Ayesha Zangaro anuncia seus planos para 2014

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Ayesha Zangaro é uma das figuras mais queridas e carismáticas do montanhismo brasileiro. Tendo iniciado muito cedo, hoje já acumula um currículo interessante e está em busca dos Setes Cumes. Na presente entrevista, ela fala um pouco sobre o passado, outro pouco sobre o futuro, e revela seus planos para 2014.

por Rodrigo Granzotto Peron
 
O Perfil
 
Nome: Ayesha Zangaro
Data de nascimento: 6 de Setembro de 1994
Local de nascimento: São José dos Campos (SP)
Filiação: Renato e Lyss Zangaro
Currículo: cumes no Kala Pattar (2010), Chukung Ri (2010), Khunde (2010), Kilimanjaro (2011), Bonete de Aconcágua (2012), Aconcágua (2012) e Elbrus (2013).
Recordes: Brasileiro mais jovem a culminar o Kilimanjaro e o Elbrus.
 
A entrevista
 
P: Primeiramente, parabéns por todas as suas conquistas até o momento e por ser uma inspiração para muitos escaladores que estão começando agora. Para os leitores que ainda não a conhecem, poderias fazer uma pequena apresentação? Quem é Ayesha Zangaro?
 
R: Bom, sou de São José dos Campos, interior de São Paulo, tenho 19 anos e faço Graduação em Dança pela Unicamp. Atualmente, moro em Campinas por causa da faculdade e dedico grande parte do meu tempo à dança. Já estive em quatro dos grandes continentes e em uma dessas viagens acabei sendo picada pelo bichinho da montanha, rs. Acredito na vida como movimento e faço meus planos sempre com isso em mente.
 
P: Por falar nisso, como e quando iniciou essa sua paixão pelo montanhismo?
 
R: Em 2010, participei de trekking ao campo-base do Everest, organizado pelos meus pais, e acabei entrando em contato com todo esse universo do montanhismo. A proximidade com toda a magia da Cordilheira do Himalaia definitivamente mexeu comigo, e acabou por despertar essa paixão e alguns sonhos pro futuro. Viajei com pessoas muito envolvidas com essa atividade [os guias eram o Manoel Morgado e a Andrea Cardona, da Guatemala]e tive muita sorte em poder aprender tanto com os sherpas e o grupo da expedição… O Nepal me encantou de diversas maneiras, foi meu primeiro contato com a cultura oriental e ao pisar em Kathmandu o clima de tudo já me pareceu diferente. Cores, sensações, cheiros, sorrisos, vivi tudo isso de maneira muito intensa nos 20 e poucos dias que passei lá.
 
P: Em 2011, veio o Kilimanjaro. E como foi essa expedição?
 
R: Foi minha primeira montanha de verdade né? Foi outra experiência sensacional! Primeira vez pisando em continente africano e absolutamente me apaixonei pela cultura de lá! Sofri bastante com o dia de cume, ou melhor com a noite… Nunca tinha caminhado no escuro, ainda mais em altitude e com um frio tão intenso. Não sabia ajustar mochilas e botas direito, que horas tinha que parar para comer ou para beber água, quanto tempo tinha que parar para descansar, etc. Tinha 16 anos e todos os sonhos do mundo dentro de mim, fui com um grupo pequeno e muito querido! Dois amigos da Guatemala, a Andrea Cardona e meus pais, tenho lembranças muito boas dessa expedição!
 
P: No Kilimanjaro, você tornou-se a brasileira mais jovem a culminar a montanha. Também no Elbrus você é a brasileira de menor idade a ter feito cume. As pessoas te tratam de forma diferente pela idade? Em algum momento sentisse algum preconceito no meio alpinístico por conta da idade?
 
R: Não sei se diria preconceito! Mas já senti muitos olhares esquisitos, de gente se perguntando o que eu estava fazendo ali e mais gente ainda se surpreendendo quando me encontravam de novo em lugares mais altos. E uma vez no Aconcágua, os médicos de Confluência me falaram que não era recomendado que eu continuasse, porque até 18 anos as pessoas têm mais chances de desenvolver problemas de altitude, como os edemas… Mas já aprendi a lidar com muitos desses comentários e conheço bem quais conselhos são válidos e quais não devo prestar a atenção.
 
P: Em 2012, você escalou o Aconcágua. Como foi essa expedição?
 
R: Definitivamente foi uma montanha dura. A paisagem sem muitos atrativos, aquele monte de pedra e poeira acumulando em todas as roupas e equipamentos, a caminhada exaustiva pela Playa Ancha e a maior altitude que já enfrentei. Foi uma experiência memorável! Foi quando mais me surpreendi com a força interior que carregamos em  nós, quando vi que nossa mente nos leva muito longe se conseguirmos lidar bem com ela… No dia de cume, meu corpo já não tinha mais tantas condições de ir a lugar algum depois de 8h caminhando, mas ainda tinham mais algumas horas e com essa energia interna consegui administrar meu caminho até o cume e de volta para o acampamento. Foi uma expedição de gente grande, rs.
 
P: Aproveitando, como é o teu processo de aclimatação à altitude? Tens dificuldades no ar rarefeito ou teu corpo se acostuma bem?
 
R: Até agora não identifiquei nenhum problema com altitude! Claro que a falta de oxigênio me afeta, principalmente depois dos 6000m, afinal como não afetar né? Mas nunca tive mal de altitude ou outras coisas do tipo… O que sempre me acontece é que passo mal quando estou chegando nas altitudes mais baixas… acho que meu corpo relaxa e toda a tensão e expectativa de toda a expedição acaba comigo, rs. Mas nada que uma cama e um chuveiro não resolvam hahaha!
 
