Ferradura na telinha

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Não deu nem dois meses q pisara na “Ferradura da Fumaça” (Paranapiacaba), q nestes dias me vi andarilhando por lá outra vez. Não q desgoste, pelo contrário. Essa pernada é uma das raras exceções em q repito rolês, algo q no geral evito. Circuito em formato de “U” q dispensa maiores apresentações, é um passeio adrenado q particularmente gosto pela perfeita mescla da trinca desafio/banho/visu q proporciona. Dessa forma, é pedida ideal qdo preciso levar amigos de fora ou até gringos pra conhecer nossa “jungle rainforest”, isto é, nossa belíssima Serra do Mar. Já fui lá na condição de agregado, de parceiro de expedições e até de mero visitante. Mas esta foi a primeira vez q fui com a responsabilidade de guia. Sim, guia duma equipe de reportagem de tv por assinatura.

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A princípio achei q era piada, mas foi apenas após a quarta msg q vi q a coisa era de fato pra valer. O Edu, amigo montanheiro/administrador, me comunicava q uma produtora (amiga da esposa) buscava alguém pra guiá-los pro mato afim de realizar uma nova série de programas sobre trekking/ecoturismo. Após titubear um pouco acabei topando, já q tinha flexibilidade neste final de ano preguiçoso. O segundo passo foi me decidir pelo roteiro, algo q fosse diferenciado e bastante cênico. Não pensei duas vezes: “Ferradura da Fumaça”. Contudo, o receio deles não aguentarem o tranco me calçou dum “Plano B” sussa mogiano. “Não, eles aguentam!”, garantia ele. Ok. Foi aí q impus minhas 6 condições, afinal a responsa era gde: primeiro, eu falo/tds obedecem; segundo, só rolaria com tempo bom; terceiro, imprescindível calçado aderente a rocha úmida; quarto, sair bem cedo p/ otimizar o tempo de luz natural e compensar inevitáveis atrasos; quinto, levar apenas o estritamente necessário; e o sexto item, a meu ver o mais importante…umas brejas geladas deveriam nos aguardar no resgate. Fechado. Fiz o sinal da cruz e vamulá.

Após acompanhar a previsão durante 3 semanas finalmente chegara o dia. Eu e o portuga Diogo (amigo do “Nahu Hostel” q convoquei pra dar “apoio”) esperávamos a van da produção em frente do Metrô Butantã, qdo de repente alguém veio ter conosco. “Ei, vcs tb tão indo pra Paranapiacaba?”, nos falou uma japonesinha miúda, igualmente mochilada. Respondemos positivamente apenas pra depois q era a Susan Tajima, praticante de corrida de aventura e personal trainner, q tb fazia parte da pauta do programa. O Edu veio na sequência se juntar ao trio, já cobrando presença do resto da “equipe”.

Nosso transporte nos pegou somente por volta das 6:30hr, de onde tomou direção sentido a Bandeirantes e, na sequência, Anchieta e Índio Tibiriçá, num piscar de olhos. No interior do veículo conhecemos o resto da trupe, ou seja, a equipe da Massa Real Filmes: Alex, motorista; Pedro, diretor de td bagaça; Gabriel, operador de vídeo; Caio, operador de som; Renata Simões, apresentadora; e a Rafinha, sua simpática e assistente. A animada conversa de início, onde passei mais algumas instruções secundárias,  não demorou a se tornar um puxado ronco da gde maioria, tendo em vista q td mundo levantara cedo naquela manhã. Eu nem piscava por conta da ansiedade; qdo não ajudava o Alex na direção do caminho a tomar, ficava tentando contar as tatuagens da Rafaela, sem sucesso.

Já deixando previamente avisado o Alex de onde deveria nos resgatar na volta, a van nos largou as margens do km 45 da SP-122, estrada q interliga Rio Grande da Serra e Paranapiacaba, as 8:15hr. Diferentemente do tempo bom de Sampa um espesso e opaco brumado repousava sobre td paisagem a nossa volta, onde não se enxergava pouco além dos 10m. Eu q pensava q dali já começaríamos a pernada, só reparei ali q o rolê seria beeem demorado, pois começamos a caminhar propriamente dito meia hora depois. Checar td equipamento e “microfonar” a galera levou, o q me pareceu, uma eternidade. “Um, dois, três.. testando!”, falei pro Caio, q confirmou q o meu “bichinho” estava funcionando uma beleza. Só custei a me habituar com o outro trambolho dependurado na cintura.

