Acidentes Aéreos na Serra do Mar paranaense

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Transcrição da palestra proferida por Henrique (Vitamina) Paulo Schmdlin na sede do Clube Paranaense de Montanhismo. Colaboração de Eliel Kael.

O primeiro

O primeiro fato ocorreu em 16 novembro de 1952, as 16,30 horas, nas proximidades do Véu de Noiva,  envolvendo um  caça da FAB modelo North América – T6-Texan, designado vulgarmente como NA, pilotado pelo Tenente Rui Taurano conduzindo o Cadete Nery, procedentes do norte do Brasil.

North América – T6-Texan. Fonte Wikipedia

Quis o destino que estivéssemos muito próximos do local de impacto, no topo do Rochedinho, elevação junto a estação ferroviária do  Marumbí. Era final de tarde, com tempo bom para as bandas do litoral, mas fechado na serra. Chamou-nos a atenção a passagem de um NA em altura inferior a nossa, com o cockpit aberto, em baixa velocidade (pré stoll), acompanhando um trem de carga que subia bufando serra acima e ao adentrar na densa barreira de nuvens que fechava todo horizonte para as bandas de Curitiba, escutamos nítida e forte aceleração de motor e posterior silencio.  Ficamos preocupados com essa supressão instantânea do motor, fruto máximo de uma aceleração. Despencamos até a estação e enviamos mensagem para as autoridades da aeronáutica em Curitiba, comunicando nossas suspeitas!

Realmente o caça teria escapado da pequena montanha por poucos metros. Estando em baixa velocidade, ao perceber o obstáculo, tentou acelerar ao máximo e acabou em stoll. Ele estava colado às matas em um forte aclive. Com o choque nas rochas, a parte inferior do avião, onde se situavam os tanques de combustível, explodiram, envolvendo todo aparelho numa imensa bola de fogo. Desesperado, o Tenente Rui Taurano, jogou-se para fora da nacele por sobre a mata. Infelizmente foi apanhado pelas chamas que o atingiram em 70% do corpo, e praticamente sem outros ferimentos. Conforme relatou, vinham seguindo o trem, formula idealizada para atravessar a serra fechada, pela mesma canhada ferroviária, acompanhando o Nhundiaquara e o Ipiranga. Ao saltar do avião, deduziu que teria que descer a encosta, alcançar o rio e prosseguir por dentro dele. Realmente assim procedeu, e ao estar dentro do Ipiranga, não distante do local da queda, conforme seu plano acabou alcançando a cabeceira do Salto Ipiranga quando percebeu a impossibilidade de prosseguir.
Momento em que se aproximava o trem misto de passageiro e cargas no rumo de Curitiba. Totalmente pelado, pois o que não foi destruído pelo fogo foi ficando ao longo da caminhada pela mata fechada, gritava e gesticulava desesperadamente. Avistado pelo maquinista e pelo chefe de trem que avisaram por rádio a Estação de Véu de Noiva cujos moradores de imediato rumaram para o local assinalado. Resgataram o piloto e providenciaram sua imediata remoção, informando a aeronáutica na sequência.  Parte do grupo seguiu a trilha de farrapos de roupas chamuscadas até o local da tragédia e constataram que o Cadete, viajando no primeiro assento, não teve tempo ou reflexo para escapulir das chamas e morreu carbonizado.
Internado no Hospital Militar, o Tenente Taurano veio há óbito três dias depois devido à gravidade das queimaduras.

O segundo

O segundo acidente ocorreu em 1961, envolvendo um Cessna 172A pilotado pelo proprietário Ivan Carlos Cruz acompanhado pelos empresários Azeu Zitelle e José Orlando Massi, provindos do litoral com destino a Curitiba. Dado como desaparecido em 20 de setembro de 1961, sem quaisquer informes sobre a rota escolhida e outros detalhes.

Cessna 172A. Fonte Wikipedia.

