A cachu do Belval

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Situado as margens da Rod. Castelo Branco, o Jardim Belval é um pacato bairro de Barueri (SP) cuja origem remonta a um loteamento que se desenvolveu com a chegada da EF Sorocabana. Contração carinhosa de “Belo Vale”, o bairro ainda surpreende fazendo jus ao nome, embora sua urbanização tenha sepultado boa parte de suas belezas naturais. Eis mais uma brincadeirinha matinal, breve e sussa que, bem no meio da cidade, revela uma bela queda cercada de muito verde. Aliás, local que por pouco não se tornou área de proteção ambiental e cujo nome teria sido “Parque Natural Municipal Cachoeira do Belval”.

Sem maior necessidade de levantar cedo, tomei a linha diamante da CPTM sentido Barueri, local que sempre serviu de baldeação pros velhos rolês pra Pirapora e Santana do Parnaiba. Antigo aldeamento que remonta ás missões jesuítas, Barueri quer dizer “flor vermelha que encanta” devido as inúmeras flores dessa cor que margeavam o Rio Barueri-Mirim. Embora datado de longa época, Barueri só deslanchou mesmo sua urbanização recentemente, com a chegada da EF Sorocabana, que posteriormente implantou um enorme polo industrial na região.
Mas deixando a história de lado e voltando ao rolê, meu destino no caso é o Jd Belval e pra isso salto na estação homônima, uma logo após a de Barueri e antes do Jd Silveira. “Dia limpo e ensolarado, com promessa de muito calor” alardeou a meteorologia logo cedo. Não são nem 10hr da matina e me pirulito pela Rua Eng. Oscar Kesselring, que toca inipterruptamente  sentido noroeste. No caminho cruzo não so por boa parte do pacato centro comercial do bairro, mas também pelo Córrego Itaquiti, que segue sinuoso sentido leste pra depois desaguar no São João de Barueri, que corta a cidade maior.
No final da rua terminei caindo na Rod. Presidente Castelo Branco (SP-280), que por sinal devo cruzar uma vez que o meu destino se encontra no miolo do belo serrote florestado que margeia a estrada, do outro lado do asfalto. Como cruzar a rodovia ali – com veiculos transitando em altíssima velocidade  – além de ser imprudente seria perigoso, tive que andar 1km estrada acima sentido Jandira. Ali, em frente a um posto Graal, passei em segurança ao outro lado através duma bem-vinda passarela pra então retroceder a rodovia até a altura desejada, mais precisamente o Km 29.
Ali, em frente ao emplacamento demarcando quilometragem ao lado dum telefone de serviço, basta procurar uma picada no pé da colina, que logo é encontrada. Uma vez nela não tem mais segredo pois basta se manter nela pra subir diagonalmente a encosta de pasto ralo. Conforme ganho altitude de forma suave e desimpedida, a brisa refresca o rosto ao mesmo tempo que a paisagem se abre ao sul, descortinando tanto as residências do Jd Belval e Jd Maria Cristina como os enormes galpões industriais da Votorantim, ao fundo. Com esforço é possível avistar até as arquibancadas da Arena Barueri.
Mas não demora pra entrar no frescor da mata fechada, agora em nível, onde imediatamente me vejo cercado por voçorocas de bambuzinhos logo na entrada. O som de muita água correndo não tarda a inundar o ouvido, aumentando de intensidade conforme se avança. As supracitadas taquarinhas agora dão lugar a mata secundária espessa e até exuberante, mas isso agora não importa pois num piscar de olhos desemboco numa pequena clareira as margens duma simpática cascata, a Cachu Belval. O lugar basicamente é um achado pois a água despenca bem no vértice dum íngreme vale cercado de verde, duma altura inferior a 8m através de lajotas de pedra que reluzem ao sol matinal. Infelizmente no pé da queda não há poço fundo pra tchibum e sim apenas uma banheirinha bem rasa cercada de areia e pequenas pedras. Uma rustica placa avisa pra manter limpo o lugar, mas ainda assim encontro uma ou outra embalagem de lanche no chão.
Após um belo banho de cachu (onde por incrível que pareça não havia ninguém!), como ainda era cedo pra descansar dei continuidade a pernada rio acima. Da queda partem duas picadas: uma subindo a queda pelo paredão esquerda tocando pro norte; e outra que bordeja a encosta em nível, indo pra oeste. Tomo a primeira e mando ver, escalaminhando degraus irregulares de terra e me segurando no espesso bambuzal em volta. Uma vez no alto da queda se tem noção da altura da mesma, mas percebendo as pedras lisas feito sabão evito de me debruçar na beirada da mesma.
