A aventura brasileira de luto

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No dia 14 de dezembro de 2012, os franceses ficaram de luto por Maurice Herzog, um dos maiores alpinistas de todos os tempos, primeiro homem a escalar uma montanha com mais de oito mil metros, o Annapurna em 1950. Herzog faleceu aos 93 anos e se tornou ídolo nacional não apenas por suas proezas nas montanhas, mas por sua dedicação ao fomento dos esportes em seu país. Poucos dias depois, na madrugada do dia 17, foi a vez dos brasileiros perderem um dos mais conceituados nomes das Atividades ao Ar Livre do Brasil: Carlos Zaith, para muitos, o maior ícone da Aventura nacional.

 

Após décadas de ousadia, suspenso por cordas em penhascos verticais, nosso guerreiro foi vítima de um câncer fulminante e faleceu no Hospital das Clínicas de São Paulo menos de um mês após descobrir a doença.
 
O R.G. do paulista Carlos Alberto de Oliveira (“Zaith”) marcava apenas 53 anos, mas seu espírito era ainda mais jovem. Se considerarmos o seu brilho, a sua determinação, a sua envergadura como atleta e o conjunto de sua obra – 30 anos de empreitadas corajosas e ininterruptas ações em prol do Ecoturismo e da Aventura nacional -, vemos que Zaith foi um Herzog brazuca.
 
Pena que em nosso país tais segmentos ainda não tenham a mesma valorização que na Europa, caso contrário 190 milhões de brasileiros invadiriam as ruas para se despedir do nosso aventureiro. Afinal, Zaith era como um Ayrton Senna da Aventura, cativava a todos com seu sorriso contagiante, ética, humildade e competência “dentro e fora das pistas”, fosse em uma difícil expedição, um workshop ou uma exaustiva reunião com autoridades públicas.
 
Rápido exemplo, além das centenas de mensagens póstumas em seu Facebook deixadas por uma legião de fãs, vários renomados aventureiros postaram em suas páginas pessoais declarações de tristeza e admiração, revezando com emoção palavras que só poderiam ser dedicadas a seres especiais: “perda irreparável”, “inspirador”, “professor”, “vanguardista”, “grande exemplo”, “valores nobres”, “coração grande”, “ultracompetente”, “astral fantástico”, “exemplo de simplicidade”, “talentoso”, “pioneiro em muitos sentidos”, etc.
 
Apaixonado pela Aventura, Zaith foi fantástico em tudo que fez, artista talentoso, espetacular fotógrafo, grande espeleólogo, precursor do Canionismo brasileiro e um dos maiores responsáveis pela consolidação dos segmentos Aventura e Ecoturismo no Brasil. 
 
ARTISTA GRÁFICO E FOTÓGRAFO
 
Artista gráfico desde 1975, formado em 1984 pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, Zaith realizou diversos trabalhos na área para agências de publicidade e editoras, mas ganhou fama graças ao seu pioneiro trabalho como fotógrafo de Aventura e Natureza, em uma época em que mal se ouvia falar destes segmentos mesmo em outros países.
 
Fotógrafo desde 1982, premiado em concursos, foi um dos maiores divulgadores das Atividades ao Ar Livre no Brasil, publicando fotos e artigos de Ecoturismo e Aventura em centenas de mídias (foram mais de 300 matérias próprias ou com sua participação apenas sobre a cidade de Brotas).  Com maestria e sensibilidade, inspirou inúmeros fotógrafos com suas imagens, com destaque para suas belas fotos de cavernas.
 
ESPELEÓLOGO E CANIONISTA
 
Zaith iniciou-se na espeleologia em 1981, trabalhando durante anos na exploração, mapeamento e registro das principais cavernas e províncias espeleológicas do país – entrou para a Sociedade Brasileira de Espeleologia em 1987 e fez parte de sua diretoria de 1989 até 1991.
 