O mau tempo reinante dificultou o direcionamento das buscas, somente permitindo o envio de socorro no dia 24 do mesmo mês. Dois grupos distintos partiram por terra para as buscas e salvamento, o primeiro na região do pico Marumbí e o segundo nas imediações do Morro Sete na Serra da Farinha Seca ou Graciosa, acrescidos de rastreamento aéreo. Somente no dia 25 às 15 horas finalmente foram localizados os destroços. No dia seguinte, sob o comando do Capitão Abel Kugler Batista do Grupo de Salvamento do Corpo de Bombeiros, repetimos o vôo para se determinar a exata localização na montanha. Encontrava-se ao sul da Serra do Marumbí, mais precisamente entre o Canal e a BR-277, bem ao lado do antigo Caminho do Arraial. Fomos transportados por helicóptero com extrema dificuldade no desembarque e imediatamente constatarmos a morte do piloto e o desaparecimento dos outros 2 passageiros.

O aparelho bateu nas arvores com uma das asas, dando um giro completo sem impacto direto, caindo de lado, e possivelmente projetando os passageiros para fora da aeronave. Finalmente localizamos o corpo do Azeu que tinha se arrastado por cerca de 50 metros na direção leste, possivelmente vitima de choque acrescido de previsível hipotermia no enfrentamento dos 6 dias de muita chuva e frio.
Dificuldade tivemos para encontrar o corpo do Massi, só localizado no dia 03 de outubro. Trabalho intenso com apoio da policia militar, bombeiros, aeronáutica, montanhistas e outros voluntários da sociedade civil. Massi tinha altíssimo grau de miopia, com uso obrigatório de óculos e possivelmente os perdeu no impacto, e diante das circunstancias e do desespero, caminhou às cegas na mesma direção do outro corpo que estava próximo do avião, vindo a despencar num precipício de 30 metros. Na autópsia concluíram que falecera no mesmo dia do acidente.

O terceiro

O terceiro caso, de notória repercussão, aconteceu com o Dart Herald da empresa Sadia, com 25 pessoas a bordo e que se acidentou no dia 03 de novembro de 1967 às 9,30 horas da manhã, colidindo com o cume do Morro Negro também conhecido por Carvalho entre o Pico Marumbí e o Morro do Canal.

O Dart Herald que caiu na Serra do Mar paranaense. Fonte Blog Cultura Aeronáutica.

Destroços do Dart Herald que caiu na Serra do Mar em 1967. Fonte Blog Cultura Aeronáutica.

As buscas iniciaram-se imediatamente, pois estava em manobra final de aproximação com o aeroporto de São Jose dos Pinhais, tendo a serra como referência, apesar do tempo totalmente fechado, portanto em vôo cego. Um erro de avaliação cronométrica o fez ricochetear violentamente no referido cume, fato que possibilitou algumas sobrevivências.

A dificuldade inicial foi intuir em que parte da serra estaria. Com certeza na região dos Mananciais da Serra e testemunhos dos moradores da região de Nova Trento indicaram a direção de uma picada para o meio da serra. Em plena ditadura militar houve forte rivalidade entre o chamado grupo especializado em contra insurgência sob a sigla COE versus Corpo de Bombeiros e Montanhistas. O despreparo desse pessoal era tamanho que logo ao escurecer resolveram acampar e esperar pelo amanhecer enquanto ouviam uma sobrevivente bater ininterruptamente na fuselagem da aeronave.
Quando chegamos aos campos de altitude ainda encontramos cinco sobreviventes e constatamos o recente falecimento de duas crianças vítimas de hipotermia. Dentre os vivos estavam o engenheiro Olleg Sciaghin, o operador de rádio Leil Cardoso e o comissário Roberto Monteiro Fonseca que infelizmente não resistiram aos ferimentos. Sobreviveu Silvia Tavares, responsável pelas batidas que perdeu o marido e dois filhos na tragédia e Armando Cajueiro.

Destroços do Dart Herald da Sadia.

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Avião do Carvalho

O quarto

O avião Britten-Norman BN-2. Fonte Wikipedia.

O quarto caso ocorreu em maio de 1977 envolvendo um aparelho Islander, modelo Britten-Norman BN-2, prefixo PT-KUO, fabricado na Inglaterra com 6 lugares, de propriedade da empresa Geofoto, especializado na prospecção de urânio. Pilotado por Roberto Madeiro da Silva de 45 anos, transportava o técnico em eletrônica Ijaide Darian Bezerra de 26 e seus instrumentos.