P: Continuando sua história, em 2013 você rumou ao Elbrus. Conte um pouco sobre essa expedição.
 
R: 2013 foi meu segundo ano indo para o Elbrus! Em 2012, tínhamos ido, mas por causa de más condições climáticas + um preparo emocional e físico mal feito acabei tendo que descer quando o sol ainda nem tinha nascido. Em 2013, a experiência já foi diferente. Passamos alguns dias em Terskol, fazendo caminhadas de aclimatação e passeando pela vila e depois fomos até os barrels, já na base do vulcão. Lá em cima fizemos mais algumas caminhadas e saímos em uma madrugada de bom tempo para tentar chegar ao cume. Quando descemos do snow cat que nos levou dos barrels até um pouco mais em cima, fiquei com medo da cena do último ano se repetir. O vento soprava forte e levantava neve do chão, fazendo uma grande confusão embaçada na frente dos nossos óculos. Mas dessa vez a neve não estava profunda e conseguimos sair caminhando em um bom ritmo. Depois de algumas horas, muitos tombos e deslizadas, os dedos formigando de frio dentro das botas duplas, um nascer do sol maravilhoso e a distante visão do cume se aproximando, cheguei no topo da Europa! Foi muito gratificante colocar os pés lá no cume e poder ver um pouco do velho continente de cima…
 
P: À propósito, como são tuas relações com os demais brasileiros que também estão tentando os Sete Cumes ou que já finalizaram o projeto?
 
R: Os contatos mais próximos que tenho são com o Carlos Santalena, que é quase meu vizinho, rs, e com o Manoel [Morgado], com quem já viajei duas vezes. Além deles, só conheço pessoalmente a Cleo [Weidlich], com quem tive uma simpatia muito grande na única vez que nos encontramos! Por redes sociais, acompanho quase todos e principalmente a Karina [Oliani] e o Rosier [Alexandre] que têm divulgado bastante os seus projetos. Tenho uma grande admiração por todos eles na verdade, a maioria possui uma boa vivência na montanha e fora dela e é muito interessante saber o que eles pensam e como encaram todos os desafios desse esporte…
 
P: As três montanhas já conquistadas dentro dos Sete Cumes foram na companhia de teu pai (Renato) e tua mãe (Lyss). Como é escalar em família? E qual a sensação de fazer cume na companhia de teus pais?
 
R: Olha, nunca escalei sem eles! Não sei dizer como seria fazer tudo isso sozinha… Mas ter a certeza que eles estão do meu lado nesses ambientes tão inóspitos me dá uma segurança enorme. Claro que existe o outro lado também… Nenhum de nós três temos o mesmo ritmo de caminhada e a não ser que seja nossa vontade, respeitamos os ritmos e não fazemos questão de estarmos sempre juntos… Existe uma preocupação uns com os outros e sempre aquela questão, se um de nós tiver que voltar, voltaremos juntos? É um grande desafio, como qualquer outra relação que existe no montanhismo, mas sinto que a cada viagem nossos laços se tornam mais e mais fortes…
 
P: E, após essas conquistas, quais são os teus planos para 2014?
 
R: Estou com a viagem para a Papua Nova Guiné marcada pra Junho deste ano! Vou tentar escalar o Carstensz e conhecer a Oceania… Passaremos 20 dias pelas bandas de lá e só Deus sabe o que vamos encontrar, rs!
 
P: E, um pouco mais adiante, já tens algum cronograma de quais serão as montanhas tentadas nos próximos anos e mais ou menos em que data pretendes completar os Sete Cumes?
 
R: Cronograma certo mesmo, não tenho… Tem sido meio difícil conciliar as viagens com a faculdade, por causa de faltas, conteúdos perdidos, etc! Mas tenho vontade de ir até o Ojos de Salado, na Argentina, quero conhecer a Guatemala e as montanhas de lá, fazer alguns trekkings pelos Andes e, quando sentir que estou pronta, encarar o Denali, o Vinson e o Everest… Mas isso um pouco mais pra frente… 
 
P: Qual livro de montanhismo recomendas para quem está começando?
 
R: Acho que vou citar todos que já li, rs! Gostei muito de ler "Fantasmas do Everest" de Jochen Hemmleb, que relata um pouco das primeiras expedições que foram até o Everest, "No Ar Rarefeito", "Sobre Homens e Montanhas" e "Na Natureza Selvagem", de Jon Krakauer, "Sonhos Verticais", de Manoel Morgado, "Sin Limites", Andrea Cardona, "A Escalada", de Anatoli Boukrev e "K2", de Ed Viesturs e David Roberts.
 
P: Algum alpinista, nacional ou estrangeiro, é teu ídolo, tua inspiração?
 
R.: Tenho três grandes inspirações, todas são mulheres! Gerlinde Kaltenbrunner, a austríaca que completou os 14 8 mil sem oxigênio suplementar, pela sua força sem tamanho, Andrea Cardona, que foi a primeira pessoa que despertou em mim toda essa vontade de sair pelo mundo, conhecer novos sonhos e buscar o que eu quero independente das adversidades que encontro por aí! E por último, mas não menos importante, minha mãe… talvez ela não se enquadre bem nessa categoria de alpinista, mas a força de vontade que emana desse ser pra mim é extraordinário… 
 
P: Ayesha, muito obrigado pela paciência e pela entrevista.
 
 
Rodrigo Granzotto Peron
Finalização do texto: 17-4-2014
 
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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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