A estrada da Adutora

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Nem só de serras escarpadas e íngremes vive o andarilho determinado. Contrastando com seus fundos e abruptos vales, a aparente horizontalidade do planalto q antecipa os gdes desníveis pro litoral tb propicia td sorte de pernadas. Basta apenas saber onde enfiar as caras.

Uma delas é a Travessia “Manoel Ferreira-BiritibaMirim”, caminhada semi-selvagem sussa q acompanha parte da espinha dorsal da SP 43  – a “Estrada da Adutora” –  no trecho q compreende estas duas localidades, totalizando mais de 20km de chão. Paralela à “Estrada do Sepa”, seu percurso serpenteia o planalto mogiano situado entre as bacias do Rio Sertãozinho e Rio Grande, descortinando belos visus de sua trinca de “maciços graníticos” mais ilustre: Pedra do Sapo, Garrafão e Esplanada. Um bate-volta descompromissado q incluiu os 1050m do topo da Pedra da Esplanada.

Amaldiçõei até não poder mais a súbita infecção (o virose, sei lá) q me acometera nestes últimos dias. Não apenas por ter vindo em péssima hora mas principalmente pela  indisposição resultante nestas cirscuntâncias, e q bem poderiam ter colocado em xeque o rolê dominical. Contudo, estar “zoado” de saúde não significa necessariamente ficar em casa, respousando na caminha e bebericando sopinhas. Determinado em ter meu sagrado quinhão de “mato semanal” mesmo com uma previsão meteorológica desfavorável, decidi ao menos colocar em prática algo mais “sussa” q não demandasse esforço maior (entenda-se “escalaminhada ou vara-mato nervoso”). Imediatamente (e preenchendo estas condições) me veio a mente percorrer a “Estrada da Adutora”, via pela qual perambulei já faz um tempo – e mesmo assim por trechos isolados – e sempre acalentei o desejo de singrá-la, pelo menos, ate Biritiba-Mirim. Resolvido. Chamei (em cima da hora, diga-se de passagem) a Paty e o Lucas q, indiferente ao “status perrengueiro” do rolê, toparam de imediato e pronto. Lá fomos nós.

O sol brilhava qdo pusemos pé-na-estrada, por volta das 9:10hrs, logo após desembarcar do latão em Manoel Ferreira. Cientes da longa distância q nos separava do destino final impusemos um ritmo forte á caminhada, embalo este q foi fundamental pro avanço satisfatório geral da bagaça. O bairro mogiano então ficou logo pra atrás e imediatamente nos vimos numa precária via de chão batido, relativamente com horizontes abertos descortinando chácaras, sítios e algumas lavouras aqui e acolá.

O Lucas não se fez de rogado e, vendo as “boas” condições da estrada, se desfez de seus tênis e passou a andar descalço, fazendo jus á alcunha de “Menino Lobo”. Mas isso não bastou pra este refugo de Mogli tupiniquim, pois assim q emparelhamos com as enormes tubulações q emprestam o nome a estrada passou a andar por cima das mesmas. “É legal aqui em cima!”, dizia ele. “Beleza, quero ver vc descer depois, mais adiante!”, o adverti. E assim foi. Enqto eu e a Paty íamos tranquilamente pela estrada, o Lucas nos interceptava por cima da tubulação qdo esta acompanhava ou cruzava a mesma. “Eita, so devia ter pego minha água e lanche caso a gente se desencontre dele!”, lembrou a Paty, preocupada.

Este inicio de pernada é sussa e até enfadonho. A bucólica vista rural chega até irritar. O destaque foi uma vistosa plantação de abobrinha, pontilhada de belas flores amarelas destoando da verdejante folhagem ao redor, cenário este inexistente meses atrás da minha ultima passagem pelo lugar. Após um trecho acompanhando a tubulação pela direita a estrada costura pro outro lado, passando por baixo dos dutos, pra então seguir um bom tempo pela direita, ora afastado ora próximo. Num longo e descampado trecho quase retilíneo, o visu se abriu de tal modo q deu pra enxergar, a sudeste, um maciço destoando do serrote principal q se elevava neste setor. Era a Pedra do Sapo, pico visitado a alguns meses atrás e cuja trilha dá acesso ao complexo de Grutas Beltenebros.