Vinham acompanhando a costa no sentido norte-sul e soou o alerta quando não chegaram ao destino na hora planejada. As condições atmosféricas favoráveis permitiram sua rápida localização. Caiu sobre um platô virente, entre o Pico da Farinha Seca e a parte superior do Salto dos Macacos. Ilaide foi resgatado com vida, contudo o piloto não conseguiu sobreviver até chegada do helicóptero.

O quinto

O quinto acidente ocorreu em 21 outubro 1979 às 18:16 horas envolvendo um Cessna 172 Skyhawk pilotado por seu proprietário, Paulo Fernando Furlan  de 22 anos, que decolou  de Santos com rumo ao sul e se chocou frontalmente com as encostas rochosas do Agudo do Lontra, que fica imediatamente  ao lado do pico Ciriríca.  Não explodiu nem se incendiou apesar do enorme impacto. O pequeno avião ficou grudado na parede da montanha pouco acima de onde hoje se encontra. O acidente foi presenciado por uma equipe de trabalhadores que estavam montando as antenas defletoras da COPEL no topo do Ciriríca que de imediato acorreram ao local do impacto, mas nada puderam fazer.

Destroços do Cessna 172 estão até hoje na vertente do Agudo do Lontra. Foto Thiago Korb.

O sexto

Embraer EMB-711ST Corisco. Fonte Wikipedia

A sexta tragédia aconteceu em 02 de agosto de 1981 as 16:00 horas. Foi constatado o desaparecimento do EMB (EMBRAER) 711 ST – Corisco II ou Corisco Turbo com empresários vindo de Minas Gerais rumo ao Rio Grande do Sul, sendo Dalson Alves Moreira de 52 anos o piloto proprietário, Elzenir Antunes 52 ou 54 anos e Sebastião Ferreira de Andrade 51 anos, os acompanhantes. O controle aéreo de Curitiba dava a entender que se deveria procurar nas encostas viradas a oeste da imensa Serra do Mar, na sua porção norte. Iniciaram-se intensas buscas com o apoio da enorme aeronave-radar móvel e equipes por terra sem qualquer sucesso por trinta dias consecutivos.

Os familiares dos desaparecidos, em iniciativas particulares, financiaram buscas aéreas e terrestres que também se mostraram infrutíferas até que os destroços foram finalmente localizados acidentalmente, em junho de 1982 na base leste do Pico Guaricana, próximo do Ferraria, por onde desde priscas eras existe uma picada que liga a orla costeira com o primeiro planalto via Bocaiuva do Sul, a antiqüíssima Picada do Cristóvão hoje muito confundida com a Trilha da Conceição.
Dois caçadores ou palmiteiros, nas suas ações clandestinas e predatórias, toparam com os restos do aparelho dentro da floresta que ao colidir com as altas arvores teve suas asas arrancadas, e o corpo do avião se projetado feito um torpedo para dentro da espessa mata sem deixar vestígios. Razão pelas quais os destroços foram tardiamente localizados.

O sétimo

Eurocopter AS332 Super Puma. Fonte Wikipedia

O sétimo registro, envolveu um helicóptero militar Eurocopter AS332 Super Puma, com 8 ocupantes do 8º Grupo de Aviação dos Afonsos que retornavam dos exercícios militares praticados no sul do país e que veio a cair na tarde de 29 de abril  de 1984, na base oeste  do Pico Pelado. Obviamente a FAB (Força Aérea Brasileira) manteve silencio sobre o acidente, mas no dia seguinte quem estava na serra percebeu o movimento anormal de um helicóptero vasculhando as encostas a procura de indícios do acidente. Imediatamente determinamos sua localização quando iniciaram o resgate dos acidentados e alcançamos a área.

O Oitavo

O oitavo caso aconteceu no dia 24 de setembro de 1991 com um Piper PA-34 Sêneca II pilotado Renato Righeso de 27 anos e Leonardo Pinheiro de 22, também piloto em busca de horas de vôo. Partiram do aeroporto do Bacacheri com rumo a Paranaguá exclusivamente para um vôo de checkup, sem pouso e imediato retorno.

