O morro da Pedra Rachada de Mairiporã

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“Vai lá sim! Se a gente vai lá vocês a pé também podem ir!”, afirmou um conhecido meu igualmente “trilheiro”, porém não adepto do uso das próprias pernas e sim da tração das quatro rodas de sua possante Land Rover. O local em questão era o Morro da Pedra Rachada, situado em Mairiporã (SP), que segundo ele consistia numa colina elevada coroada pelo monólito que lhe empresta o nome. “Vai lá que a vista de cima é bem legal!”, emendou. Assim, movido mais pela curiosidade que pela falta de opção num domingo acinzentado deste início de outono, decidi então conhecer o lugar. O resultado foi uma pernadinha urbana bem sussa, agradável e cênica de menos de meio período que pode ser emendada com outras trilhas próximas, como a do Pinheirinho e das Torres. Isso numa região que é vizinha da Serra da Cantareira e onde bugios estão bem do ladinho do andarilho.

Saltei por volta de 10:30hr na estação de Franco da Rocha, após viagem mais que tranquila pela Linha Rubi da CPTM. Dali bastou ir de encontro a um dos vários pontos de ônibus prostrados bem na frente da estação, no caso, o que estava bem na frente do Supermercado Russi, local de onde partem os intermunicipais pra Mairiporã. Explico: apesar da Pedra Rachada se situar em Mairiporã, seu melhor (e mais barato acesso) é por Franco da Rocha se for pra chegar nela mediante transporte público.
 
O busão zarpou pouco antes das 11hrs mas é preciso atentar ao local de desembarque pois a viagem não dura nem 10min. Após o latão tomar indefinidamente a “Estrada do Governo”, nome local da Rod. Prefeito Luiz S. Chamma (SP-023), passar pela frente da portaria principal do PE Juquery, pela divisa de Franco da Rocha/Mairiporã e pela Vila Machado, peço pro motorista me deixar no ponto em frente a Vila Paula. O restaurante “Porta de Botequim” marca o local onde é preciso saltar, mas o que chama mesmo a atenção é tanto a bela vista do espelho dágua da Represa Paulo de Paiva Castro como uma faixa de “selfi-service” no estabelecimento. Dali basta tomar a rua q adentra no vilarejo, sentido sul, virar na rua Benedita Alvarenga e retomar o sul pela rua Apostolo Paulo e por ela seguir indefinidamente. Adiante, atente pruma igreja verde dum lado e um terreiro (“Reino de Exu 7 Facadas e Pombagira Cigana”) do outro.
 
Não tarda pra rua mudar de asfalto pra terra, pras residências ficarem pra trás e o mato tomar conta de ambas margens desta agora estrada municipal, conhecida por aqui como “Caminho do Sol”. Agora basta sempre tocar na direção sudeste e sem mta variação de desnível pela supracitada poeirenta via, passar por uma ou outra chácara e chegar no pacato bairro de São Vicente, tomado por um punhado de residências e botecos, e de onde já se pode avistar o morro almejado, não mto longe.
Novamente pela estrada deserta, atento a minha esquerda pruma torre, espécie de subestação elétrica, onde abandono a estrada e me pirulito pruma trilha q sobe a encosta esquerda. No alto dela meus horizontes se ampliam e tenho vista completa do morro que pretendo alcançar, espichando sua abaulada corcova no sentido leste-oeste. Dali de cima também avisto a chamada “Trilha das Torres”, em ao lado, q nada mais são reminiscências do q já foi uma estrada, hoje terrivelmente erodida e tomada parcialmente por terra e mato. Curta, esta vereda não nos toma nem 2min e apenas dá a volta ao redor das torres de alta tensão q coroam a colina em q me encontro, mas ao menos nos dá uma ideia pra desenhar nosso caminho mais a frente.
 
Desço por outra trilha visível q me deixa ao sopé do Morro da Pedra Rachada sob protestos dum gavião nalgum canto, onde retomo a subida propriamente dita, sempre suave e sem gdes pirambas ou desnível maior. Contudo, o q a ascensão não tem de declividade tem de obstáculos consideráveis, sejam eles enormes valas, lama, buracos, terra escorregadia e pedregulhos soltos, q demandam atenção redobrada. Particularmente não sei como um veiculo, mesmo tracionado, consegue subir por aqui. Vai saber.. E assim ganho lentamente altura, ao mesmo tempo q o horizonte vai descortinando lentamente tds os quadrantes ao meu redor.
 
Pois bem, sem dificuldade maior ou até tempo em demasia, por volta das 12:30hr chego no alto dos modestos 950m da Pedra Rachada. Uma subida, diga-se de passagem, relativamente sussa de 2kms e menos de 200m de desnível como a do Morro do Nhanguçu (Guarulhos), Mateus (Cajamar) ou Sabóo (São Roque). O alto realmente é coroado pela pedra que nomina o morro, de onde brota curiosamente uma palmeira através da fenda rochosa. A vista é generosa e, além de mostrar td trajeto feito desde a rodovia e o espelho dágua da represa, descortina ao norte o recorte silhuetado de td serra que abraça o Pico Olho Dágua, em Mairiporã, além de pequenos fragmentos de Franco da Rocha; ao sul a vista é mais interessante pela ausência de vestígios de urbanização e predominância do verde das escarpas da Serra da Cantareira, maculada apenas pela presença duma enorme pedreira a oeste.
 
