Travessia da Serra do Mursa

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Parte integrante do complexo Serra dos Cristais, a Serra do Mursa tem sua elegante topografia destoando da horizontalidade de Várzea Paulista (SP). Conhecida tb pelo nome de Morro do Elefante, o Mursa é uma elevação q alcança quase 1080m q – vencidos através de vigorosa caminhada – descortinam uma bela panorâmica desta região sul de Jundiaí. Foi lá q palmilhamos tranquilamente td extensão desta curta e estreita crista, numa travessia sussa q iniciou na estação mal-assombrada de Botujuru e findou na pacata Várzea Paulista. Um bate-volta do “outro mundo”, com direito a cobra, mordida de pitbull e voo de paraglider na faixa!!!

Encontrei a Ju na Estação da Luz antes das 8hrs e prontamente zarpamos na linha rubi em direção Francisco Morato, onde não esperamos nem um minuto pra baldear rumo Botujuru, q nada mais consistia na estação sgte. O fato foi q qdo as linhas da CPTM funcionam decentemente (sem obras ou necessidade de tomar lotação) elas nos levam ao destino num piscar de olhos. Tanto q não deu nem tempo de colocar o papo em dia com a Ju. E foi assim, vapt e vupt, q saltamos na Estação Botujuru quase q as 9hrs. Estranho foi constatar q apenas nós dois desembarcamos em Botujuru, situada na cota dos 780m, q mais parece uma decrépita estação de filme de faroeste, só faltando montes de feno rolando em volta pra completar o panorama meio de desolação.

Com nome q homenageia um índio e se estende à estação da linha rubi da CPTM, Botujuru é um bairro do município de Campo Limpo Paulista. Contudo, apesar do ar interiorano q paira ao redor a estação é mais lembrada por um causo do “outro mundo” q, verdade ou não, se tornou tradição local. Dizem q um fantasma perambula pela estação e q esta manifestação sobrenatural nada mais é q do Sr. Henry J. Beeck, engenheiro inglês q chefiou a construção da ferrovia em Botujuru, em especial, o túnel. A estória é mais ou menos assim. O galego era enérgico demais com seus funcionários, e não raramente os punia com medidas disciplinares q beiravam a humilhação. Isso bastou pra terminar sendo assassinado pelos subalternos, q o emboscaram e deram sumiço no corpo. Como seus restos nunca foram encontrados, foi construída uma lápide e um local onde são depositadas velas em sua homenagem, situados perto do túnel. É ali q, altas horas da noite, há relatos de fatos estranhos: desde ruídos de pá cavoucando terra e gemidos de dor até aparições dum vulto “flutuando” sobre a ferrovia. O fato é q agradeci por começar a pernada ali e não terminá-la altas horas da noite. Me borro de medo com essas coisas do além, e bebemorar a pernada em cia ectoplásmica decididamente não estava em meus planos.

Pois bem, deixando as paradas sobrenaturais de lado e fincando os pés em coisas naturebas mais palpáveis, eu e a Ju tomamos a direção sul, acompanhando a via principal rente à linha. Dali bastou perguntar pela “Estrada do Moinho”, q nada mais é a precária via q interliga o bairro a “Estrada dos Cristais” (SP-354), e dali buscar a vereda q sobe o Mursa. Em tempo, o Mursa tem vários acessos e logisticamente julguei melhor começar o rolê pelos lados de Campo Limpo Paulista (no caso, Botujuru) pq assim a pernada até o pé da serra seria bem menor q se tivesse começado pelos lados de Várzea Paulista.

