Ciririca sem sacanagem

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O Morro do Ciririca é uma montanha na Serra do Mar paranaense que tem apenas 1641 metros de altitude. Apesar de baixa, chama atenção não apenas o nome exótico, que de acordo com alguns tem a ver com o siri (aquele crustáceo que anda de lado), mas também pelo fato de ser a montanha com trilha consolidada mais distante da Serra e consequentemente se tornou um mito, de que é a montanha mais fodástica da região.

Para chegar lá, há que percorrer uma trilha de 8.8 kms, o que não é grande coisa. A trilha do badalado e frequentado Pico Paraná, por exemplo, tem 8 km, mas não são estes 800 metros o que faz do Ciririca uma montanha difícil, mas sim a vegetação.
 A trilha percorre a encosta dos morros Camapuan e Tucum, e há dois grandes sobes e desces dos vales que escorrem pela vertente Sul deste maciço montanhoso. Nos topos predomina uma vegetação mais arbustiva e bastante fechada, com bambus que fazem um emaranhando impenetrável que rasga sua roupa e mochila. Nos vales úmidos predomina uma mata com árvores altas que nunca permitem a entrada de luz. Tudo é sempre molhado e coberto por musgos escorregadios.
 Com estas características, as histórias que se ouve do Ciririca são sempre cabulosas.  Gente se arrastando no meio da lama para passar por baixo dos bambus, pessoas perdidas na mata úmida, cansaço e demora de até 12 horas para chegar ao cume da montanha. No ano passado, as condições fechadas da mata e a falta de experiência de um grupo, levou à morte, por hipotermia, de uma pessoa que se perdeu na trilha. Este incidente fez que os bombeiros chamasse a atenção do dono do sítio na base da montanha, que seria melhor ele fazer uma manutenção no caminho.
 No último mês, quando fui ao Camapuan jogar as cinzas do saudoso amigo Parofes, fiquei sabendo que a trilha do Ciririca estava aberta. Neste momento percebi que poderia fazer a montanha sem fodeção, um Ciririca sem sacanagem e essa oportunidade surgiu neste final de semana quando meu amigo Luiz Antoniutti me chamou para uma pernada para treinar para o curso de escalada em gelo que ele irá fazer com o GenteDeMontanha na Bolívia. Convite feito, convite aceito e assim fomos nós dois e o Luca, o filho do Luiz que tem 17 anos.
 Começamos a caminhada somente às 7:30 da manhã e logo na saída encontramos um grupo que ficou admirado com nosso plano audacioso:
 _Vocês vão pro Ciririca de ataque? Meu deus, que horas você acham que vão chegar?
 Pois é, por conta do mito do Ciririca, muita gente acha impossível fazer essa montanha de ataque. Ou seja, ir e voltar no mesmo dia. Para piorar, eu não estava no meu melhor estado de Saúde, pois estava me recuperando de uma gripe forte e isso foi sentido já no começo da trilha, quando tive que pedir para o Luiz e o Luca andarem mais devagar.

Luiz e Luca no cruzamento de trilhas do Camapuan e Ciririca

Mesmo mais lento que o normal, chegamos rapidamente ao cruzamento de trilhas que vai para Camapuan e o Ciririca. Até ali a trilha é bem aberta, ainda mais com o trabalho de manutenção do dono do sítio que tirou árvores caídas e bambus. Dali dava para ver que sua foice trabalhou bastante e onde antes havia um emaranhado de bambus havia uma avenida.
 Sem perder tempo começamos descer ao primeiro vale, onde para minha surpresa desviamos de um trecho que sempre foi o “temor” dos montanhistas, um local inclinado com uma corda pendurada. A nova trilha passa por um local também íngreme, mas com uma caminho natural em meio à pedras e escada de raízes.

Fim dos bambus na trilha do Ciririca

Vencido o primeiro vale, passamos pela primeira sela sem problema e já voltamos a descer novamente. O vale seguinte é o mais profundo, sendo necessário penetrar pelas entranhas da montanha, neste local com mato alto e selvagem, num buraco sempre molhadinho, mas muito bonito.

 _ É Luiz, tudo isso se chama dissecação!
_ Pra mim isso buraco mesmo…
 Continuamos nosso ritmo, em pouco tempo alcançamos a cachoeira do Professor, onde fizemos a primeira pausa para lanche, em apenas 2 horas de caminhada. Ali é a metade do caminho em tempo.

Cachoeira do Professor

Continuamos pela trilha bem sinalizada, desta vez subindo o selado. Uma hora depois alcançamos um mirante, de onde pudemos ver nosso objetivo pela primeira vez. Descendo a trilha mais uma vez chegamos ao rio “Ultima Chance”. Que tem este nome porque ali é o ultimo local com água e também é a ultima chance para desistir da montanha, pois depois de todas essa caminhada pela floresta, emergimos das entranhas dos vales para chegar na “rampa” onde a vegetação é rasteira, mas a inclinação maior.

Fundo de vales sempre úmidos no caminho do Ciririca.

Em pouco tempo já nos secávamos ao sol do céu azul do inverno que era ora rasgado pela passagem de um avião deixando seus rastros para trás, o que de acordo com alguns são “Chemical trails”. Não precisamos emanar amor para eles se dissiparem, afinal, estando no Ciririca, isso acontece naturalmente…

 Passamos por um lugar onde o solo raso fica desnudo, deixando aflorar a rocha do substrato, num local onde com cargueiras deve ser difícil passar. Ainda mais que na borda a vegetação predominante são caraguatás espinhentos. Vencendo esta parte, em pouco tempo já descansávamos em baixo das enormes placas do cume, instaladas ali na década de 1960 para refletir sinais de radio entre Curitiba e a Usina Parigot de Souza no sopé leste do Pico Paraná ali perto. Chegamos ali em um pouco menos de 5 horas de caminhada.
 Apesar do aparente passeio, o Ciririca não é Ciririca sem uma fodeção. Sentados embaixo da placa o Luiz descobriu que havia esquecido o lanche dele e do Luca na geladeira, e tivemos que dividir meu sanduíche feito com a Linguiça do Marcio Olesko que havia sobrado do churrasco que fizemos de ultima hora na noite anterior.
Acabou que na volta demoramos um pouco mais, porque mal comido acabei ficando mais lento pela hipoclicemia, nada que não pudesse ser resolvido com os pastéis na Chácara da Bolinha, onde chegamos cerca de 10:30 horas após termos saído.
 Fazer o Ciririca de ataque nunca é moleza, mas o que conclui com tudo isso é que a sacanagem era mesmo eram as condições da trilha, muito fechada e cheio de locais propícios para se perder. Aberto como está ficou bem acessível o que contraria bem a fama do local. Mesmo assim, o Ciririca continua não sendo uma montanha para os virgens, que enfrentarão muitas dificuldades. Para eles sobram os picos mais fáceis, como o Itapiroca por exemplo. Sem vegetação ficou mais fácil passar mão, mas fato é que o Ciririca ainda não é montanha para os punheteiros de plantão.
 
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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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