Encabecei a fila e mergulhamos finalmente na vereda, onde logo após a “Torre dos Tênis” é q o pessoal realmente percebeu o porquê deste início de jornada é chamado de “Trilha do Lamaçal”, com total propriedade. O som de botas chapinhando na água ou chafurdando na lama tornou-se corriqueiro da primeira meia hora de pernada, onde a esperança de manter pés secos diluiu-se nos primeiros metros andarilhados. Som este q logo deu lugar ao do zunido eletrostático das torres de alta tensão pairando sobre a gente (e q gerou interferência no áudio do Caio), enqto enxugávamos a mata a nossa volta neste trecho reto, q basicamente se resume a uma planície repleta de arbustos de baixo porte, embora alguns insistissem em se debruçar sobre a larga picada. Eventualmente me distanciava inconscientemente do grupo pra depois me juntar outra vez após ouvir constantes “Jorge, espera ai…”

Qdo mergulhamos de vez na mata fechada, o Gabriel pediu um tempo pra trocar a lente da câmera pra uma mais apropriada a luminosidade local. Logo adiante, pediu mais um tempo pra uma tomada em perspectiva da descida sussa do “cânion-vala” a meio caminho e é o primeiro trecho q demanda uso das mãos. “Isso vai longe..”, pensei comigo mesmo.  Contudo, apesar da aparente lentidão, o compasso geral da pernada tava de acordo com minhas estimativas, ainda bem. Tanto q interceptamos as margens do Rio das Areias por volta das 9:50hrs, cada vez com o nevoeiro mais e mais disperso, pra alegria dos q aguardavam melhores visus. Aliás, parada rápida no rio pra mais tomadas “naturais” e “espontâneas” da galera cruzando o mesmo.

Dali a caminhada progrediu num compasso maior, até pq dali bastava apenas acompanhar o rio pela margem esquerda, ora próximo ora afastado. “Essa aí q é a Cachu da Fumaça?”, alguém brincou comigo, se referindo a pequena quedinha existente na primeira gde e bela prainha fluvial do trajeto. O pessoal ia no seu ritmo, mas não tava empacando conforme temia, felizmente. Pra animar ainda mais olhava pro céu e conseguia avistar janelas azuladas, sinal q as brumas de fato se dissipavam conforme aumentava a temperatura e q teríamos belos visuais ao chegar na famosa cachu Fumaça. Melhor ainda, por ser dia de semana a ausência de visitantes faria com q fôssemos donos absolutos dela.

E assim, após passar pela primeira queda (q já deixou boa parte encantada!), andarilhar cuidadosamente pelas pedras do rio pra então bordejar o mesmo no aberto (agora com sol forte martelando a cachola) e passar pelo primeiro mirante (q já nos dava um preview animador do q viria na sequência), eis q as 11hrs chegamos no topo da Cachu da Fumaça. Desnecessário dizer q o local deixou td mundo boquiaberto, claro! Pausa pro descanso, tchibum e tomada de chegada triunfal da galera na queda, com direito a repeteco, claro! Alguém me sussurra  q a apresentadora conosco é a Renata Simões, do Multishow, GNT ou Video Show, sei lá. Mas pra mim, leigo total em tv (seja ela aberta ou paga), a Rê era apenas mais uma visitante deslumbrada com a paisagem q se descortiva a sua frente, q desejava curtir o rolê tanto qto o resto.

O Caio escondia bem, mas tava visivelmente cansado só de chegar até ali. A Rafa não se conteve e mandou ver um tchibum no pocinho no topo da cachu, seguida do Pedro e Edu. O Gabriel e o resto das meninas apenas devorava a paisagem com o olhar (e mtos selfies do celux), enqto eu e o Diogo apenas descansávamos, beliscávamos algo e observávamos tds essa galera agindo feito criança. Antes de partir, claro, veio uma tomada (na qual o Gabriel esperou a nuvem passar pra ter iluminação ideal) com direito a Renata entrevistando o Edu (na condição de trilheiro), a Susan (na condição de praticante de esporte outdoor) e este q vos aqui escreve, na condição de guia e trilheiro, por assim dizer, “alternativo”. As palavras fluíam como q decoradas previamente, mas meu pensamento estiva mesmo focado numa coisa só: a descida da cachoeira.

