A Chegada e Mais Dois Cumes – Cordon Del Plata – Parte 2

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Eu, Edson Vandeira e Erik (não o viking, o uruguaio fedido) chegamos a estação de ski Vallecitos, nos registramos e começamos a subida penosa de 200 metros de desnível ate o primeiro acampamento, Las vegitas. Digo penosa pelo peso e pelo sol e claro, se estivesse frio, não haveria problema sobre o peso…


Depois de menos de uma hora e meia chegamos ao primeiro acampamento do Cordon Del Plata, Las Vegitas. Um lugar mágico, cercado já por 4 montanhas de quatro mil metros: San bernardo (4113m), Franke (4820m), Adolfo Calle (4228m/ 4242m – 2 cumes) e Stepanek (4081m). Todos podem ser atacados por ali mesmo. O mais duro e o Franke, por ser um desnível pesado de 1580m, visto que o camping Las vegitas se encontra a 3240m.

Montamos nosso acampamento e, como de costume, fui de barraca em barraca conhecendo todos que lá estavam, poucas, umas cinco. Conheci na maioria argentinos mesmo, mas havia um frances sozinho, Damien. Também havia um argentino que descobriu um paraíso brasileiro e dele fez seu lar ha muitos anos, Búzios. Erik acampou bem longe, não o vimos mais.

Este argentino era um coroa forte, em forma, de seus 55 anos aproximadamente, barba e cabelos brancos como neve. Semanas atrás havia feito cume no Aconcágua e estava no Plata porque ouvira da beleza do complexo. Já havia tentado o Franke nos 2 dias anteriores e tentaria de novo na próxima manhã! Nossa, que disposição hein!

Batendo papo com o frances, descobri que na manha seguinte ele tentaria o Adolfo calle e o Stepanek, rota normal no parque para qualquer um que tenha uma disposição um pouquinho melhor, nada impossível. Eu nunca havia procurado por fotos do Adolfo Calle nem nada, mas quando olhei para a montanha, Edson também, nossa! Paixão a primeira vista!

Como eu disse no lançamento do projeto, montanha pra mim e montanha, não importa a altitude, se e fácil ou difícil, se tem 3 mil ou 6 mil metros, não me importa! Cume é cume! Combinado, na manha seguinte, as sete, partiríamos os 3 para as duas montanhas.

Fomos dormir bem alimentados depois de comer purê de batatas com atum e batata palha. Que banquete…Para beber, suco tang de pêssego. Fizemos um verdadeiro estoque de tang antes de viajar, eu e Edson compramos 100 sacos deles.

Acordamos no horário, nos preparamos, e as seis e meia estávamos listos. Mas o frances atrasou um pouco de modo que fiquei impaciente e começamos sem ele, sem pressa, numa boa. Depois de uns dez minutos ele nos alcançou e seguimos juntos.

Trilha acima, tranqüilos, fomos progredindo. Passamos por um camping não muito utilizado, acho que se chama campo de futebol (ao lado de um verdadeiro rio de rochas), bem na frente do San Bernardo. Ali ponderamos sobre atacar pela pendente do Stepanek ou seguir pela rota normal, morainas (afe…). Fomos pela normal depois de pedir informação a uma barraca que ali estava.

Que subida maldita…moraina sempre vai ser moraina. Dois passos pra frente, um pra trás, as vezes dois ou três pra trás. Isso nunca vai mudar. Edson sempre andou melhor que eu, o frances também andava bem, de modo que fiquei bem pra trás.

Chegaram a uma rocha belíssima que se projeta para fora da montanha e ali sentaram, começaram a fazer fotos, eu me aproximando o mais rápido que podia, fiz uma outra trilha menos penosa e quando atingi a mesma altitude que eles, fiz uma travessia, foi menos pior assim.

Cheguei lá, cinco minutos de descanso e continuamos moraina acima. Ate que depois de creio uma hora, atingimos um vale que separa as duas montanhas, ao fundo deste vale, e possível continuar o ataque para o Rincon. Progredimos vale adentro procurando a trilha, mas não encontrávamos. Passamos por uma barraca, fomos embora.

Ali paramos, o Edson deu idéia de fazermos um ataque direto pela inclinada moraina a esquerda, teoricamente nos levaria ate a crista e dali só andaríamos ate o cume.

Aceitamos a idéia na hora e começamos. Que roubada! Fomos parar em um terreno pouquíssimo explorado, nunca utilizado para a ascensão da montanha. Não era a rota normal! Rochas grandes e soltas. Pisei em uma solta e escorreguei cerca de dez metros para baixo! Fiquei muito adrenado porque a inclinação a essa hora era de uns 50 graus!!!

Depois disso consegui apoio em umas rochas e ai??? Escalada em rocha! Isso só foi ficando mais e mais interessante. Creio que um 3º ou 4º graus. Fácil certo? O problema e quando você segura na rocha e ela vem contigo. Era preciso escolher a pegada testando o amor que a rocha tinha pela montanha. Se o amor era grande, ela não se soltava. Assim fomos, Edson e Damien sempre a frente, eu uns 30 metros atrás. Nem sequer me viram escorregando.

Depois desta perigosa e sofrida subida, finalmente cheguei mais acima, na crista. Edson já gritava dizendo que estava no cume, dois minutos mais e cheguei lá com o Damien. Sim, era o cume! Mas peraí, onde estava a cruz? Sempre ha uma cruz nos cumes argentinos. A vista era animal demais, diretamente abaixo cerca de 800 metros verticais, seguia a trilha que saia do camping 2 (Piedras Grandes 3550m) para o camping 3 (Salto de água 4300m), nele consegui ver um solitário subindo com seus muitos quilos. Fotografei e virei, fizemos as fotos de cume, comemoramos a vitoria sobre os 1000 metros de desnível em 3,5 horas. Este cume é o maior da montanha, tem 4.242 metros de altitude, mas não tem cruz. Pouco antes de pensarmos em descer, olhamos para o outro cume e de longe vimos a cruz!

