A Serrinha do Capuava

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De fácil acesso e baixo desnível, o Morro do Capuava é uma simpática elevação de menos de 900m que além de sentinela de Pirapora do Bom Jesus (SP) é bastante procurada pela galera do voo livre. Seu topo é acessível de várias formas, todas sussas e sinalizadas. Como minha última visita ao lugar se dera por vias convencionais e se restringiu á rampa de voo, decidi desta vez fazer diferente: buscar algum um novo acesso pelo sul e conhecer toda a extensão deste minúsculo serrote, indo até seu extremo norte. Sim, é rolê pra lá de banal, uma brincadeira sem desafios que incluiu até trecho do “Caminho do Sol” nos finalmentes. Mas foi o que sobrou pra este que vos escreve, restrito temporariamente a atividades leves e de baixo impacto por ordem médica já a algum tempo.

“Descanso por um mês!” foi a receita que o ortopedista esbravejou  por conta duma inconveniente e inoportuna lesão no pé direito final do ano passado. A idéia de mofar em casa num dia lindo era pavorosa demais pralguém (hiper) ativo como eu. Mas como pra tudo dá-se um jeito, fui atrás de algum rolê que não demandasse muito fisicamente, o que incluía alta declividade e demasiada chinelada. Sim, por triste ironia me sobrou abraçar algum rolê “pantufa”. Pensei, pensei e pensei e o único que me veio a mente foi o “Morro do Capuava”, que basicamente consistia em subir uma precária estrada-trilha sussa. Contudo, ao invés de repetir algo já feito, me ocorreu dar um novo olhar ao morro. E isso era buscar novas formas de acesso. Se isso seria algo sussa, de baixo impacto e menos perrengoso já eram outros quinhentos.
Tomei assim o mesmo latão da vez anterior, o intermunicipal “805-Pirapora” que sai do terminal anexo á Est. Butantã do Metrô, de poucos horários aos domingos. É bom consultar previamente esses horários pra planejar tanto a ida como a volta sem perder a última condução do dia. Pois bem, apesar da viagem consumir quase uma hora, o solavanco hipnótico do buso fez com que cochilasse justo no local em que devia descer, a beira do asfalto antes de entrar na cidade. Resultado: só desembarquei no pto final do buso, no Jd Bom Jesus. Valha-me Deus.
Dane-se, sendo assim retrocedi a pé td esse trajeto e cruzando a cidade que fervilhava de turistas. Contudo, esse relaxo da minha parte serviu pra conhecer dois atrativos no caminho q sempre passaram despercebidos: o “Portal dos Romeiros”, um gde monumento com peças de bronze que retratam o Senhor do Bom Jesus e Nssa Sra de Aparecida, e painéis em auto-relevo que ilustram a letra da música “Romaria” de Renato Teixeira; e o “Seminário Premostratense”, construção erguida por padres belgas em 1896 onde funciona um museu com muitas peças históricas da Primeira Guerra Mundial, além duma simpática capelinha e uma “gruta” onde são depositadas orações e graças. Só não deu pra visitar a “Casa dos Milagres” e a Fonte dos Milagres” por questões de tempo.
Tomando uma sucessão de vielas fui deixando o fuzuê da cidade pra trás até finalmente pisar no asfalto da “Estrada dos Romeiros” (SP-319), já tendo ganho altitude de forma imperceptível até então. Após o último pto de ônibus é so andar mais um pouco que logo se depara com a entrada oficial do Morro do Capuava, onde uma placa escancara os demais atrativos daquela direção, no caso, o “Cruzeiro” e o “Vôo Livre”. Ignorando essa entrada me mantenho ainda no asfalto, ainda subindo suavemente, até ignorar a entrada sgte (agora á direita) que dá acesso ao Voturuna. Aqui é preciso estar atento á encosta esquerda, bem antes de começar a descida pro outro lado e outra estrada de terra, e buscar algum acesso fácil ao morro. E ele é logo encontrado no que parece ser o aceiro sob as torres da linha de alta tensão, e que toca na direção leste.
