Juanito parte pra porrada

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Juanito Oiarzabal é o maior recordista de ascensões à montanha de 8 mil metros do mundo e um dos mais polêmicos montanhistas também.


Por Rodrigo Granzotto Peron

QUEM É JUANITO OIARZABAL?

Nascido em Vitória-Gasteiz em 1956, o basco Juan Eusébio Oiarzabal Urtaga (ou, simplesmente, Juanito Oiarzabal) é um dos alpinistas espanhóis mais conhecidos. Concluiu os 14 cumes 8000 em 29.04.1999. Fez cume novamente no Everest, em 2001, para “limpar” a primeira subida, que havia sido com oxigênio engarrafado, e, assim, tornou-se o 6º escalador com todos os 14, e o 3º a culminar todos sem o uso de oxigênio.

Apaixonado pelas montanhas 8000, continuou escalando, e culminou nos dois anos seguintes o Cho Oyu (3x, 2002, 2003 e 2003), e ambos os Gasherbrum (2003). Com essas ascensões, tomou o recorde anterior, que era de Ang Rita Sherpa (NEP), e passou a ser o primeiro alpinista a ter subido 20x8000ers. Após afastamento temporário, retornou em 2008 com um projeto ambicioso: ser o primeiro montanhista a fechar os 14 cumes 8000 por duas vezes – 2x14x8000. Nessa segunda coleta de picos 8000, Juanito já fez nove: Everest, K2, Kangchenjunga, Lhotse, Makalu, Cho Oyu, Annapurna, G1 e G2. Faltam-lhe, apenas, Dhaulaghiri, Manaslu, Nanga Parbat, Broad Peak e Shishapangma. O famoso alpinista basco pretende concluir todos até 2013, e assim se aposentar com um currículo invejável de 30 cumes 8000, e tendo pisado no topo de cada um pelo menos duas vezes.

UMA CARREIRA POLÊMICA

Apesar do sucesso, Juanito é também um dos montanhistas mais polêmicos e explosivos que já escalaram os altos cumes da Ásia, e sua carreira é cheia de incidentes e encontros imediatos com a morte.

Em 1996, tentando o Shishapangma, sofreu uma avalanche em decorrência da qual teve sérios ferimentos pelo corpo todo, e que lhe deixaram “de molho” por vários meses. Em 2000, tentando a Face Sudoeste do Everest, sofreu frostbites no nariz e nas bochechas.

Em sua segunda epopeia no K2, em 2004, atingiu o cume sozinho, mas passou mal na descida. Enfraquecido no meio da nevasca e cegado pelo whiteout, foi encontrado semi-consciente e caído no gelo por seu parceiro Ferrán Latorre (que abdicou do ataque ao cimo para ajudar Juanito). Conseguiu ser retirado da montanha com vida, mas sofreu frostbites terríveis e teve que amputar todos os dedos dos pés. Chegou a anunciar a aposentadoria: “Aqui me dei conta de que já não me encontro nem física nem mentalmente preparado para seguir com isso, para enfrentar esse tipo de desafio. Conto com a maior quantidade de cumes 8000 escalados, 21, é uma cifra mais do que suficiente” (Desnível, 2006).

Em 2008, no Makalu, agravou suas feridas nos pés, sofrendo novos frostbites, e tendo que passar por novo tratamento. Em 2010, nova polêmica circundou o montanhista. Fez cume novamente no Annapurna, mas saiu da montanha de helicóptero. Ou seja, ao invés de descer pelos métodos normais, aproveitou que um helicóptero estava pousado a 7000 metros, na procura por alpinistas desaparecidos, e “tomou um carona”. Foi duramente criticado por boa parte da imprensa, que não aceita a conquista dele no Annapurna.

As piores polêmicas envolvendo Juanito, contudo, não são dentro da montanha, mas fora dela. De temperamento forte e personalidade difícil, o espanhol se envolveu em discussões, brigas e polêmicas com seus companheiros e com a imprensa ao longo dos tempos. Como não tem papas na língua, diversas de suas declarações foram incompreendidas ou exageradas, e ele teve que múltiplas vezes se desculpar, se justificar ou se defender. A imprensa espanhola, ávida por fofocas e escândalos, obviamente o adora, pois praticamente todo ano tem matéria bombástica envolvendo Juanito.

CONFUSÃO NO LHOTSE 2011

No dia 21 de maio de 2011, uma grande onda de alpinistas fez cume no Lhotse. Segundo informes iniciais, pisaram no cume, dentre outros, Carlos Soria (ESP, 72 anos, o mais idoso a culminar o Lhotse), Muktu Lhakpa Sherpa (NEP), Alexander Holt (UK), Gavi Vickers (AUS), Sange Sherpa (NEP), Dorje Sherpa (NEP), Chewang Lendu Sherpa (NEP, 6x Lhotse, um recorde), Pemba Dorje Sherpa (NEP), Mark Postle (EUA), Simon Arnsby (EUA), Carlos Pauner (ESP), Juanjo Garra (ESP), Javier Pérez (ESP), Miguel Angel Perez (ESP), Norbu Sherpa (NEP), Zsolt Eross (HUN), László Gal (HUN), Mehdi Amidi (IRÃ), Lolo González (ESP), Roberto Rodrigo (ESP) e Isabel Garcia (ESP). Além desses todos, Juanito Oiarzabal, que, com a conquista do Lhotse pela segunda fez, passou a ter no currículo 25 picos 8000, um número impressionante.