Após ignorar a bifurcação q leva à Pedra do Sapo, as 9:40hrs, a pernada se mantem inalterada tocando sempre pra nordeste. Passamos novamente por baixo dos dutos pra acompanha-los pela esquerda, envoltos em refrescante mata secundária. Mas não por mto tempo pois logo as vistas outra vez se abrem, costuramos os dutos (desta vez por cima, qdo os mesmos encontram-se enterrados) e o ladeamos pela direita atraves de um longo e interminável retão. No final, antes de passar pro outro lado por baixo dos dutos, uma saída significativa da estrada pra direita, rumo sul, desperta minha atenção. É o acesso á Faz. Pedra da Forquilha, cujo emaranhado de estradas secundarias dão acesso ao Pico do Itapanhaú, montanha respeitável coroada por uma antena apontando pro céu, e avistável de cima de boa parte dos picos próximos.

Pois bem, a partir daqui nossa rota acompanha os dutos sinuosamente pela esquerda. No entanto, os mesmos desta vez encontram-se enterrados, perfurando a sequencia de morros do caminho. Isto fez com q o Lucas finalmente nos acompanhasse de forma definitiva, pra alivio da Paty. As 10hrs o visu muda totalmente e a paisagem recorrente passa a ser predominantemente de morros recobertos de reflorestamentos de eucaliptos, sem sinal algum de civilização. Um enorme vão a nossa esquerda apresenta uma baixada recoberta de mato, por onde corre uma linha de transmissão (ou energia, não sei ao certo), mas a estrada beirando um precipício facilmente lembrou as perigosas vias de Coroico, na Bolivia. Guardadas as devidas proporções, claro. Outra menção aqui foi ter cruzado com uma família de japoneses percorrendo nossa mesma rota, porém de bike.

Por volta das 11hrs a civilização ressurge sob a forma de um belo sitio á esquerda (marcado por uma bela capelinha) e outro quase em frente, a nossa direita. Este por sua vez guarda a simpática e discreta Igreja Pentecostal Fonte Celestial, local de onde me recordo iniciava a trilha pra Pedra da Esplanada, q subi alguns bons anos atrás. Perguntei ao caseiro ali presente se a trilha continuava aberta e ele respondeu q sim, so q agora não partia dali e sim de mais em frente. Colhendo as infos passo agora a descrever o novo acesso ao pico. Na verdade, a intenção original era apenas percorrer a estrada, mas tendo em vista nosso avanço progredir bastante e o céu estupidamente limpo e isento de qq nebulosidade – contrariando totalmente as previsões pessimistas praquele dia – decidi incluir a pedra no rolê originalmente proposto.
Pois bem, logo adiante da Igreja haverá uma placa da Suzano Celulose com a inscrição “Faz.

Casa Verde”. Dali há um rabicho de trilha q dá acesso a um estradão de retirada de madeira (acessível tb pela estrada principal, mais adiante). Uma vez nesta estrada secundaria basta tocar sempre por ela, sentido ao sopé da Pedra da Esplanada, q aqui aparece majetuosa e imponente reluzindo sua larga face rochosa oeste ao sol matinal.  A pernada é tranqüila e desimpedida, sempre ignorando as saídas q surgirem pela esquerda. Mas assim q nos aproximamos da base da pedra e a estrada embica morro acima é preciso atentar pra entrada da trilha. Qdo a estrada faz uma curva íngreme e fechada pra direita, ela se ramifica em duas vias. Ignore estas e olhe atentamente à sua direita q vai achar uma trilha bem óbvia, facilmetne discernível por ser bem mais estreita q as estradas em questão. Pronto, dali basta so tocar pra cima!

