilac? Pois é, essa q é a decepção: a “cachu”, q tb atende pelo nome de “Sabesp”, se limitava àquelas pequenas corredeiras sob a ponte!!! É, pra quem está habituado a enormes cascatas aquilo ali não passava de mera “poça”. Contudo, o desencanto maior é constatar q aquele belo lugar – q ao menos poderia ser um lindo balneário natural – estava apinhado de gente barulhenta, numa muvuca só! Pra quem está habituado a curtir um remanso natureba no sossego ali realmente não é local indicado. Não pelo menos nos fds, a menos q faça uma espécie de turismo antropológico. Quem sabe em dia de semana o lugar seja mais interessante, mas o fato era q isso era previsível. “Olha, eu já vi farofa mas aqui ganha de tudo!”, resumiu o Ricardo, olhando pra mim com cara de desolação. Sentindo-nos meio q deslocados ali naquela muvuca toda, bastou o cheiro de churrasquinho invadir nossas narinas e o som insuportável do axé do “Lepo! Lepo!” preencher nossos ouvidos q decidimos zarpar dali em caráter emergencial. De fato, não era aquilo q pretendíamos encontrar ali naqueles cafundós!

Resolutos a encontrar algum remanso melhor, tranquilo e reservado, buscamos alternativas e encontramos. Do lado da ponte há uma discreta picada q acompanha o Rio Capivari, subindo o mesmo. No início é preciso desviar de td sorte de macumbas e despachos, mas depois a pernada abranda e se torna mais sussa. E assim palmilhamos um bom trecho esta picada, q se mostra bem batida embora conforme se avança se estreita cada vez mais e mais. Subindo o rio cada vez mais, não dá menos de 10min em ritmo desimpedido q a vereda começa literalmente a bordejar o Capivari por terreno íngreme e inclinado. Aqui já é preciso se firmar no arvoredo em volta e as mãos ganham tanta importância qto os pés. Mas este processo se repete por pouco tempo.

E eis q numa curva fechada do rio chegamos ao final do caminho e, consequentemente, de nossa exploração. Na verdade um medonho deslizamento trouxe metade da floresta abaixo e a depositou confortavelmente sobre a continuidade da picada. Mas até ali já estávamos numa bucólica e estreita prainha composta de pedras onde ao menos o isolamento e tranquilidade já estavam garantidos. Claro q optamos por ficar ali de boa, descansando e beliscando alguma coisa. E, claro, com direito a tchibum.

Zarpamos dali as 12:45hrs, bem mais dispostos a encarar a pernada de volta. Passamos batida a cachu do Marsilac dando as costas aquela farofa, apressando o passo no estradão, onde cruzamos com um número maior de turistas, banhistas e carros indo na direção do atrativo. “Meldels! A Cachu vai ficar pequena pro inferno de Dante!”, pensei. Bem, chegamos em Marsilac por volta das 14hrs, relativamente cedo, e pra não retornar pelo mesmo caminho decidimos emendar uma pernada até Evangelista de Souza e, de quebra, até o bairro da Barragem. Na base do “ferro-trekking”, claro!
Tomamos então os trilhos da ferrovia e tocamos pra leste, de forma tranquila e desimpedida. Lembro q antes uma larga picada acompanhava a ferrovia. Pois bem, esta picada não existe mais e se tornou uma precária estrada sem pavimentação, onde ficamos a maior parte do tempo. Este trecho de 6km acompanhando os trilhos é bem agradável e acredito q seja melhor aproveitado pelos adeptos duma magrela.

O fato é q a medida q se deixamos Marsilac e nos embrenhamos em meio a morraria forrada de verde ao menos se dilui a péssima lembrança da farofada cachu deixada p/ atrás. E o almejado silencio logo toma conta de td trajeto, assim como o agradável cantarolar dos pássaros. No caminho cruzamos com três córregos cortando a via, o córrego dos Pombos, da Dúvida e dos Garcia. Vale mencionar q esta via é pouco utilizada e q só cruzamos com 2 ou 3 veículos em td trajeto.

No entroncamento pra Evangelista de Souza embicamos pro norte abandonamos os trilhos, sentido Barragem, e qual nossa surpresa q na metade do trajeto conseguimos carona num veículo q já tinha outro passageiro conhecido: o gde andarilho Carlão! Na verdade ele havia nos visto na estrada e pediu pro motorista nos levar. E assim abreviamos um bom (e enfadonho) trecho de chão. O bom foi q o senhor não nos deixou no bairro da Barragem e sim em Parelheiros, o q nos economizou o valor de um coletivo. Antes de partir pra Sampa e nos despedir do nosso motorista bem-feitor, nos três encostamos num boteco afim de bebemorar o reencontro com este velho colega de andanças.
 
E dessa forma etílica findou nossa primeira e descompromissada visita ao cafundó q atende pelo nome de Engenheiro Marsilac. É bem verdade q pruma primeira incursão de final de semana a impressão não foi das melhores, mas quem sabe num dia de semana a Cachu homônima ganhe uma segunda chance, não? De qq forma, os arredores estão repletos de pequenos atrativos q, como mencionei antes, sejam melhor aproveitados com auxilio duma magrela, de modo a otimizar melhor o rolê com as longas distancias envolvidas. Atrativos como a Estação Elevatória do Capivari, a Cachu da Macumba e do Sagui, e esticando um pouco mais, a Cratera da Colina e a Ilha do Bororé. Mas estes aqui são assunto pra outro relato.
 

Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

Deixe seu comentário