Lá fomos nos correndo feito três abestalhados pro cume demarcado, menor 18 metros. Vai entender (dias depois quando estava descendo, em carona com um argentino que conhecemos no cordon, recebi a explicação de que não conseguiram fixar uma cruz ali por causa da rocha e do vento forte, por isso colocaram no cume menor, mas de fato, são 2 cumes no Cerro Adolfo Calle, o próprio mapa determina).

Chegamos lá em cinco minutos e fizemos mais uma bateria de fotos, mas havia muitas nuvens, decidimos descer e atacar o Stepanek. Era exatamente meio dia quando começamos a descida.

Deste cume eu pude ver a rota normal! Perfeita para uma descida rápida de ski bota. Rochas pequenas, soltas…Velocidade para a descida. Lá fomos nós. Levamos somente 5 minutos ate o fundo do vale, de lá começamos a retroceder ate a barraca que vimos antes, encontramos a trilha para o Stepanek e entramos nela.

As 12:55h chegamos ao cume do Stepanek, muito fácil, mas com uma vista que provavelmente deve ser incrível completamente fechada. Muitas nuvens, não se via nada abaixo, a frente, terrível.

La ficamos por exatos 55 minutos esperando por oportunidades de fotos, que foram poucas porem bem aproveitadas. Todos os três fizeram suas fotos e depois disso, satisfeitos com o sucesso do dia, iniciamos o retorno pro camping mas separadamente. Eu e Edson pela mesma rota de subida, Damien pela lateral oposta da montanha. Eu achei inclinada demais para uma descida por ali e sem falar que sabia que no final dela há um pequeno vale (ao pé do San Bernardo), e talvez algumas cachoeiras de degelo. Isso tornaria a descida mais penosa.

Fomos embora separadamente. Eu e Edson descemos o Stepanek, voltamos pelo vale, saímos dele por detrás da rocha que havíamos passado na frente e dali ski bota ate o começo da trilha, perto do camping campo de futebol. Dei a idéia dele descer na frente e me filmar fazendo o ski bota, ficou animal o vídeo! Ele gostou tanto da idéia que subiu mais um pouco a montanha pra que eu o filmasse também he he he

Chegamos as barracas as 15h. Felizes por dois cumes bonitos no mesmo dia, em segurança, um pouco sujos mas…Pra quem estava disposto a passar 20 dias no Plata sem um banho, isso não significava muito.

Ao chegar no acampamento uma surpresa, a minha barraca estava relativamente revirada, mas a do Edson, parcialmente destruída. Avance rasgado, com o ziper danificado, amarras arrebentadas, largada ao vento. Tudo revirado. Quem seria o criminoso? Uma vaca! Isso mesmo! Uma vaca marron, com chifres. A maledeta estava indo em direção a outra barraca de uns argentinos que conheci no dia anterior, e começou a revirar lá também! Mas que coisa!

Peguei um bastão e sai correndo e gritando, antes que ela destruísse tudo. Cheguei lá a tempo de salvar a barraca, a vaca e suas amigas se afastaram uns cem metros, me observando atentamente por quase meia hora! Só rindo mesmo…

Damien só chegou no camping as 17:20h! Cansado mas bem, disse que fora a maior roubada descer por lá. Quando chegou no fundo do vale de fato teve que desescalar uma cachoeira! Nos disse que pensava “Que merda, o que eu estou fazendo???” ahahahahahahh demos boas risadas, mas ficamos aliviados que ele descera bem, sujeito boa gente demais.

Este dia foi muito bem aproveitado, chegamos cedo, fizemos um lanche, depois eu curti o camping enquanto o Edson dormia.

A noite caiu e decidimos atacar o Franke na manhã seguinte. Estávamos prontos e decididos, novamente o trio. Na madrugada acordei com calafrios e pensei “Ué que estranho, não esta tão frio assim!” Olhei o relógio, marcava 4 graus positivos. Eu agüento muito bem frio, adoro, mas estava tremendo! Coloquei a mão no pescoço e foi batata: febre.

Como assim febre??? Pois é, febre. Fiquei puto…Lutei para tentar dormir de novo até que consegui.

Quando o relógio despertou as cinco eu estava muito indisposto. Nem pensei duas vezes, abortei a minha participação nesta investida. Triste para mim que queria muito subir o Franke, mas melhor assim. Edson e Damien foram as seis da manhã, eu fiquei no acampamento matando tempo como podia. Consegui reparar avance do Edson, mas o zipper já era. Fiz mais duas amarras na traseira da barraca e pronto. Li, bebi água, banheiro, caminhei, fotografei…

A tarde eles chegaram, as 16h. Passaram por apuros lá em cima, apuro no sentido de pegar tanto vento que tiveram que se segurar em rochas pra não sair voando. Conheço o Edson, se arrisca demasiadamente as vezes, me contou que em certo momento o Damien disse para desistirem e descerem, mas o Edson discordou no sentido de esperarem um pouco para continuar. Damien concordou e felizmente o vento enfraqueceu um pouco e puderam culminar a montanha. Fizeram belíssimas fotos e desceram felizes da vida.

No próximo dia seguiríamos para o camping Piedra Grande e Damien desceria para Mendoza, com fome de comida de verdade, sedento por banho e feliz por 6 cumes em 4 dias (antes de chegarmos em dois dias ele subiu três montanhas de 3 mil metros).

Continua…

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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