Com um grupo de espeleólogos, em 1989 foi um dos precursores do Canionismo no Brasil, ao realizar explorações de rios e cânions isolados com o uso de equipamentos e técnicas próprias do novo esporte que despontava nas páginas de algumas revistas estrangeiras. Na época, o “mundo anfíbio”, como gostava de chamar a atividade, era contestado por escaladores e até por outros espeleólogos.
 
Fato inquestionável, foi o maior divulgador do Canionismo em nossas terras. Com um raro conhecimento dos cânions e de suas “águas brancas”, Zaith explorou grandes cachoeiras e os principais rios em gargantas de 12 estados brasileiros – seu projeto “H2Omem” gerou um cadastro com mais de cinco mil quedas d’água e 300 cânions nacionais.
 
Em 1994 instituiu o primeiro curso de Canionismo do país e em 1996 participou da primeira descida da grandiosa Cachoeira da Fumaça (340 m, a maior em queda livre do Brasil – Chapada Diamantina – BA), um dos principais marcos da atividade no país, expedição que deu grande impulso ao esporte graças à divulgação obtida.
 
No ano 2000 ajudou a fundar a Associação Brasileira de Canionismo, tendo sido presidente até 2004, além de ter realizado três edições dos memoráveis Encontros Brasileiros de Canionismo (Chapada dos Veadeiros em 2000, Brotas 2001 e Itirapina/São Pedro em 2006).
 
BROTAS, CAPITAL DA AVENTURA
 
Zaith foi um dos mais atuantes incentivadores da Aventura no Brasil. Após mais de uma centena de locais explorados e ampla divulgação na mídia, em 1994 foi pioneiro na condução de grupos para a prática comercial de rapel nas cachoeiras da até então desconhecida Brotas, inaugurando o Turismo de Aventura neste município.
 
Mudou-se definitivamente para a cidade em 1998 e colaborou diretamente na consolidação desta pacata cidade paulistana como “Capital da Aventura” (criou tal termo em 1998) – teve participação ativa na elaboração da primeira Legislação voltada ao Turismo de Aventura (Brotas, 1999) e do conjunto de Normas voltadas a tal atividade no país (ABNT CB-54, MTur, 2005), além de ajudar a criar o grupo de empresários Núcleo Brotas Brasil para a participação de Feiras e Eventos (2002) e a Associação das Empresas de Turismo de Brotas e região (2008).
 
Sua empresa H2Omem se tornou sinônimo de profissionalismo e competência no cenário nacional, com um background recorde de 35 mil “clientes de corda”. No começo deste ano concluiu com sucesso sua última grande ação sociocultural. Inédito no Brasil, o projeto “A Cultura da Aventura na Capital da Aventura” contou com exposições e cursos de capacitação.
 
 
O LEGADO DO ARTISTA AVENTUREIRO
 
Zaith deixou esposa e três filhos, três irmãos biológicos e vários “adotivos”, dezenas de amigos e milhares de admiradores por todo o país. Mas acima de tudo, deixou a sua marca como um exemplo de cidadão e atleta, inspiração para todos que o conheceram. Com atitudes admiráveis, dignas de um verdadeiro brasileiro – incansável trabalhador de honestidade blindada – guiará por muito tempo toda uma geração de praticantes de Atividades ao Ar Livre.
 
Algo raro diante de tanto marketing, será lembrado para sempre como um legítimo aventureiro, uma lenda para os canionistas e um ícone eterno na história da Aventura brasileira.
Para mim e para muitos, as matas ficaram menos coloridas, as cachoeiras um tanto mais calmas. Parece que a vida faz menos sentido com a sua partida… embora a vida tenha sido bem mais fantástica para os que conheceram Carlos Zaith!
 
Márcio Bortolusso é montanhista e documentarista de Aventura, Natureza e Cultura Regional (http://www.photoverde.com.br).
 
N.A.: Por seu pioneirismo e determinação, Carlos Zaith foi a minha maior influência nacional na Fotografia de Aventura. Quando comecei em 1995, Zaith já era um grande nome neste quase inexistente mercado e ao virarmos amigos tal admiração tomou por completo minha mente e coração. Muito mais que um professor, perdi um mestre. Não apenas um grande amigo, perdi um irmão.
 
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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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