Abandonamos a via em prol duma ramificação a direita até tomar a poeirenta via desejada, rumo oeste. Deixando Botujuru pra trás começamos então a serpentear o alto da morraria sgte, sempre subindo e descendo, mas felizmente sem mta declividade o q tornou este início de pernada agradável. O caminho é generoso em largas vistas dos arredores, compostos de muito pasto, chácaras e sítios. Isso dá ao lugar um charme interiorano, e não raramente cruzamos com tiozinhos montados a cavalo. Bacana foi, numa curva, ter o primeiro vislumbre do Mursa exibindo suas formas elegantes e abauladas, ainda bons 5 kms a oeste. O dia, por sua vez, estava limpo e ensolarado, mas fatalmente fritaria nossos miolos depois do meio-dia.

Pisamos no asfalto da “Estrada dos Cristais” as 10:30hrs, q é o nome não oficial da Rodovia Edgard Máximo Zamboto (SP-354). Dali fiquei na dúvida se subia ou descia, mas optei melhor pela segunda opção pq assim ficaríamos praticamente no pé do morro principal. Lembrando apenas q estava munido de alguma info, uma bússola e um impresso necessário dos mapas locais, no caso, o trecho inferior da carta de Jundiaí e o superior de Santana do Parnaíba. E lá fomos nós, descendo a via pelo acostamento cercados de muito verde, num misto de reflorestamento e mata ciliar. E sempre atentando pra qq entrada pela esquerda, morro acima.

Por volta das 10:50hrs alcançamos os limites de Campo Limpo Paulista com Franco da Rocha, como bem indica uma gde placa rente à rodovia. Ali tb vi uma estrada de chão subindo o morro, e foi ela mesmo q tomamos na esperança de dar no alto da serra. Mas não deu nem 5min q, ao passar na frente do portão dum sitio, surgiu um monte de estridentes cachorrinhos q vieram na nossa direção. Não demos bola e continuamos andando, só q um deles (filhote de pitbull) foi além dos latidos e conseguiu abocanhar traiçoeiramente o calcanhar da Ju. Felizmente foi uma mordida superficial, q apenas arranhou a pele, mas foi o suficiente pra baixar uma nuvem negra na gente e ir atrás de satisfações com o dono, q estacionava o carro naquele momento. Este desculpou-se de tds as formas possíveis, passou remédio na Ju e alegou q seus pulguentos estavam vacinados e q só avançaram pq ele havia aberto o portão pra estacionar. Ao menos com este incidente ele nos informou q estávamos no caminho errado pro morro.

Retrocedemos novamente pra rodovia, onde perguntei pra Ju se não queria voltar e esquecer o rolê, mas a retada parananense decidiu prosseguir mesmo assim, firme e forte. Ali nos informamos melhor com um local (q matou uma cobrinha bem do nosso lado!) do verdadeiro acesso ao morro: tínhamos q retroceder coisa de 500m antes da placa da divisa q a picada nascia ali, a beira da estrada, e tocava mato adentro. E foi o q fizemos: retrocedemos a “Estrada dos Cristais” a partir da placa atentando bem pra margem esquerda do asfalto, e de fato a vereda tava ali, meio q escondidinha pelo alto capinzal. É, não a tínhamos visto na ida pq estávamos do outro lado da estrada e ela, discreta e meio encoberta, fatalmente seria avistada dali mesmo.

Uma vez na trilha foi só alegria. Mergulhamos então na mata fechada inicialmente bordejando a montanha pra somente depois começar a ganhar altitude, imperceptivelmente. O corte vertical na encosta denuncia q a vereda outrora foi uma estrada, provavelmente de extração de madeira, tendo em vista o misto de mata ciliar, secundária e mtos eucaliptos em volta. Num piscar de olhos o som dos veículos ficou pra trás pra trilha sonora de nossa caminhada ser embalada apenas pelo silencio da mata, eventualmente quebrada pelo martelar dum pica-pau nalgum lugar. Atentando bem é possível reparar q a picada tb é utilizada pela galera de duas rodas, o q fica aparente pela presença de obstáculos (rampas) e trechos bem erodidos ao longo do trajeto.
Pois bem, após andar um tanto nesse ritmo sussa e desimpedido, foi somente ao contornar a borda da serra e tocar pra sudoeste q a declividade aumentou e a piramba exigiu fôlego redobrado. A Ju q o diga, q teve vários momentos pra retomada de ar. No entanto, conforme subíamos a farta mata foi rareando, dando lugar a apenas fileiras de eucaliptos aqui e ali, q permitia vislumbres de generosas vistas a nossa volta. Principalmente da torre q coroa um dos morros da Serra do Mursa. E assim terminamos desembocando na precária estrada (parcialmente concretada) de manutenção das antenas, q bastou acompanhar até dar no topo da serra.