Na descida, confusão. Os espanhóis tiveram dificuldades no descenso, e logo problemas começaram a surgir. Lolo González “desapareceu”, e não retornou ao acampamento 4 (8000 metros). Foi avistado, caído na neve, na manhã seguinte, pelos sherpas da HiMex (empresa australiana de montanhismo guiado). O resgate, que salvou a vida do espanhol, foi feito pelos guias de alpinismo argentinos Damián Benegas e Matoco Erroz (da empresa de montanhismo guiado Patagonian Brothers), juntamente com vários sherpas. Outros sherpas da Patagonian Brothers e da HiMex auxiliaram, ainda, Carlos Pauner, Javier Pérez, Juanjo Garra, Roberto Rodrigo e Isabel Garcia. No dia 22 de maio, foram evacuados do Campo 2 (6500m), de helicóptero, tanto Roberto Rodrigo quanto Lolo González. Os demais desceram auxiliados por sherpas, após terem sido medicados com oxigênio e com dexametasona (vulgo “dex”, droga que ameniza os efeitos dos edemas cerebral e pulmonar, decorrentes do mal agudo de altitude). Juanito teve que ser carregado de maca dos 6000 metros até o acampamento-base (5300 metros), atravessando toda a cascata de gelo, pelos sherpas que foram enviados pela equipe de Edurne Pasaban.

No dia 25 de maio, foi feito um comunicado oficial por parte da HiMex, narrando os acontecimentos durante o resgate dos espanhóis. O líder da expedição e dono da empresa mais poderosa que opera no Everest – Russell Brice – deu a seguinte declaração: “Estou profundamente desapontado que um grupo de alpinistas tão experientes e com tanto conhecimento sobre os 8000 tenha se envolvido em situação como a presente no Lhotse, onde agiram com profunda falta de profissionalismo e etiqueta”. O líder e dono da Patagonian Brothers, o argentino Willy Benegas (11 cumes no Everest) acrescentou: “Como alpinistas, aceitamos riscos, mas cada pessoa tem que ter responsabilidade por si mesmo e não colocar os outros em risco. No presente caso, as decisões tomadas pelo grupo resgatado, que se denominam profissionais, acabou colocando em grande risco de vida centenas de pessoas”. E a famosa montanhista espanhola Edurne Pasaban vaticinou: “Um ano depois a história se repete, com a exceção que desta vez a rápida atuação das tão criticadas empresas comerciais evitou outra tragédia. Esperamos que todos aprendam com esses eventos e que isso não se repita novamente”.

JUANITO PARTE PRA PORRADA

O comunicado reverberou nos principais meios de comunicação espanhóis, e começou uma chuva torrencial de críticas, principalmente direcionadas a Juanito, o que o motivou a fazer uma réplica no dia 1º de junho, defendendo-se das acusações. Em meio a vários trechos inflamados, o basco afirmou que “faltam com a verdade os que dizem que fui resgatado no acampamento IV e os que me acusam de haver colocado meus companheiros em perigo”, e sentenciou: “Não coloquei ninguém em perigo”.

No final de seu comunicado, alfinetou Russell Brice e Willie Benegas: “A respeito das críticas que me foram feitas [de falta de profissionalismo e de ética]tenho a dizer que o único dado objetivo para dirimir a questão é o histórico esportivo, e nesse particular, não fico nada a dever a essa pessoa. A respeito do segundo ponto, me parece paradoxal. Porque não deixa de ser um paradoxo que um dos maiores responsáveis por haver montado um circo no Everest, simplesmente para enriquecer, de haver convertido a montanha mais alta do planeta na mais vulgar, de levar toneladas de material e de garrafas de oxigênio, que estão boa parte largadas pelos locais dos acampamentos do Everest, venha tentar dar lições de ética a partir de uma suposta superioridade moral que, desde logo, não a reconheço. O exato oposto à ética da montanha é precisamente o que ele tem feito em seu negócio”.

No dia seguinte – 2 de junho – Juanito atacou Edurne Pasaban: “Li as notícias publicadas sobre o ocorrido e elas induzem a crer que a equipe de Edurne participou do resgate, quando eu expliquei que isso é completamente falso. Também que implicou em quase 50 pessoas auxiliando, o que é um exagero. O pior é que Edurne afirma que o acidente decidiu o final de sua expedição e que eles salvaram três vidas, e tudo isso é uma mentira”. Atacando a famosa espanhola, Juanito a chamou de mentirosa, e falou que se nega a dizer amém à “princesa do povo”.

Entrevistada pelo site Desnível, em 3 de junho, Edurne defendeu-se das farpas atiradas pelo basco: “Acreditas que Juanito Oiarzabal tem direito de me retratar como ele fez em seu comunicado? Segundo o que constou do comunicado, parece que eu não fiz cume para me dedicar ao resgate”. Por fim, politicamente correta, apenas lamentou: “O que aconteceu nos últimos dias me causa dor, porque o esporte não é assim, estamos passando uma imagem muito ruim, não apenas em nosso país, mas no exterior também. As coisas não podem ser feitas dessa maneira, porque nosso esporte tem valores bem distintos daqueles que estão sendo divulgados na imprensa”.

As relações entre Edurne e Juanito, ao longo dos anos, foi de altos e baixos. Várias vezes brigaram, e até haviam deixado de se falar durante vários anos. Reconciliaram-se recentemente, mas aparentemente o relacionamento novamente foi abalado.

Infelizmente, por qualquer ótica que se olhe, o resgate no Lhotse 2011 e a polêmica que emergiu na última semana é uma séria mácula no alpinismo espanhol.

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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