Parque Arthur Thomas, 5 anos depois

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O Parque Municipal Arthur Thomas é uma incrível unidade de conservação situada no miolo da cidade de Londrina (PR) à qual devia retorno, visto que minha única visita se dera meia década atrás. Detentor de trilhas, mata nativa, bichos e até uma incrível cachu de 25m, esta oportuna área de lazer esteve fechada por quase um ano devido ao grande prejuízo provocado pelas chuvas do verão passado. Aproveitei então sua reabertura parcial pra visitá-lo, palmilhar novas veredas, fazer análise dos estragos e da recuperação desta adorável floresta urbana. Isso numa cidade já carente de espaços públicos de qualidade.

Chegar no Parque Arthur Thomas não tem muito segredo, pois do Terminal Central de Londrina basta tomar qualquer condução que vá pra zona sul da cidade ou pro Terminal Acapulco, via Av. Dez de Dezembro. Saltando nesta via é ir se guiando pela boa sinalização em direção unidade de conservação, situada numa travessa bem arvorizada, a Rua da Natureza. Uma placa indicando “travessia de animais” já avisa da própria via constituir um corredor pra bicharada. Em tempo, fui num dia de semana pois o parque, acredite se quiser, não abre aos finais de semana. Mais abaixo explico os motivos.
 
Uma vez na entrada, que continua a mesma, me pirulitei em direção ao lago, ignorando a simpática torre de observação que continua a mesma, assim como as trocentas placas explicativas disto e daquilo. Vale a pena dar uma lida naquela que fala do desbravador escocês que empresta seu nome ao lugar, considerado o fundador da cidade de Londrina, em 1937. Aqui vale outro adendo da minha parte: eu divido o parque em setor norte e sul, separados pelo enorme lago que represa o Ribeirão Cambé. As chuvas do verão passado provocaram muito prejuízo no setor sul, detentor da maioria das trilhas, e pelo visto a diretoria buscou tirar proveito do setor norte, que não tinha muitos atrativos.
 
Pois é, antes de chegar ao lago me deparo com a entrada duma picada que até então inexistia, a “Trilha do Tatu”.  E foi por ela mesmo que me mandei.  Este caminho é um estreito e precário estradão que mergulha na mata e acompanha, a distância, o perímetro do parque neste setor. Gigantes da floresta se mesclam a arbustos e outras plantas de tamanho menor num mix de mata secundária e nativa, onde o gostoso silêncio natureba só é quebrado pelo rugido dos veículos transitando bem do lado. O trajeto é basicamente uma linha reta e inconfundível, com pouca variação de desvio, portanto sem risco algum de se perder.
 
A vereda termina numa ampla clareira, mas fuxicando a direita encontro uma trilha mais rústica e discreta que serpenteia a mata até a margem do Ribeirão Cambé. Este setor não conhecia e é bem bonito, pois tem uma pequena represinha de onde o rio deixa de correr manso pra despencar em pequenas cascatinhas através de lajotas sucessivas. Aqui também trombei com uns jovens pescando a quem acenei cordialmente. Uma vez ali fui descendo o rio tranquilamente pelas rampas rochosas, passando por lagos e piscinões esverdeados. A tentação de cair na água é grande, mas a presença de lixo e mau odor, infelizmente, dilui qualquer ideia de tchibum. Apesar disso, o local é incrivelmente cênico e bonito. Pausa pra fotos. Deu pra perceber que este setor não sofrera com as chuvas devido a ausência de desnível e ser predominantemente plano. Mas o lixo preso nos altos galhos do arvoredo dá uma ideia do aumento considerável no volume de água daqui.
 
Acompanhei o ribeirão até cair novamente na “Trilha da Capivara”, ou seja, aquela que contorna o espelho d’água do Lago Cambezinho, que naquele horário refletia o céu límpido do início de tarde. Diferentemente da vez anterior, nesta vez não havia sinal do enorme roedor que empresta o nome á vereda. Ao alcançar a ruidosa “Barragem do Cambezinho”, que marca o início do setor norte do parque, é que os prejuízos das chuvas se tornam visíveis. O calçamento se revela parcialmente avariado, repleto de remendos improvisados e parte da margem do rio mostra-se bem assoreada, deixando a mostra tubulações e raízes de árvores.
 
