LEGALIZA

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Esclareço que escrevo para um público seleto; aqueles com mente aberta a opiniões diferentes e capazes de interpretar qualquer texto e principalmente para os atuais e futuros amigos. Se já conhece minhas opiniões e não se encaixa nestas categorias nem perca seu tempo continuando. Não encontrará uma linha “politicamente correta”, mas se por algum inexplicável prazer masoquista seguir adiante tenha certeza que terminará irritado. Antecipadamente agradeço correções e críticas bem argumentadas que prontamente responderei esclarecendo ou acatando, mas registrar indignação será inútil, melhor fazer “dowload” em outra vizinhança.

É certo que aquele que alimenta cascavel morre picado por cobra. Muitos não enxergam o óbvio e passam a vida lutando contra a gravidade. Por ideologia, religião ou incompetência se auto aprisionam numa fé cega negando o óbvio e insistindo naquilo que não tem a mínima chance de dar certo pela própria natureza. O homem é um animal como qualquer outro sobre este planeta e aproveita todas as oportunidades em benefício próprio. Só a cultura e a educação colocam freios nos instintos primitivos que buscam benefícios imediatos e finitos em detrimento dos prêmios duradouros e abundantes. A vida é curta então tenho pressa em colher seus frutos, pensa o ignorante.
 
O “legaliza”na placa do Ciririca é a mais nova cereja neste bolo, previsível como o dia sucedendo a noite que os fracos de cabeça um dia chegariam lá como chegaram no Itupava, Anhanguava, Marumbi e Pico Paraná. E os mesmos de sempre saem gritando impropérios a procura de culpados sem ao menos olharem uma vez para o espelho. Justamente onde encontrariam os culpados por eternamente repetirem os mesmos pequenos erros, que somados, abriram as porteiras para todas estas montanhas aos vândalos. Onde passa vaca, passa boiada!
 
Não esqueçam do Dílson, cobra criada por quem não admite a menor responsabilidade pela obra. Por uma década encheu as burras com pedágio enquanto muitos reclamavam da completa falta de estrutura. Não fazia absolutamente nada pela trilha e diziam que não poderia aparecer nada pior, então apareceu. Cuidado com o que pedem porque tem muita chance de ser atendido. A trilha para o Ciririca começava no sítio do Ernesto na BR 116 até que montanhistas da velha guarda viabilizaram o “usocapião” da área da fazenda da Bolinha (que era uma cachorrinha) para a herdeira do caseiro que por sua vez é casada com Seu Bento, sujeito esperto (lei de Gerson). No primeiro ato prolongou no peito a estrada que começa no Posto Túlio até seus domínios (foi multado pelo IAP, mas a estrada continua lá), depois devastou a mata e loteou o terreno sem contar o incêndio (certamente foi acidente, mas que ampliou o pasto não há dúvida). Ao mesmo tempo que aprendeu a lição do Dílson na cobrança por passagem, estacionamento, pastel e guaraná.
 
Só que o Bento é empreendedor e investe na empresa. Intuiu que a precariedade da trilha limitava a acessibilidade e isto era ruim para os negócios. Quanto mais gente, mais verdinhas. Contratou a peãozada a preço de banana e soltou os tigres no mato com meia dúzia de rolos de fita amarela e foice na mão. Abriu uma estrada no matagal fitando até bambu seco (duas vezes) e pra completar desviaram pelas costas a pedrona que freava boa parte dos fracos de coração. Não é mais necessário descer (e subir) pendurado, feito macaco, numa corda podre. Hoje a encosta toda está desmoronando pra dentro da grota, mas isto é o de menos. É o preço do progresso!
 
Com a porteira escancarada não faltaram os bons samaritanos a fixar uma corda na última rampa, não para facilitar, mas para proteger as caratuvas. Pobres caratuvas que continuam sendo impiedosamente pisadas e arrancadas, mas apesar de não proteger nada nunca mais a corda sairá de lá. Que venham os degraus! E o cume, coitado, já tem clareiras para mais de 10 (dez) barracas e continua aumentando. Pelo menos toda esta gente coopera com o ambiente adubando a fina camada de terra vegetal com restos de comida, bosta, lixo e papel higiênico. E tem o GPS, esta preciosa invenção. “Que tesão de lugar, me passa o tracklog?”. E num toque de botão aquele sujeito simpático repassa um vírus eletrônico sem controle que leva qualquer idiota a qualquer lugar no planeta (enquanto não molhar as pilhas). Mas o disseminador de track não tem culpa nenhuma sobre o que o receptor fará daquele instrumento. Tudo somado vai fazendo da inóspita trilha do Ciririca uma cópia do valetão que começa no Dílson e termina no cume do PP. Mas isto também não é problema deles, é do IAP que deveria por um fiscal por quilômetro em cada trilha da serra.
 
O problema das trilhas fitadas e do GPS é a compreensão que as novas gerações tem do "montanhismo". Hoje há pressa, urgência em pular etapas. Nesta ótica as montanhas ficaram colecionáveis ao estilo dos "7 cumes". Quem fez primeiro, quem fez mais rápido, todos correndo atrás de seus cinco minutos de fama dentro de seu pequeno grupinho restrito, porque na grande maioria dos casos, alguns anos depois desaparecem completamente no anonimato deixando apenas o estrago produzido. 
 
Ficar forte esta ao alcance de quase todos, principalmente no vigor da juventude, mas ficar sábio é para poucos. A hipertrofia dos músculos atrofia a capacidade mental e por incapacidade ou preguiça, poucos se dedicam a estudar o relevo, a vegetação, aprender navegação, ler o terreno, ler o clima e se tornar completo, auto-suficiente, aprendendo a valorizar mais o caminho do que o cume e a maneira de se chegar lá.
 
As montanhas não tem dono como muitos dizem com razão e nada pode impedir a circulação de "corredores de aventura", iniciantes promissores ou aqueles com "prazo de validade", turistas ou visitantes ocasionais. Nem os metidos a sabido com um rolo de 60 metros de fita marcando tudo o que lhe vem na telha. Uma trilha bem demarcada facilita a vida de gente sem experiência, conhecimento, educação ou maturidade para ali estar e um porra-louca fitando a esmo conduz a roubadas aqueles que não conseguem ler uma trilha por si mesmo e até a morte numa situação de emergência.
 
De cada 100 (cem) "escoteiros" ou farofeiros que circulam pelas serras em determinada época, um, apenas um escapará da irrelevância e se tornará montanhista. Todos começamos igualmente percorrendo trilhas manjadas e marcadas como Pico Paraná e Marumbi, repetindo travessias clássicas, mas estes poucos aprenderão a navegar e pensar por conta própria, depois escalando montanhas inóspitas, criando rotas alternativas ou inéditas sem doping. Usando apenas o cérebro e as informações obtidas de outros montanhistas e moradores da região, pela internet ou no boca a boca, por relatos e mapas porque ninguém nasce sabendo. 
 
Para estes poucos e raros, que não são tão poucos nem tão raros, aconselho a sempre limparem as trilhas arrancando as fitas, todas, e deletarem os tracklogs no ninho. Vocês aprenderão rapidamente a ler o relevo e as trilhas e nunca precisarão de DOPING. Com "escoteiros" e farofeiros não perco tempo com argumentos, vão continuar a fortalecer os músculos.
 
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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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