GPS na montanha

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O GPS é uma ferramenta de localização e navegação que revolucionou as atividades ao ar livre. Entretanto no meio montanhístico muito gente torce o nariz para o aparelhinho. São várias as acusações. Vou falar o que eu penso sobre o assunto.


Até pouquissimo tempo atrás, os aparelhos de GPS eram caríssimos e uma porcaria. Consumiam muita pilha, não funcionavam dentro de mata fechada e eram muito imprecisos. Entretanto, de dois anos para cá, com a chegada da nova geração de aparelhos tudo isso mudou e hoje podemos comprar aparelhos muito melhores e mais baratos comparado com o que era.

Hoje, com 800 reais pode-se comprar um GPS que pega dentro de uma floresta com precisão de até 10 metros (até 3 em locais abertos!), com autonomia de 15 horas com apenas duas pilhas AA, ou seja, os novos aparelhos de GPS se adaptaram à realidade das montanhas brasileiras e dos brasileiros.

Mesmo assim muita gente odeia estes aparelhinhos tão práticos e interessantes para quem faz montanha. Vou citar os argumentos mais comuns, falados pela turma anti-tecnologia e o que eu acho deles. É minha opinião pessoal baseada em minhas experiências. Quem discordar que argumente comentando esta coluna.

Fim da Aventura?

Dizem que com o GPS não há mais aventura, pois ele facilita muito a navegação. Concordo parcialmente com este argumento, pois ele de fato facilita a navegação. Entretanto, de maneira alguma, a trilha ou escalada vai ser nem mais nem menos interessante só por que você tem um GPS. Trilhas por si já são muito mais apelativas do que possuir um GPS, pois eles são demarcadas, ora por seu traçado, ora por fitas, em locais onde a mata é muito fechada.

Não vou falar sobre trilhas com traçado definido, pois nelas ter o GPS é um luxo apenas para saber onde você está e quanto tempo falta para terminar, vou direto no ponto: As trilhas fechadas.

Na minha opinião andar com um GPS em uma trilha fechada na floresta não é mais fácil do que sem, pois neste caso não há trilha real, o que significa que você terá que interpretar a paisagem e procurar nela um melhor local para se locomover. Isso acontece por que nestes ambientes fechados a natureza é muito estática e de tempos em tempos tudo por lá muda. É o caso da Serra do Mar do Paraná, onde uma árvore caindo pode confundir toda uma trilha fechada, o que faz com que a interpretação seja sempre essencial.

Neste mesmo caso, o que facilita mais: Ter uma trilha demarcada no GPS, ou ter a trilha demarcada com fitas? Para quem nunca foi ao local, certamente as fitas, pois é uma prova real de alguém esteve lá e demarcou o local que passou. No GPS sabemos que estamos indo para o local correto, mas não da mesma maneira que a pessoa que demarcou no tracklog, pois por mais que o sistema tenha avançado, em mata fechada estes 10 metros de erro te deixa fora da trilha.

Em seguida, em minha opinião, eu acho que este argumento é inválido pois o desafio do montanhismo continua existindo, que é subir a montanha. O GPS não sobe para você e nem irá deixar a trilha mais curta.

O GPS permite que pessoas despreparadas vão para a montanha, aumentando o afluxo de pessoas?

Este é um argumento também acho que não faz sentido, primeiramente é dificil de se comprovar se desde que o GPS foi popularizado houve ou não um maior afluxo de pessoas nas montanhas, pois não há pesquisas sobre isso.

Por minha experiência dentro do maior clube de montanhismo do Estado do Paraná e de de 10 anos de montanhas, é muito raro, ainda, encontrar alguém em uma trilha com um aparelhinho.

Não vejo problemas que pessoas sem preparo e sem experiência usem um GPS na montanha, vejo até algo positivo, pois se algo der errado com estas pessoas, eles poderam retornar sem precisar de mobilizar uma equipe de resgate para encontrá-los perdidos no mato. Pessoas que sofrerem algum acidente, poderão dizer a coordenada em que se encontram e facilitar muito a equipe de socorro. Não acho que isso seja o fim de uma aventura, pois os riscos são os mesmo, o que muda é no caso de uma emergência, o socorro chegará mais rápido. Este é um ponto muito positivo no sistema, o aumento da segurança.

GPS como segurança

Certa vez, escalando o Vulcão Incahuasi na Argentina, que é um dos maiores do mundo, fui surpreendido por uma tormenta de neve que produziu um terrivel “white out” quando eu estava perto do cume. Se não fosse pelo GPS, eu teria descido pelo lado errado da montanha e poderia ter me dado muito mal.

Esta é uma das função mais interessantes do aparelho, usar o Trackback, que é voltar pelo mesmo caminho que você foi. Imagine a situação que eu vivi naquele momento, cansado, com frio e perdido. Não é à toa que gosto tanto de meu GPS.

Muita gente pode não concordar com isso, mas aumentar a segurança não significa o fim do risco e nem o fim da aventura. Esta não foi a única vez que o GPS me ajudou, mas foi a vez em que me livrei da situação mais perigosa. Só é contra o sistema para uso em caso de segurança quem nunca viveu uma situação de aventura extrema. E quem não viveu uma aventura extrema como pode falar de fim de aventura?

Objetividade

Muitas vezes a aproximação é um detalhe da escalada. Navegar por uma trilha desconhecida pode levar tempo e um tempo precioso para quem vai fazer uma escalada técnica onde é preciso ser rápido. Saber onde fica a base da via e os rapéis ajuda muito nestes casos. O GPS te diz onde estão estes lugares de maneira muito mais objetiva, mas não te põe no cume da montanha.

Mapeamento

Um coisa muito interessante é que depois que você chegou em casa poderá saber onde esteve na montanha. A confecção de mapas é uma possibilidade com o GPS e isso não significa que vai incentivar que mais pessoas vão para a montanha, pois os melhores mapas já existem há muito tempo: As cartas topográficas.

Eu não acredito que a sobreposição de um tracklog com uma imagem do Google vai influenciar pessoas não montanhistas de irem à montanha, pois não é mapa que leva as pessoas à montanha, mas sim a vontade e o espirito de aventura.

O que mais incentiva alguém em subir uma montanha não é ver ela pelo computador, senão não estaríamos discutindo em lista pública a decadência da escalada no Brasil, mas sim a própria experiência em ver as montanhas de baixo e sonhar em um dia estar lá em cima.

Por fim acredito que o GPS só veio à contribuir com o montanhismo, da mesma maneira que a invenção de sapatilhas para a escalada esportivas, dos Camalots, para escalada tradicional, das cadeirinhas, dos anoraks de Gore-tex, dos fogareiros, etc, etc, etc.

Isso sem falar que com a ajuda de um GPS, escaladas em estilo alpino se tornam mais atrativas, pois nelas precisamos de objetividade e uma margem de segurança, para no caso de um resgate. O GPS contribui muito com isso, possibilitando um avanço técnico na escalada e não um retrocesso.

Hoje com todos os avanços tecnológicos, com equipamentos leves, compactos e com mais segurança, a escalada em estilo alpino avançou bastante, isso sim está comprovado! Não é a era em que a farofada consegue as informações para “invadir” a montanha, mas sim a era da escalada técnica, por sua conta e risco e com muita aventura.

Veja mais:

Tudo sobre GPS – Artigo completo sobre GPS de minha autoria no Gentedemontanha.com
Arquivos de GPS – Banco de dados com algumas trilhas para GPS Garmin de Tacio Philip


Pedro Hauck, colunista do Altamontanha.com é também dono e editor do site Gentedemontanha e tem apoio de Botas Nômade.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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