A descida ao fundo do vale através da íngreme encosta esquerda da cachoeira transcorreu de forma devagar-e-quase-parando. E não podia ser por menos, pois a diferença da última vez q ali estivera o chão de terra tava liso feito sabão devido a umidade, demandando atenção redobrada assim como td ajuda de mãos, braços, pernas e não raramente, do “quinto apoio”. Isso fez com q o Caio e Gabriel recolhessem seu material de trabalho em mãos e o pusessem no interior de suas mochilas: o primeiro seus fones e pesada “pochete” com td captação de áudio; o segundo, sua valiosa e possante câmera de vídeo.

Mas devagar-e-sempre alcançamos o sopé das primeiras quedas, onde a declividade amansou aparentemente e onde foi feita mais uma tomada. “Ei, olha o q achei!”, grita a Rafinha pra mim mostrando um projétil na mão. Mandei ela guardar como lembrança tentando desconversar sobre o “passado negro” daquela região de Paranapiacaba, de modo a não assustar a galera. Ao invés disso, expliquei o motivo daquela descida de vale tb ser chamada de “trilha das Sete Quedas”, embora eles estivessem cientes q a cada nível vencido uma nova queda d’água se revelava a frente deles, sempre mais bonita q a outra.

Após descer uma íngreme e escorregadia encosta desembocamos na terceira gde queda do caminho, onde havia prometido a eles q ali haveria um pit-stop mais demorado. Olhei para o relógio, q marcava exatos 12:45hrs, e cheguei à conclusão q apesar dos percalços estávamos progredindo bem, e  podíamos nos dar o luxo de relax e curtição maior no poção daquela cachu. Com calor e sol a pino ninguém se fez de rogado e tds tiveram sua cota de tchibum refrescante. Uma deliciosa gororoba preparada pelo Edu composta de atum, maionese, cebola, cheiro verde, cenoura e crispy de cebola transbordou das fatias de pão integral, q sumiram goela abaixo num piscar de olhos.

Mas td q é bom dura pouco pq após quase hora de relax obrigo a galera já a começar a levantar o traseiro pois ainda tinha chão ate o fundo do vale. Pedro conversa rapidamente com a Renata pra serem efetuadas mais tomadas gerais, de modo a ter bastante material pra edição posterior. Após as mesmas retomamos nossa desescalaminhada do escorregadio barranco, agora com o suporte duma precária corda num terreno tão íngreme qto exposto. “Tem certeza q esta corda ta em boas condições?”, alguém perguntou pra mim. “Espero q sim..”, respondi. Momentos de tensão onde houve q passar individualmente e tivemos q passar as pesadas mochilas antes. De modo a facilitar a desescalada sem ser desequilibrado pra trás ou pra frente.

Após o trecho de corda (e quarta queda) segue-se novo trecho de desescalada, agora unicamente através de pedras lisas feito sabão. Aqui eu vou na frente ao mesmo tempo em q indico os melhores apoios pra se firmar ou agarras pra segurar aos demais, mas por incrível q pareça o pessoal tira de letra, embora a sua maneira. Mas é somente após ver a galera  vencer o “tobogã de pedra” q respiro mais aliviado, uma vez q o “pior” já passara. Assim, a quinta, sexta e sétima queda passam voando e as 14:50hr brindo o pessoal com mais uma parada de descanso demorado, desta vez no fundo do vale, quase ao lado do “Portal”, ou seja, a confluência dos rios das Areias, Vermelho e da Solvay.

Alguém me pergunta “falta muito?” e finjo q não escuto. Apenas respondo q agora a subida do vale é bem mais fácil e rápida q td já percorrido. Fico preocupado apenas com Caio, pois além de visivelmente descondicionado e portar calçado impróprio, é um dos q carrega mais equipamento (q depois é dividido com Gabriel e Pedro). Pergunto se deseja ajuda e, apesar do seu semblante não negar exaustão, o cabra não reclamou nenhuma vez e seguiu firme até o fim. Profissional é isso mesmo! Ah, se td mundo fosse assim…

Dali pra frente não havia mais erro, pois a subida transcorreu sem gdes intercedências, embora a bermuda do Diogo estivesse já em frangalhos. Diferentemente da descida, agora subíamos o vale mediante uma “escadaria” interminável de pedras sem gde declividade. A chuva até ameaçou despencar mas felizmente td se limitou a alguns respingos isolados provenientes dum céu agora coberto por uma opacidade clara. Breves paradas foram efetuadas durante a ascensão, mas ainda assim td transcorreu num compasso rápido e ágil. Numa última curva, damos um adeus a bela paisagem q amealha td trajeto efetuado assim como as tais “Sete Quedas” percorridas na descida da cachu Fumaça. Rápida pausa pruma tomada geral e do famoso “Vale da Morte”, claro.