Piper PA-34 Sêneca II. Fonte Wikipedia

Com a serra fechada e a falta do ajuste no altímetro, bateram de frente nas rochas do Gigante. Este choque lembra o caso do NA aqui relatado no Véu de Noiva, que por poucos metros teria se safado. Bateram no lado leste do Pico do Gigante. Incrivelmente, apesar do brutal impacto em plena velocidade, o aparelho não explodiu e nem se incendiou, mas encapsulou os dois corpos no alumínio. Os dois motores projetaram-se a frente, ultrapassando o topo do morro.

Uma vez localizado o aparelho, a aeronáutica não permitiu a aproximação dos bombeiros e dos montanhistas, fazendo o resgate com helicóptero e afirmando que o aparelho se incendiara, destruindo tudo e ainda houve a predação dos corpos pelos animais selvagens.
As informações “oficiais” não nos convenceram e partimos em expedição conjunta com bombeiros e montanhistas para constatar as flagrantes inverdades. Os corpos estavam no local, praticamente inteiros, que foram enterradas em Curitiba com apenas algumas partes faltando.
Para nossa garantia filmamos toda a operação de resgate.

O nono

Finalmente o nono acontecimento foi no dia 30 de novembro 1992 as 18:l6 horas com um Aero Boero AB-115, pequeno avião de fabricação argentina, que partiu do Bacacheri em direção a Paranaguá onde o piloto e instrutor Aparício Fernando  Perine de 36 anos resolveu brindar  seu aluno Jaime Borges Vieira de 30, para  visitar seus pais que ali residiam.

Aero Boero AB-115. Fonte Wikipedia

Decolaram para uma travessia linear perpendicular à linha de cumeadas com a serra totalmente encoberta. Pressentindo o acidente, uma vez que não alcançaram Paranaguá, procuramos informações junto ao aeroclube, e depois com conhecimento do alinhamento adotado pelo piloto, pudemos restringir a área da possível queda a região do Pico do Leão.

Apesar da total obstrução de informes por parte do Corpo de Bombeiros, que até forneceram falsos azimutes, e mesmo com as condições atmosféricas instáveis, conseguimos localiza-lo no topo do Pico Bandeirantes, onde alcançamos os destroços do avião com os corpos sendo removidos por helicóptero.
Posteriormente, no resgate dos destroços do aparelho via aérea, acabaram por derrubar uma das asas que hoje enfeita o Pico do Pelado.

Destroços do Aero-Boero AB-115 no cume do Pelado

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Sobre o autor

VITAMINA – Henrique Paulo Schmidlin Como outros jovens da geração alemã de Curitiba dos anos de 1940, Henrique Paulo foi conhecer o Marumbi, escalou, e voltou uma, duas, muitas vezes. Tornou-se um dos mais completos escaladores das montanhas paranaenses. Alinhou-se entre os melhores escaladores de rocha de sua época e participou da abertura de vias que se tornaram clássicas, como a Passagem Oeste do Abrolhos e a Fenda Y, a primeira grande parede da face norte da Esfinge, cuja dificuldade técnica é respeitada ainda hoje, mesmo com emprego de modernos equipamentos. É dono de imenso currículo de primeiras chegadas em montanhas de nossas serras. De espírito inventivo, desenvolveu ferramentas, mochilas, sacos de dormir. Confeccionou suas próprias roupas para varar mata fechada, em lona grossa e forte, cheia de bolsos estratégicos para bússola, cadernetas, etc. Criou e incentivou várias modalidades esportivas serranas, destacando-se as provas Corrida Marumbi Morretes, Marumbi Orienteering, Corridas de Caiaques e Botes no Nhundiaquara, entre outras. Pratica vôo livre, paraglider. É uma fonte de referências. Aventureiro inveterado, viaja sempre com um caderninho na mão, onde anota e faz croquis detalhados. Documenta suas viagens e depois as encaderna meticulosamente. Dentro da tradição marumbinista foi batizado por Vitamina, por estar sempre roendo cenoura e outros energéticos naturais. É dono de grande resistência física e grande companheiro de aventuras serranas. Henrique Paulo Schmidlin nasceu em 7 de outubro de 1930, é advogado e por mais de uma década foi Curador do Patrimônio Natural do Paraná. Pela soma de sua biografia e personalidade, fundiu-se ao cargo, tornando-se ele próprio patrimônio do Estado, que lhe concedeu o título de Cidadão Benemérito do Paraná.

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