As 12:30hrs finalmente alcançamos o quase 1020m do primeiro gde morro de td cadeia do Mursa. Uma antena da Embratel divide espaço outra repetidora de sinal de telefonia, alem duma casinha cercada, provavelmente do segurança da vez. Enqto a Ju desabava no gramado de escassa sombra naquele dia de sol escaldante, eu tentava identificar tds os picos e lugares q a fantástica panorâmica descortinava a nossa volta: no quadrante norte apresentava-se o restante da crista serrana, assim como a civilidade de Jundiaí, Várzea Paulista, Campo Limpo Paulista e, mais a nordeste, Botujuru; a leste temos a horizontalidade apenas quebrada por Atibaia e a Serra do Itapetinga; ao sul, Cajamar, Santana do Parnaíba, a Serra do Voturuna e cabreuva; e a oeste, o quadrante é basicamente preenchido por morros de reflorestamento ao sopé das escarpas  verdejantes da Serra do Japi.

Ficamos um tempão ali descansando, mastigando um lanche e apreciando o belo visu descortinado. O único porém é a ausência total de água nesta serra, o q faz necessariamente q se traga td o precioso líquido de modo a não passar sede. Ainda mais num dia quente e ensolarado como aquele. Outro porém aqui é a presença excessiva de abelhas e marimbondos, o q nos fez ter cuidado redobrado com sons altos q perturbassem os maleditos insetos. Mas não demorou e surgiu o segurança das torres, o Marcelo, com quem tivemos um animado dedo de prosa e várias infos interessantes da serra. Contou q sua rotina ali só é quebrada pela esporádica presença de caminhantes, bikers e motoqueiros. Fora isso tb já se deparou com esquilos, seriemas, jararacas e tatus nas proximidades de onde fica entocado, sinal da farta presença animal naquele pedaço de verde natureba de Várzea Paulista.
Dando continuidade a pernada pela serra tocamos por uma óbvia vereda q palmilha td extensão da crista, sentido oeste, bem batida e óbvia. Da torre ela desce suavemente até um colo serrano bem abrupto, pra depois a picada apertar de vez e tocar pro pto culminante do Mursa. Uma vez no topo, mais precisamente nos 1080m duma ampla e espaçosa clareira com sinais de acampamento, é possível avistar td panorama anteriormente vislumbrado, porem de outra perspectiva. Do alto da montanha reparei q existem ramificações da vereda principal q tocam pro sul e fica aqui a dica de futura exploração das mesmas.

Mas nossa rota segue pela crista serrana do Mursa, q agora desvia pro norte e começa a descer através dum longo e extenso selado, onde a trilha é lindamente ornada com flores lilases e alaranjadas. Uma vez no alto dos 1050m do cume sgte nos brindamos com nova e demorada pausa pra descanso. Na verdade o sol escaldante do início de tarde está impossível e minando rapidamente nossas forças. A Ju sente o desgaste mais do q eu, já calejado a esse tipo de terreno e clima. Nossos cantis são solicitados a td momento e num piscar de olhos nos vemos sem um pingo do precioso líquido.

