Morando no Grajaú

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Faz três anos que estou no Rio de janeiro, antes ficava na ponte aérea Rio/BH e nos cruzes da BR040. Nestes anos conheci minha esposa, abri meu estúdio de tatuagem junto com Giovani Schenkel e fiz novos grandes amigos. Confesso que nunca passou pela minha cabeça morar em definitivo no Rio, mas as âncoras foram jogadas e o tempo foi passando. Quando minha esposa deu a notícia que tínhamos conseguido comprar um apartamento no bairro Grajaú, perto da Reserva Florestal, entendi que a equação iniciada há três anos tinha se
desenrolado, bem debaixo do meu nariz. Se era para ficar no Rio, que fosse colado na rocha.

O universo estava conspirando para a minha temporada carioca.
 
Antes de Belo Horizonte, em meu último ano de faculdade no Rio de Janeiro, conheci a escalada e meus primeiros contatos com a rocha não foram na Urca. Com Bruno Castelo Branco conheci o Grajaú e seus blocos moedores de dedos. Foram dias interruptos entre top roupes no campo escola, cordadas no Pico do Perdido e ensaios nos boulders.Entre boulders e guiadas, que variam de 3º a 8º grau, o Grajaú é perfeito para quem está a fim de um bom treino ou começar a escalar.
 
Arriscávamos escalar fora da Reserva, entravamos em cordadas no Babilônia (Urca), mas éramos inexperientes e algumas vezes advertidos pelas “cagadas” que fazíamos na parede, como escalar com pouca proteção, pulando grampo e outras coisas que é melhor não recordar. Mas foi por um curto espaço de tempo, logo Bruno acharia Flavio Daflon e a Companhia da Escalada. O Grajaú nos deixava valentes, dava para fazer tudo enquanto a pedra não destruía as mãos. Escalar parecia tão tranquilo e natural que acabava se tornando perigoso. 
 
Certa vez, escalando em Conceição do Mato Dentro com Rodrigo Cojack, no início de 2003, esbarrei com pessoal da Casa de Pedra, e, entre uma prosa e outra, surgiu o assunto Grajaú. As referências aos blocos eram finas. Lugar melhor para destruir os dedos não existia no RJ. Nunca tinha dado muita atenção ao boulder, mas curti a vibe dos caras que se arriscavam nos clássicos (Buracos, Bote impossível e Pedra do Navio). André Assaife (Maluquinho), um cara que admiro até hoje, foi o primeiro a pilhar para gastar mais nos blocos, daí virou vício. Mesmo depois de estar em Minas Gerais, sempre retornava ao Rio de Janeiro para ver minha família, e, nessas visitas, retornar ao Grajaú era quase uma obrigação. Além de Bruno, Raman Reis, Marcio Dingo e Eduardo Folha eram os parceiros que eu podia contar toda vez que vinha à cidade. 
 
A quantidade de boulders é fantástica e as graduações das vias são ótimas. Para quem chega pela primeira vez, os blocos ficam bem à vista e com um passeio rápido já é possível visualizar  uma boa quantidade deles. Em 2005 André Assaife montou o Guia de Escaladas do Grajaú (https://altamontanha.com/Artigo/1118/guia-de-escaladas-do-grajaú), não sei como está  sendo disponibilizado o guia hoje, mas nada que uma busca nas lojas especializadas ou o  contato com o próprio autor via Facebook não resolva.
 
Com uma área aproximada de 55 hectares localizada no bairro carioca do Grajaú, a Reserva limita-se por um dos lados com a área protegida do Parque Nacional da Tijuca, tendo como marco o maciço rochoso conhecido como Pedra do Andaraí ou Pico do Perdido, com 442 metros de altitude. Com várias vias conquistadas, o Perdido também pode ser acessado por trilha até seu cume. O Parque Estadual do Grajaú também conta com uma área de lazer de 2,5 hectares, com tratamento paisagístico, e é bastante frequentado pela comunidade.
 
Ao longo dos anos novas vias foram abertas, novos blocos conquistados e muito mudou na Reserva, para o bem e para o mal. Hoje a Reserva sofre com o descaso das autoridades, assim como todos os outros setores de floresta no Rio Janeiro. O ano de 2015 trouxe a violência ao Grajaú, tirando os anos de paz da Reserva. A matéria feita por Marcelo Ambrósio aqui mesmo no site no mês de maio explica bem o que está ocorrendo 
(https://altamontanha.com/Noticia/4748/parque-estadual-do-grajaú-sofre-com-a-
criminalidade-e-pede-socorro). 
 
As últimas semanas aparentam calmaria na floresta, e que assim permaneça. Domingo passado, mesmo com uma chuva fininha, já foi possível avistar mais pessoas no cume do Perdido e cordadas no contra forte. Fico feliz quando abro a janela e vejo cordadas na parede, sinal que a paz volta aos poucos à Reserva.
 
Não sou fã de cidade e muito menos dessa loucura que se tornou o Rio de Janeiro, mas todas os dias, antes de sair de casa para trabalhar, consigo tomar um café olhando pela janela, namoro a Reserva por alguns minutos e penso que dá para resistir ao caos por mais um dia. Se é para ficar na cidade, que seja perto da rocha.
 
Força sempre e boas escaladas.
 
 
 
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Sobre o autor

Atila Barros nasceu no Rio de Janeiro, e vive em Minas Gerais, cidade que adotou como sua casa. Escalador (Montanhista) há 12 anos, é apaixonado pelo esporte outdoor. Ele mantem o portal Rocha e Gelo (www.montanha.bio.br)

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