O Serrote dos Pilões

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Próximo a divisa de Sampa com Minas Gerais, vários pequenas serras fazem interligação do Vale do Paraíba com o topo da Mantiqueira. Uma destas pontes é uma serrinha, ou melhor, um serrote. Definição esta que nunca caiu melhor pra designar um local, geograficamente falando. Escarpado e literalmente “serrilhado” por rochas e pedras pontiagudas cercadas de mata agreste, o Serrote dos Pilões é um destes acessos as terras altas da Mantiqueira que não apenas oferece belos visuais dos vales e montanhas do entorno. Descortina também novas rotas de um ou mais dias. E olha que esta foi nossa primeira investida na região.

Após madrugar em Sampa e rasgar a Rod. Presidente Dutra  (BR-116) sob o manto negro da noite, chegamos em Aparecida no comecinho da alvorada, isto é, por volta das 6hrs. Lá, eu e o Nando nos dirigimos á casa do Barros, nosso eterno contato ao sopé da Mantiqueira, onde tomamos um delicioso desjejum regado a café fresco e pão recém saído do forno. Após muita conversa colocada em dia e últimas conferidas de carta, chegamos a conclusão que devia haver alguma acesso as terras altas pelo serrote paralelo ao vale dos Pilões. Só não sabíamos as condições que encontraríamos, mas para um bate-volta exploratório o que viesse seria lucro.

Embarcamos no surrado veiculo e cruzamos a cidade, autodenominada de “Capital da Fé”, e acompanhamos a sinalização até cair na Estrada Plínio Galvão César, popularmente conhecida como Estrada dos Pilões. A medida que serpenteávamos a morraria forrada de pasto sentido a serra, a enorme muralha da Mantiqueira elevava-se majestosamente bem a nossa frente, preenchendo todo o quadrante norte. O asfalto não tardou a dar lugar a uma via de chão batido e tomando as devidas bifurcações, chegamos no pacato bairro de Sant Ana dos Pilões marcado por uma simpática igrejinha além de "trocentos" adereços verde-amarelo celebrando a Copa do Mundo.

Ignorando o via pra Faz. Ventania, prosseguimos nossa rota vale adentro, sempre acompanhados pelo Rio Piagüi a nossa direita.Cruzamos o minúsculo pontilhão sobre um afluente do Piagüi, o Piagüizinho, e logo adiante deixamos a via principal (q toca pro norte rumo Vale dos Pilões) pra encostar o veiculo no acostamento gramado da precária estradinha que dá acesso a simpática Usina Sodré, no Vale do Piagüi, que lembra muito uma versão reduzida da Usina Sta Isabel. É, aqui era o ponto mais próximo que nos daria acesso a serra desejada, tecnicamente falando, a exatos 640m de altitude.

Eram exatas 8:30hrs e o sol brilhava forte no alto do firmamento, totalmente despido de qualquer nebulosidade, embora a previsão pra tarde fosse desfavorável. Ajeitamos as mochilas de ataque e fomos simplesmente galgando a suave encosta de pasto a nossa esquerda, ganhando altura num piscar de olhos. Imediatamente descortinou-se a pequena hidrelétrica Sodré, encaixotada no vale do Piagüi, assim como o Vale dos Pilões ao norte. Estávamos enfim no comecinho da crista que daria acesso ao alto do Serrote dos Pilões, a exatos 800m de altitude.

Dali em diante foi apenas acompanhar o alto da crista, subindo cocorutos de pasto sucessivamente e sem nenhum problema. Picadas de boi estão ali pra indicar o caminho a todo momento, assim como dando indícios da presença maciça de minúsculos carrapatos ao longo de todo trajeto, pra desespero do Nando. Mas como quem ta na chuva é pra se molhar, não restou opção senão prosseguir empreitada serra acima, agora sentido oeste. Como consolo geral aos "maleditos micuinzinhos", generosas paisagens revelam-se a nossa volta, como os fundos e sinuosos vales do Pilões (de onde vem o famoso caminho do Frei Galvão), do Piagüi e do Piagüizinho, alem da escarpada crista de serras paralelas, como o Serrote do Córrego, unindo o contraforte da Mantiqueira com Vale do Paraíba de forma duvidosa. Não bastasse, os maciços do Vista Alegre, Alto do Cerco, Focinho de Cão e Carrasco, todos espetando o céu altivamente, ganham nova perspectiva vistos daqui.

A pernada prossegue "sussa" e desimpedida até que se chega num trecho de mata arbustiva, onde basta acompanhar uma cerca, ora dum lado ora do outro. A jornada desemboca num selado que une outros ombros serranos na cota dos 900m, mas o que chama atenção mesmo é uma enorme falésia q, sob formato dum paredão vertical, faz a cabeça do Barros diante das possibilidades de escalada que a pedra oferece. Dali em diante a subida fica mais íngreme e a ausência de trilho de boi faz com que não nos reste opção senão rasgar mato morro acima, opção que não oferece grande dificuldade ao se manter sempre rente a cerca mencionada anteriormente.