Um pouco antes de passar pela Cachu Escondida, já nos remansos quase horizontais do Rio da Solvay situados no alto da serra, temos nossa última e breve parada. Tanto pra descanso como pra gravação dos últimos depoimentos pro programa. Enqto damos nosso parecer sobre a atividade de trekking, uso de GPS, cuidados necessários e td mais, a Susan não desvia o olhar dum inseto pra lá de estranho. “É mais um mutante da região conhecida como “Vale da Morte”, brinco com ela. Foi nessa paradinha já quase nos finalmentes q revelo pro pessoal o fato de ter sido assaltado perto dali, década atrás. “Ahh, é? E só agora vc fala isso pra gente??”, a Renata indaga pra mim, num semblante q não soube reconhecer se era de seriedade, reprovação ou brincadeira.

Os finalmentes do rolê se dão com aquele último trecho de subida até o Lago Cristal, onde ignoramos até a Cachu do Vale e havia apenas dois jovens. Depois não tarda a costurar ambas as margens do córrego da Solvay, já andarilhando na horizontal em definitivo. Foi ai q as brumas espessas se debruçaram novamente sobre o vale, tornando a paisagem a sua volta um repeteco do início de pernada daquele dia. Abandonamos o rio pra então cair na larga vereda de manutenção das torres, cruzamos as manilhas sobre o Rio Vermelho e, lentamente, prosseguimos nossa caminhada até o pto de encontro, torcendo pra encontrar o Alex lá. Enqto isso o povo já me aloprava por conta das minhas estimativas de final de trilha, uma vez q a tal “meia hora” dita horas atrás não terminava nunca. “Se ouvir ´falta muito´?” mais uma vez juro q vou mandar praquele lugar”, prometi a mim mesmo.

Pois bem, o Caio já se arrastava de tão esgotado q tava, mas seus olhinhos brilharam assim q viram a van da equipe surgir trilha adentro. Pior q só depois soube q o bravo operador de som era diabético. Ufaaa! O Alex surgia na estrada de manutenção das torres salvando a pátria na hora certa, sem dúvida. Isto pq foi bem na hora em q começou a chover forte, coisa de 18hrs. Tds trocaram suas vestes sujas e úmidas por outras mais secas e aconchegantes. Mas eis q ao adentrar na van foi a vez dos meus olhinhos brilharem de alegria ao avistar minha “sexta exigência” dando mole: um cooler repleto de latinhas estupidamente geladas! Diliçaaaa!! Isso pq o sábio Alex soube pensar em todos e levar um destilado de cambuci pros apreciadores da cachaça local.

Dali não pensamos duas vezes e nos pirulitamos pra Rio Grande da Serra, onde jantamos numa “padaria-costelaria” até nos fartar  – além de assinar o termo de uso de nossa linda imagem – apenas pra ver o céu desabar lá fora. Dali só chegamos em Sampa pouco antes das 23hrs.

Resumindo, levar td aquele povo pro mato foi uma experiência tão minimamente curiosa qto divertida. O sentimento foi reciproco, tanto q ficamos de agitar futuros rolês. Da minha parte friso q a galera deu bem menos trabalho que as companhias a q estou normalmente habituado, q vez ou outra se revela impertinente, maçante e nada pró-ativa. E isto se deve a q a trupe mostrou não apenas estar disposta a abraçar o perrengue como pauta; foi antes de tudo profissional. O Caio q o diga. Ah, sim. E o programa? Bem, por conta o apertado cronograma e demorado processo de edição final, o dito cujo só deve ir ao ar em fevereiro ou, estourando, em março. Pelo q me foi adiantado aguarda até definição de nome, ainda sob aval jurídico. O canal é o Glitz (54), da NET. Inté lá.
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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