Mergulhando então em meio a um bucólico bosque de eucaliptos, a vereda vai ganhando suavemente altitude em largos ziguezagues, ate q finalmetne adentramos em refrescante mata secudária. Um amontoado de pedras a nossa esquerda chama a atenção. Seria mais uma sequencia de grutas, a la Beltenebros? Tai um outro motivo dali retornar pra explorações. A subida prossegue então rápida e desimpedida. Cruzamos por dois correguinhos secos e dali em diante ela aumenta de declividade, marcando a ascensão final ate a crista. Uma vez na nela, cercada de mata bem mais baixa, repleta de arbustos e liquens, bata tocar pra nordeste, com mato caindo de ambos lados. Não tem mais erro.

E assim, pontualmente as 11:40hrs, emergimos nos 1050m do largo e áspero lajedão repleto de enormes bromélias q assinala o único mirante do topo da Pedra da Esplanada. A atmosfera límpida e isenta de qq vestígio de nebulosidade descortina uma panorâmica de td nosso quadrante norte. A noroeste observamos o mar de morros verdejantes cortados por sinuosas estradas de terra em tds suas direções; ao norte, o espelho dagua da Represa de Jundiai; e a nordeste, o domo abaulado do Pico do Garrafão bem ao nosso lado, e mais ao longe vemos a nítida barbatana rochosa da Pedra da Boracéia. Em direção ao mar, em meio a maresia difusa podemos distinguir perfeitamente a Ilha Montão de Trigo. Ao sul a paisagem é comprometida pela mata, mas podemos, com algum esforço, distinguir alguns cumes proximos, em especial o do inconfundível Pico do Itapanhaú. E la nos prostramos afim de descansar, beliscar um lanche e apreciar a bela paisagem diante de nos. O único inconveniente dali era a ausência total de sombra (e de brisa, diga-se de passagem!), pois o sol aquela altura do campeonato tava de chapar côco e fritar ovo!!

Por volta das 12:40hrs iniciamos o caminho de volta, expulsos na verdade pelo calor insuportável q tomou conta dali, q parecia emanar da rocha! E assim refizemos td trilha ate ali em menos tempo q da ida, naturalmente. No caminho, tropeçamos com a única viv´alma de td trip sob a forma de um intrépido trilheiro e sua namorada. Era o mogiano Ricardo, q pelas infos q discutimos brevemente me pareceu ser bem conhecedor da região e com quem peguei até contato, pra futura troca de figurinhas. Ele tb ficou surpreso com nossa presença, pois segundo o mesmo os picos dali são mais freqüentados (mesmo q raramente) por gente de fora q de Mogi as Cruzes.

Num piscar de olhos nos vimos novamente na sombra refrescante da SP-43, dando continuidade a nossa rota rumo Biritiba-Mirim. Ladeando suavemente a morraria de reflorestamentos pela direita, agora tínhamos uma nova e privilegiada perspectiva da pedra q havíamos estado hora antes, assim como novo enquadramento do imponente Pico do Garrafão, ambos agora a sudeste. Os dutos q ate então estavam submersos na morraria novamente dão as caras, mas é a ultima vez q os veremos pois assim q passamos por baixo deles a partir de agora não os veremos mais. Nossa rota agora, as 13:30hrs, toma rumo basicamente norte, enqto a adutora segue seu destino ate Casa Grande, alguns bons kms ainda pra leste.

E assim tem continuidade nossa pernada pelo interminável estradão, sempre serpenteando a morraria de reflorestamentos sentido norte! Algumas bifurcações surgem no caminho onde é preciso parar pra avaliar a carta e tomar decisões. Isto pq a partir daqui nem sempre a via mais batida é a correta, e nestas horas a carta e a bússola são de uma ajuda impar pra saber q direção tomar sem perda de tempo. O tempo vai passando e passando, e não demora pro espectro da sede tomar conta de tds. O canto metálico de uma ruidosa araponga nos lembrava a td momento da nossa goela seca, mas firmes e fortes guentamos a maledita a cada passo dado.