A encosta que dá acesso ao aceiro é baixa porém íngreme, mas nada que se segurando no mato em volta não resolva. Uma vez no aceiro avançamos por ele, sem trilha, em meio a um alto capinzal até altura da cintura. Mas passada a segunda torre é necessário abandonar o aceiro e tocar de fato na encosta do morro, agora pro norte. E tome piramba no meio do capinzal, onde se ganha rapidamente altitude ao mesmo tempo em que o pasto ralo reduz seu tamanho. Cruzando algumas arvores solitárias, imediatamente se encontram vestígios de trilha, sinal que não sou o único a aceder a serra pelo sul. Uma vez nesta picada não tem mais erro, bastando somente subir tranquilamente o restante. Uma olhada por sobre o ombro descortina o asfalto da SP-319 serpenteando aquele selado que interliga o Capuava ao comecinho do Voturuna, que exibe sua imponente silhueta recortando o céu azul daquele dia limpo e ensolarado.
E assim, me valendo daquele acesso bem mais curto e muito mais direto que o oficial, em menos de dez minutos piso na precária estrada de terra que me leva ao extremo sul do topo, já bem na minha frente. Após duas torres de telefonias me deparo com uma cancela, um portal, um estacionamento relativamente cheio e até um playground. Parece que a “Associação Pirapora de Parapente” promoveu benfeitorias no lugar desde minha ultima visita. O refúgio do pessoal ta bem melhor estruturado e os banheiros estão uma beleza. Aproveitei então pra dar uma descansada e tomar um gole de água, pois apesar de ventar um pouco, o calor do quase meio-dia era de rachar.
Nas rampas havia cerca de dúzia de pessoas, metade delas singrando o céu enqto o resto se dividia entre instrutores e alunos. Por sua vez, o topo é largo, gramado e se estende de norte a sul, e do alto a vista é generosa em todos os quadrantes, sendo possível apreciar tds os panoramas q se descortinam pra onde se lance o olhar: o leste, o espelho d’água do Represa de Pirapora reflete o céu azul do inicio da tarde, enqto a geometria vertical de Barueri e Osasco elevam-se discretamente ao fundo, assim como o Pico do Jaraguá, logo acima; ao sul, destaca-se o maciço da Serra do Voturuna tendo o Morro Negro como pto culminante; a oeste apreciamos a minúscula Pirapora e a Represa do Rasgão, assim como Cabreúva e a Serra do Pirai, logo atrás; e finalmente ao norte temos os recorte escarpado da Serra do Japi delimitando o horizonte, assim como outros serrotes menores na frente.
Voltando pro rolê, tomei direção a norte, ou seja, tocando pro outro lado do morro. Cruzei uma biruta e mais dois locais de decolagem e logo me deparei com a bela vista das suaves corcovas sgtes da serra, forradas de capim verde dançando ao vento. A trilha é óbvia e nítida, embora menos pisada. E conforme se avança, sempre pela cumieira do simpático e modesto serrote, a vereda aparenta se perder em meio ao capinzal mas é logo encontrada na sequência. As antenas a muito ficam pra trás e a paisagem deste quadrante se abre de tal forma que permite avistar os braços da Represa de Pirapora sob outra perspectiva, refletindo o céu azul limpo daquele dia, assim como a própria cidade e as serras que a cercam.
E após andar menos de 10min sem gde perda de desnível em meio ao capim da cumeada, minha pernada é interrompida por um abrupto barranco, na verdade um “quase abismo” resultante de erosão. Sem trilha desta vez, o jeito é contorná-lo pela direita em meio ao alto capinzal. E lá vou eu nadando num pasto com altura ate a cintura, pisando cuidadosamente pra não meter o pé em traiçoeiros buracos escondidos, presentes em td trajeto. Uma olhada pra trás revela um Capuava diferente, escondido por sucessivas lombadas verdejantes e apreciado pelo olhar norte, da serra. Pausa pra cliques.