Do alto sigo pela abaulada crista do morro, passo por uma segunda “pedra rachada” onde atrapalho a meditação dum urubu q se lança aos ares, e começo a descida propriamente dita pelo contraforte leste do morro. Inicialmente suave, o caminho subitamente se torna tão íngreme como ardiloso, com pedras e terra soltas q demandam tanto atenção qto equilíbrio a cada passo. Sim, as marcas de pneu estão ali, mas não de carros e sim de bikes e motos, até pq tem um trecho estreito duma vala (um quase cânion) q duvido algum veículo consiga passar. O morro é todo descampado, a exceção da face sul q é recoberta com vegetação mais espessa, mas felizmente o dia apresenta-se nublado claro e permite belo visu do entorno.
 
Novamente no sopé do morro piso novamente na “Estrada do Sol” q após um portal de madeira muda de nome e passa a se chamar “Estrada Cerro Verde”. Bordejando o morro meu caminho muda bruscamente pro sul e começa a descer suavemente, novamente calçado, como indo de encontro ao fundo do vale. A justificativa do calçamento é a presença dum “Condomínio Parque Cerro Verde” a meio caminho. Fora isso, a vegetação em volta da estrada é alta, frondosa e exuberante.
 
No fundo do vale e antes de passar sob um portal (q marca início/final do supracitado condomínio) adentro na precária via q nasce pela direita e bordeja outro morrote. Um belo laguinho a direita marca este cruzamento, e não tarda pruma íngreme subida marcar este início da “Trilha do Pinheirinho”, na verdade uma antiga vereda de 5km q virou rota off-road por combinar erosões com obstáculos naturais. Na subida cruzo o bosque de pinheiros q nomina a vereda e no alto chego numa bifurcação. Ignoro a via q vai pra oeste (e volta pro bairro São Vicente) e me mantenho sempre rumo sul, isto é, na via mais detonada e erodida.
 
Minha rota então se embrenha de forma sinuosa em meio ao pinheiral, de onde desvio de enormes buracos, poças e muita, mas muita lama. Uma enorme descida quase vertical coloca em cheque se sairei dali sem algum tombo ou limpo de terra, mas com cuidado e me firmando bem no arvoredo não derrapo no chão, predominantemente movediço. A caminhada é lenta por causa disso, o chão esta totalmente liso feito sabão e qq vacilo é tombo (e muita sujeira no traseiro) na certa. Não sei como sai limpo disso td ao final.
 
Pois bem, deixando a lama e os pinheiros pra trás, sempre tocando pro sul, reparo que adentro mais na floresta de encosta dos morros sgtes, que agora se mostra mata secundária ou ciliar. Surgem mais e mais bifurcações não tão óbvias, mas me mantenho sempre na via q vá pro sul ou q pareça ser a principal, e o q me salvou aqui foi a navegação combinada da carta e bússola. Após pouca perda de desnível minha rota começou a desviar pro leste, agora bordejando um enorme morro e tendo um fundo vale a minha esquerda, q pela carta era o vale do Córrego São Pedro. Foi aqui q comecei a ouvir monstruosos rugidos vindos da mata, bem altos, cada vez mais próximos. E conforme avançava na trilha eis q me deparo com os autores dessa algazarra, um trio de bugios numa árvore bem do lado da trilha. Passei bem devagarzinho mas os bichos não se intimidaram com minha presença e continuaram sua forte algazarra sonora, q decerto mete medo facilmente em quem não esteja acostumado a ela. Pausa pra fotos e vídeo, claro, afinal nunca tinha visto esses bichos tão próximos como naquele momento.
 
Prossegui a pernada pelo mesmo caminho, agora cada vez mais nítido e batido, bordejando a encosta da serra e sempre tocando pra leste. Passei pelo fundo do vale do Córrego São Pedro, cujas corredeiras eram audíveis faz tempo e sua água pode abastecer os cantis vazios. Mas dali começa uma subidinha suave q, após passar as ruinas duma casa, abandona o vale lentamente pra finalmente cair nos fundos (ou melhor, ao lado) do “Bar do Pedrão”, já nas margens da “Estrada da Roseira, bairro rural de Juqueri-Mirim. E assim, as 14hr me delicio com uma breja gelada no boteco, marcado por uma enorme rocha do qual empresta o nome. Fiquei ali coisa de 15 minutos, pra depois tomar qq condução pra Mairiporã, onde cheguei por volta das 15hrs. E dali pra SP foi num piscar de olhos, sem gdes problemas, a tempo suficiente de não enfrentar o transito do pessoal do interior retornando a Metrópole.
 
Resumindo, embora o domingo possa não ter sido selvagemente perrengoso como de costume, ao menos serviu como distração natureba, pra colocar as botas pra trabalhar em terreno nebuloso, e pra decididamente não mofar a toa em casa. Particularmente achei a “Trilha das Torres” dispensável por ser curta demais; e o “Morro da Pedra Rachada” é uma opção legal, rápida e cênica. Enfim, ideal pra levar toda a família, sem gde desgaste ou perrengue, já q dá pra estacionar o veículo em sua base. Já a “Trilha do Pinheirinho” creio ter curtido mais pois, além do contato com a natureza da Cantareira e dos obstáculos naturais, serviu tb como ótimo exercício de navegação com a devida segurança. O que é algo raro de se conseguir na Serra do Mar, por exemplo. Em tempo, ambos rolês podem ser mais facilmente acessados pela “Estrada da Roseira”, via Mairiporã. E, quem sabe, os bugios não estão lá pra servir de atrativo a mais num passeio descompromissado de domingo qualquer.
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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