Após o trecho de arbustos, contornar um enorme rochedo pela base e vencer um trecho com alto capinzal, onde os pés parecem afundar até o joelho, a pernada suaviza no cocoruto sgte, na cota dos 1080m. Ali, na sombra oportuna dum agradável bosque, as quase 11:15hrs, temos algo de 5min de descanso e de espera do Nando, que ficou pra trás. Abaixo da gente, ao sul, a Faz. Ventania, ao sopé do Serrote do Córrego, é o único indicio de civilidade próxima. Dali em diante basta acompanhar os marcos concretados serra acima. Mas logo o caminho, que era marcado ate pelo que parecia ser uma trilha na crista, some de vez e nos obriga a desviar da mata a nossa frente. Felizmente o sentido a seguir é obvio e a vegetação –  basicamente bambus, capim-gordura, mato seco e algum cipozinho –  não se apresenta tão agreste conforme previsto.

Mas pouco antes das 13hrs e na cota dos 1250m, emergimos no aberto num terreno bem diferente do palmilhado até então. Aberto, a larga crista de pasto e vegetação arbustiva dava lugar a uma estreita crista composta de blocos de rochas de todos os tamanhos, cercada de mata agreste. Até avançamos um tanto, rasgando muito cipó unha-de-gato e escalaminhando sucessivos rochedos seguidos, até dar num belíssimo mirante que cunhou de vez o fim daquela investida exploratória. No topo dum enorme rochedo e beirando um penhasco de quase 200m verticais, dali em diante a jornada pela crista até o alto demandaria corda e equipo apropriado. Era até possível desviar daquele abismo se embrenhando pelo sopé da pedra e rasgar bambus serra acima, mas nosso tempo, comida, água e logística de transporte eram limitados. E havia ainda o mais importante: o jogo da Seleção canarinho, imperdível, claro!

Bem, exploração é assim mesmo, feita de investidas sucessivas. Ali era o nosso limite praquele dia de mero bate-volta. E não estávamos nem na metade do Serrote dos Pilões, pois claramente víamos que tinha muito chão até a borda da Mantiqueira, distante ainda algo de 5kms e 600m de desnível, mais ou menos. Mas não tinha problema, pois onde estávamos havia uma vista privilegiada de toda região e merece a descrição devida de alguns pormenores significativos: os fundos vales do Piagüi e Piagüizinho de ambos lados, caindo vertiginosamente coisa de 300m abaixo; uma enorme cachoeira despencando no alto da borda da Mantiqueira, que corresponde as nascentes do Piagüizinho; e a proximidade com a “Falésia da Guitarra”, um enorme paredão próximo da borda serrana que cujo formato se assemelha ao instrumento musical, conforme o ângulo de onde se avista; e claro, a borda escarpada e serrilhada restante do Serrote do Pilões, que justifica merecidamente o nome que leva.

Ali então fizemos nosso pit-stop de descanso e parada de lanche, apenas pra constatar que naquele belíssimo e inspirador mirante a bicharada silvestre também vai com outra finalidade. Sujeirinha de carnívoros indica que o lugar inspira a vida selvagem a defecar de forma solene e gratificante, algo nada mais que justo. Retornamos pelo mesmo caminho uma hora após o merecido relax, já matutando próximas investidas melhor programadas. No caminho vale destacar a fuga perante um boi que nos estranhou e a belíssima paisagem em volta, que ganhou novas cores com a iluminação do entardecer. A volta, pra variar, foi bem mais rápida que a ida e as 15:30hrs já estávamos no veiculo. Um banho gelado no Rio Piagüi não só removeu a sujeira e os carrapatos como lavou de vez a nossa alma, que deveria estar relativamente decente pra hora do jogo.

Embarcamos na "caranga" já com o tempo comprometido por um negrume sinistro, envernizando de vez nossa decisão de retornar na hora certa. Dali em diante a missão foi encontrar um boteco pra assistir o jogo da seleção. Após uma breve "bera" em Santana dos Pilões, onde a televisão do bar tava medonha de tanta interferência, nos "pirulitamos" pra Tapituba de Cima, onde nem aparelho tinha e sim um rádio esbravejando sermões evangélicos. Mas finalmente nossa ansiosa busca findou em Pedrinhas, ao sopé do Gomeral, onde nos deleitamos no boteco da Don´ Ana ao ver o segundo tempo da partida “verdemarelo”. Olhando uma ultima vez pra Mantiqueira, o Pedrão do Gomeral surgia bem encoberto e uma rápida chuva despencou na região. É, não era mesmo praquele dia. Mas novas ideias e rotas surgiram a partir dali, sem dúvidas.

E essa foi nossa primeira e despretensiosa incursão na Serra da Mantiqueira deste ano. Como já foi dito, o Serrote dos Pilões é possível de ser vencido e isto foi corroborado por mateiros que encontramos na região. Mas é um "rolê" que requer tempo, disposição e boa logística de resgate. Se num, dois ou três dias é coisa que fica a seu critério. Outra sugestão é aceder as terras altas pelo serrote paralelo, o do Córrego, que deve demandar planejamento similar. Ou até ganhar o alto da cachoeira avistada nesta incursão, como descer (ou subir) os vales do Piagüi e Piagüizinho na raça. Pois é, para uma primeira investida exploratória na região até que muitas portas se abriram de agora em diante. Repisar os passos e ir além fica então por sua conta. Esse “upgrade exploratório” é a base da legitima e autêntica aventura.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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