Dali basta acompanhar o curso do riozinho da cachu, no caso um afluente do Córrego Itaquiti. Sim, aquele q cruzamos logo ao saltar da CPTM. E assim vou ganhando rio acima, ora por uma margem ora por outra, conforme melhor o terreno permitir. As vezes aparece uma trilha, mas prefiro me manter pelas pedras e lajotas cercadas de muito, muito verde. O avanço esta longe de se assimilar em dificuldade as tradicionais empreitadas pela Serra do Mar, mas pruma região urbanizada o lugar é uma pérola mais que bem-vinda. Cascatinhas menores, remansos cristalinos, minúsculas prainhas fluviais e td sorte de obstáculo fácil de transpor vem ao meu encontro naquela breve e descompromissada exploraçãozinha.
Contudo, ao perceber q o terreno nivela e o rio parece nascer do meio de emaranhados mato mais espinhento e voçorocas espessas de taquarinhas, decido q é hora de sair do córrego. Um rabicho de picada íngreme me leva pra fora do vale onde caio num aceiro maior, já no topo do serrote, que parece adentrar mais nele. Visivelmente uma antiga estrada desativada, me pirulito na direção norte acompanhando o córrego, agora enfiado no meio do mato ao meu lado. Após andar menos de 5 minutos por uma trilha bem batida que serpenteia serra adentro desviando de alto capinzal e enormes rochedos, percebo q a vereda termina dando nos limites dum bairro, o Jd. California. Fim da “exploração” e hora de voltar pelo mesmo caminho.
Ao invés de retornar pelo rio voltei pela picada na qual estava que, tocando sempre pro sul, me deixou  na beirada do vale em que me encontrava. Um mirantezinho coroado por um belo rochedo abre a paisagem do Jd Belval em meio a horizontalidade cinza de Barueri. Mas logo adiante me deparo com uma bifurcação, onde o sentido a seguir é mais que obvio (esquerda), uma vez q a outra via ia claramente no sentido do Posto Graal. Foi ai que a vereda empinou pra baixo e mergulhou novamente num incrível “bosque de bambuzinhos”, onde é preciso atenção pois é fácil se perder. Qualquer coisa basta se manter no sentido do rio, audível a todo momento.
Novamente me deparei com outra bifurcação e tomei a variante da esquerda, pois esta ia de encontro ao rio. Foi ai que a vereda desceu uma piramba tão íngreme como lisa, e me deixou exatamente nos pés da queda do Belval, mais precisamente a outra trilha que nasce dali. Completando um circuitinho simples e tranquilo, me refresquei novamente na queda com um belo banho. Contudo, desta vez não estava sozinho como anteriormente. Passava do meio-dia e, com sol a pino, havia mais gente ali, no caso, 3 jovens casais desfrutando das águas da cascata, com os quais troquei algumas palavras e soube mais a respeito daquele bucólico lugar. Como por exemplo, que às vezes a galera acampa ali nas proximidades; que as trilhas foram feitas por um tiozinho ermitão que mora mocado no meio do mato; que apesar de cristalina a água da queda não era potável; que violência e roubos eram coisa que não combinava com a realidade local; que quase aquilo tudo virou parque municipal; e que o lugar ferve de gente das redondezas geralmente depois do almoço! Fica aqui a dica então.. vá conhecer a cachu bem cedo, logo de manhazinha!
Como a fome já batia e só portava minha pochete (sabendo que aquele rolê seria breve), após um descanso comecei a jornada de volta, sem pressa sob o sol forte de uma da tarde. No asfalto tropecei com mais moçada (principalmente rastafáris e ripongas) no sentido contrário, decerto indo pra cachoeira. Do outro lado da rodovia me pirulitei por umas quebradas no meio do setor industrial, passei pela fachada da famosa Arena Barueri, e retomei a jornada pra estação ferroviária. Antes, porém, adquiri umas brejas que fui degustando no decorrer do caminho, sob o sol escaldante daquele inicio de tarde.
Pesquisando posteriormente a respeito do projeto de lei que previa a criação do “Parque Natural Municipal Cachoeira do Belval” em 2010, descobri que o mesmo não vingou devido ao desinteresse do governo municipal em tocá-lo adiante. Uma pena, pois seria a forma ideal de garantir a preservação responsável do lugar e seu entorno, que sabe-se lá até quando vá durar. Por enquanto a cachoeira continua lá, esperando sua visita. Mas Barueri tem outros atrativos que podem ser emendados num dia cheio, como o Parque Municipal, o Museu Municipal e, claro, a Arena Barueri, onde os aficionados pelo esporte bretão podem prestigiar seu time do coração. Só assim pra saber que não é preciso ir muito longe ou esperar pelas férias pra desfrutar duma boa chinelada em meio a paisagens (quase) naturebas. E que ás vezes fugir do convencional pode ser tão incrível quanto desfrutar do óbvio.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

3 Comentários

  1. Cara, sensacional! Moro em Barueri há 2 anos e não sabia que tinha uma cachoeira no quintal da minha casa. Gratidão eterna por compartilhar sua história.🙏

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