Mas com paciência, cautela e afastando mato com ambas mãos, desemboco no último setor do extremo norte do morro, que por sinal é o único sombreado de todo Capuava sob a forma dum bonito bosque de eucaliptos. Aqui basta acompanhar uma cerca que além de delimitar alguma propriedade, vai na direção desejada. Mas tocando mais pra frente logo começo a perder rapidamente altitude até que me deparo com nova pirambeira. Mas como já estou quase tocando o espelho dágua da represa declino de chegar nos finalmentes. Pensando na volta e em ter de subir td novamente, fico por ali mesmo, descansando na sombra do arvoredo, do lado dum enorme cupinzeiro no qual apoio as costas. Pela ausência de pisadas ou trilha deduzo que quem frequenta o morro dificilmente vem pra cá. Não sabem o que perdem, pois a vista privilegia a Barragem do Salto e todas os serrotes ao norte de Pirapora, principalmente o Alto do Taiçu, bem na minha frente e provável novo rolê pela região.
Após cliques, um merecido descanso e alguns goles de água, retorno pelo mesmo caminho e sem pressa alguma até a muvuca do setor mais visado do morro. O rolê até o outro extremo não durou coisa de hora extra, já que foi coisa sussa, breve e tranquila. Dali ziguezaguiei por uma precária picada que cortou diagonalmente a encosta oeste do morro pra finalmente cair no acesso principal ás rampas de vôo. Mas uma vez na “Cruz do Século”, um mirante dominado por um cruzeiro que “vigia” a cidade, ao invés de retornar pela “Estrada dos Romeiros” decidi voltar pra cidade pelo trecho do “Caminho do Sol” que passa justamente por ali. Pra isso basta seguir a onipresente sinalização que se resume a inconfundíveis setas amarelas que do monumento aparecem sempre na direção norte.
Toquei então por uma larga e sombreada vereda q acompanhava paralelamente o Capuava por outra dobra serrana, rumo norte, até desembocar num amplo e largo terreno descampado. O lugar tem cara de ser local de pouso da galera do parapente (e é de fato), mas o legal era a vista privilegiada q proporcionava tanto de td extensão da serra como da Barragem do Salto, de cujo alto paredão despencava furiosamente o Rio Tietê, pra depois tomar seu sinuoso e espumante curso pra oeste. Dali o sentido a tomar é obvio, uma trilha bordeja as laterais do rústico cemitério local pra então desembocar no asfalto da SP-312.
Da estrada bastou continuar atentando pra onipresente sinalização do “Caminho do Sol” (versão tupiniquim do ilustre “Caminho de Compostela”) que corta caminho nas entranhas do “Bairro da Barragem”, pra num piscar de olhos me deixar de cara com o terminal rodoviário local. Antes de zarpar, claro, estacionei num boteco na entrada da cidade onde bebemorei a simplória e descompromissada empreitada daquele dia. Ao mesmo tempo, alongava e descansava o pé lesionado de modo a dar-lhe folga do “esforço” empreendido daquele dia.
Devia ser meados da tarde e o fato é que tive de esperar cerca de hora e meia até a condução finalmente passar. Mas e daí? Não tem nada melhor que ficar a toa, bebendo e apreciar o vaivém daquela simpática cidade de forte vocação peregrinatória. O rolê daquela ocasião havia transcorrido sussa e dentro do previsto, ou seja, tinha conseguido o glorioso objetivo de matar o tempo com alguma pernadinha dentro das minhas atuais limitações. Sendo assim, só torço pro meu médico não leia este relato pois senão serei duramente repreendido pela travessura auto-imposta. E que minha próxima visita á pacata Pirapora do Bom Jesus se dê com toda saúde e plenamente reestabelecido, e não atrás duma graça ou benção do santo local.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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