Mas quando adentro mais pelo estradão de paralelepípedos, espinha dorsal das caminhadas deste setor, tropeço com uma cerca barrando acesso, do lado duma placa avisando que dali em diante está fechado devido á “manutenção”. Mas pelo menos havia a possibilidade de andar, pouco antes, pela mirrada “Trilha do Beija Flor”. Esta picada nada mais é o breve caminho que leva ao mirante superior da fantástica Cachoeira do Cambé, onde o ribeirão despenca em várias quedas duma altura de mais de 20m, pra depois seguir seu sinuoso curso em direção ao fundo do vale. A vista impressiona, pois o cachoeirão não deve em nada em imponência a suas similares na Serra do Mar.
 
Como não ima me limitar apenas aquele mirante, adentrei na parte proibida através dum oportuno furo no cercado e me pirulitei pelo calçadão, parque adentro. E daqui em diante que o terreno segue em declive forte e também onde realmente os estragos, mesmo passado quase um ano, ainda se apresentam com mais frequência. O caminho se encontra em estado precário boa parte do trajeto, conforme se avança, deslizamentos surgem a todo momento soterrando parte do trajeto, enquanto parte do calçamento visível de paralelepípedos também ameaça ceder encosta abaixo. Nem me dei o trabalho de atacar as breves picadas que nascem dali pra esquerda, as “Trilhas da Cutia”, “da Cotia” e “do Jabuti”, visivelmente prejudicadas por enormes avalanches de terra.
 
Só fiz um breve ataque pra “Trilha do Lagarto”, que nasce pela direita e já estava interditada da outra vez em que ali estivera e leva no “mirante inferior” da cachoeira. Isto porque uma enchente arrastara o tal mirante e o mesmo nunca fora reconstruído. Da mesma forma que a vez anterior, tive que me esgueirar por arame farpado e descer por uma precária escadaria tomada de mato e teias de aranha, em meio ao espesso arvoredo que forra a encosta íngreme do fundo deste desfiladeiro. Cipós e bromélias se agarram com força no que sobrou do corrimão, onde taquarinhas, capim-navalha e algum mato menor cobrem o chão concretado. A descida é forte mas desimpedida. Pula ai, agacha aqui, desvia acolá e subitamente o chão termina e me vejo no vazio. Um enorme deslizamento trouxera metade da encosta do cânion pra baixo, inclusive o trecho restante da escadaria. A visão do estrago impressiona, e tive que me contentar da avistar a cachu dali ali de frente. E ela continua magnifica como da vez anterior. Mais fotos.
 
Dali em diante recordo que era possível pegar a “Trilha do Quati”, que acompanhava o leito pedregoso do rio, mas claro que esta picada foi varrida do mapa pelas águas. Retrocedo encosta acima até o caminho principal e continuo acompanhando o curso do rio a distância pelo calçadão, mergulhando cada vez mais num belo bosque de altas árvores. Aqui o chão não está prejudicado, mas o abandono do poder público é visível, pois algumas árvores continuam ali tombadas, arrancadas pela raiz, e o capim já começa a crescer farto no caminho principal. Isso sem contar no trecho cortado pelo Córrego Pica-Pau, igualmente destruído.
 
Após descer suavemente sempre nesse esquema, o caminho enfim termina nas ruínas da antiga casa de máquinas da Usina Cambé, a primeira hidrelétrica de Londrina que funcionou por quase 30 anos e aproveitava a força gerada pela enorme Cachu Cambé. Claro que os estragos chegaram até aqui, uma vez que o muro de contenção lateral cedeu e soterra com pedras metade do rio, que desvia dele assoreando mais a margem oposta. A histórica casa da usina, por sua vez, se encontra pendurada por apenas uma precária fundação e está por um fio pra desabar numa curva de rio onde lixo, galhos e entulho se acumula em profusão. Um triste e melancólico fim prum marco histórico da cidade de Londrina. Ali, rio abaixo pude avistar um trio de jovens que pescava tranquila e ilegalmente, e que fiz questão de nem trombar.
 