Mas foi ali, descansando, q vimos chegando 3 rapazes com enormes “mochilões” com os quais trocamos idéia. Seus nomes eram Cleber, Marcelo e Odair e suas mochilas não eram cargueiras e sim possantes parapentes! Integrantes do grupo “Paragliders Jundiaí”, nos falaram q costumam voar sempre que lhes dá na telha, não só no Mursa como noutros points badalados por quem curte esse esporte outdoor. Foi ai q nos fizeram uma proposta tentadora: um dos amigos deles (e necessário pro voo) havia dado cano e precisavam de “alguém” pra servir de contrapeso pra não desperdiçarem a subida a montanha. Eu e a Ju nos entreolhamos e joguei a bola pra ela, até pq a Ju já demonstrava cansaço e se descesse voando abreviaria um bom chão. Eu a encontraria depois, claro, serra abaixo. E foi assim q a convenci e voar com os meninos, enqto eu descia a serra do modo “convencional”, ou seja, na sola. Melhor assim, não sou muito dado a esportes onde não sinto o chão nos pés e tds minhas experiências fora desse âmbito foram desastrosas.

Esperei a partida dela e, enquanto minha amiga ficou quase dez minutos planando pelas térmicas sobre td extensão da serra, eu empreendi a descida da mesma na chinelada. A vereda prossegue pela crista agora em direção leste até o cocoruto sgte, pra dali embicar e descer bem forte até o fim, pro sul. Por sobre os ombros tenho meu último vislumbre do Mursa e td sua graciosa crista sendo iluminada pelos raios de meados da tarde. Dali minha rota bordeja aos ziguezagues a íngreme encosta serrana, perdendo altitude num piscar de olhos. Erosões, degraus irregulares de terra e pedras compõem td o trajeto.
Dessa forma se desce ao vale sgte rapidamente onde, após cruzar um trecho de mata, desemboco numa estrada de terra q interliga Campo Limpo Paulista com Várzea Paulista. Na verdade aquele ai era o acesso tradicional ao Mursa. O oficial, pra dizer a verdade, tanto q tem até estacionamento e uma placa cunhando a serra como “área ambiental”.

Uma vez na estrada, ornada de ambos lados por reflorestamentos e uma olaria, bastou seguir por ela até reencontrar o pessoal na “pista de pouso”, na verdade um descampado cercado de eucaliptos e alto capinzal. Alto capinzal q ajudou na aterrisagem forçada a q a Ju foi submetida, pra susto dela. Dali os “meninos voadores” fizeram questão de nos dar carona até Várzea Paulista, nos poupando quase 5km de chão! Mas não sem antes termos uma breve, oportuna e merecida parada no “Quiosque do Seu João”, as margens da Estrada do Mursa, onde bebemoramos a empreitada na cia das novas amizades.

Após quase 4 litros de Skol e 5 pasteis nos despedimos dos rapazes, q nos deram carona gentilmente até a estação da CPTM local. Da mesma forma q Botujuru, Várzea Paulista nasceu da construção da ferrovia q ligava Santos a Jundiaí. Seu nome se deve a q a estrada passava por uma várzea campesina, um saliente acidente geográfico q margeava as águas cristalinas do rio Jundiaí. O Paulista no nome da cidade surgiu posteriormente como identificador de mais uma conquista dos bandeirantes. Hj a cidade não vive mais do tráfego do café pela ferrovia e sim das poucas industrias ali instaladas. São dados apenas gerais, pq não ficamos nem um pouco ali e zarpamos pra “Paulicéia Desvairada” tão rapidamente conforme chegamos.

Há um tempo soube q corria um projeto pra tornar a Serra do Mursa uma área de preservação ambiental, de modo a impedir o avanço dos constantes incêndios criminosos e dos loteamentos irregulares q não raramente bordejam a serra. Não sei como anda essa tramitação, mas uma coisa é certa: o Mursa (ou Morro do Elefante), como maior e mais importante área natureba verde de Várzea Paulista já provou sua vocação “outdoor” faz tempo, e é preciso realmente garantir q esta simpática e pouco conhecida elevação serrana mantenha seus belos atrativos disponíveis pra visitantes ansiosos por novas aventuras. Sejam elas por terra ou pelo ar.
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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