Daqui não me restou opção senão retornar todo trajeto feito até chegar novamente na barragem de pedras do Cambezinho. Ali é possível avistar a entrada da última picada, a “Trilha dos Macacos”, que passeia por quase 1km pela encosta oposta do Ribeirão Cambé. Pra variar, este caminho se encontra igualmente fechado por uma corrente e uma placa que diz “acesso restrito”, mas nada que outra “pulada de cerca” não resolva. Enfim, uma trilha de fato, de chão batido e sem cimento ou piso algum artificial. Ela segue bem batida por um tempo, sempre cercada de mata densa e exuberante, até ser bruscamente interrompida por um deslizamento monstro que a fechou parcialmente na altura do Córrego Monjolo.  
 
Sem trilha, aqui é necessário avançar pela encosta através por cima das vigas e manilhas de concreto que servem de “ponte” improvisada sobre o supracitado córrego. Galgando degraus da encosta e varando pouco mato sobre rastros de vereda é possível reencontrar a continuidade da “Trilha dos Macacos”, logo adiante. Diferente do trecho anterior, aqui o caminho se encontra bem mais fechado e menos óbvio que antes, mas nada assim do outro mundo. O mato baixado entrega que tem gente pisando a vereda e a presença de lixo e restos de embalagem corrobora isso.
 
Recordo que da última vez o mato me forçara a voltar no meio do caminho, mas incrivelmente desta vez a vereda está bem mais amigável que da vez anterior. Existe mato alto, arvores caídas e um ou outro deslizamento mas nada que um simples desvio não resolva. E assim a vereda me leva a terreno aberto, um descampado tomado por capim de porte médio onde avisto picadas subindo o resto da encosta de forma suave. Dali me despedi do vale do Cambé e do parque, que dali segue seu curso de forma menos acidentada em direção ao Jd Piza e Fazenda Refúgio, rumo leste.
 
Pois bem, dali em diante foi só seguir, pro sul, intuitivamente picadas de boi que logo emergiram no fundo duma fazendinha aparentemente sem ninguém. E o melhor, sem nenhum cachorro cuidando. Apenas uns cavalinhos pastando num cocho pareceram espantados com minha presença. Pulando mais uma cerca dei numa via asfaltada e, colhendo informações, se chamava Chácara Olaria.  Ali já me situei e caminhei até o ponto na frente da Universidade Norte do Paraná (Unopar) e tomei condução de volta. Mas claro não antes de passar numa padoca e garantir meu precioso “Gatorade de cevada”.
 
As fortes chuvas que ocorreram em janeiro de 2016, pelo que pude constatar, realmente  castigaram o combalido Parque Municipal Arthur Thomas, que já sofria de descaso, falta de segurança e até invasões. Por causa disso o lugar foi interditado por quase um ano e somente agora reabriu, mas de forma parcial, ou seja, de terça a sexta. Sim, ele fecha nos finais de semana, únicos dias que os londrinenses dispõem pra lazer. A desculpa do poder público é que o passeio foi reduzido pra garantir a segurança dos visitantes, pois as obras de reparo continuam em andamento, embora durante minha visita não vi trabalhador algum. Essa é a atual situação de um dos melhores pontos para um passeio em família. O problema é que o lugar é público e ficou muito tempo fechado. Muito se perdeu em meio ao abandono público e a ação das chuvas. Uma grande pena. Mas se a natureza do lugar ainda resiste, torçamos pra que esta fantástica área de preservação consiga se reerguer de forma plena e integra, a médio prazo. Pra assim seguir fazendo jus ao corajoso desbravador que lhe empresta o nome.
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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