O calor estava realmente insuportável e o sol não tinha misericórdia alguma, mesmo estando na sombra! Abafado, parece q o calor emana ate do chão. O pior era q nossa agua tinha terminado na Pedra e estava ciente q quiça encontrassemos alguma nascente no caminho. Q nada, tava td seco. O único riachinho q corria no fundo de um vale não tinha acesso, a não ser num barranco vertical. Sem chance. Mas eis q no meio do nada e lugar nenhum, as 14:20hrs surge um sitio escondido no mato, aparentemente abandonado. Adentramos nele mesmo sob risco de sermos recebidos a bala, mas infelizmente não encontramos agua alguma. Tava abandonado e seco tb!

Após passar por baixo do zunido eletrostático de torres de alta tensão, nossa rota enveredou por encostas tendendo pra leste mas logo retmou a rota original. O cenário era desolador: bosques e bosques de eucaliptos, sendo q um terço dele estava encostado a beira da estrada, serrado, pronto pra ser levado em caminhões. Avisos e placas de td sorte surgiam a cada curva, informando de valas, bueiros e trafego de veículos da madeireira. E água? Nada.
Mas felizmente o ruído melódico de água borbulhando rente a estrada nos forçou a uma parada estratégica pra descanso e refresco, as 15hrs. Os pés e joelhos já estavam reclamando, mas saciar a goela com o precioso liquido aquela altura do campeonato não tinha preço! Infelizmente a travessia carecia de agua, e foi desejo quase q consensual naquele instante estar enfiado num lago ou rio encachoeirado nalgum fundo vale na borda da serra. Alias, td sombra no caminho era disputada a tapa! Em tempo, uma placa indicava já não estarmos mais nos domínios da SP-43 e sim na Estrada Municipal do Itapanhaú, uma tal de BRM-352.

Dando continuidade a nossa camelação.. ops, digo jornada rumo norte, novamente emergimos no aberto pra sufoco de nossas cacholas! Ate la estavamos vermelhos e corados feito pimentão devido ao sol, e o tempo abafado se encarregava de fazer o resto, aumentando a sensação de caminhar numa sauna seca naquele horário. Nem mesmo o susto q os enormes teiús descansando na beira de estrada nos pregavam ao sair em debandada rumo mato bastavam pra não focar nalgo q não fosse outra coisa: boteco! Esse era meu único objeto do desejo ate então e única coisa q me motivava a continuar andando! Carona? Q nada. Em td trajeto não vimos alma nenhuma.

As 15:30hrs caímos na entrada da Faz. Itapanhaú q por sua vez nos deu acesso a conhecida Estrada de Casa Grande (SP-92), aquela q leva ate o bairro da Terceira. Tomando então sentido contrario a este, encaramos então a kilometragem restante ate Biritiba-Mirim, desta vez ao menos numa matinha mais fresquinha, densa e agradavel q a anterior. A partir das 16hrs começaram a surgir as primeiras chácaras e sítios, pra nosso alivio, pois era sinal q estavamos na perifa da civilização. E como se fosse iluminação da Divina Providencia, as 16:20hrs conseguimos carona no veiculo do falador Florisvaldo, q nos poupou alguns kms de asfalto.

Ufa! Uma vez em Biritiba-Mirim nos dirigimos ao seu centrão, perto da Igreja São Benedito, onde rolava na pracinha principal aquela muvuquinha jovem típica de cidade interiorana. Ali desabamos numa padoca onde nos esbaldamos de refrescos, salgados e, claro, cerveja estupidamente gelada! Era o prêmio mais q merecido por concluir td aquela travessia proposta, com direito ate a um pico conquistado como bônus, ignorando totalmente ainda a camelagem extra (de bus e trem) q teríamos pra retornar a Sampa. Mas e daí? A pele tostada, o joelho latejando e a sola do pé dolorida era sinal q aquele rolezinho, em tese, “sussa e descompromissado” havia percorrido nada menos q 1 / 4 da carta de Mogi das Cruzes! Portanto fica a dica pra quem curte uma magrela: o trajeto acima mencionado é ideal pra duas rodas, com a vantagem de ter mais tempo dar uma esticada pros picos. Enfim, uma pernada pra ninguem botar defeito. E nada mal pra quem, supostamente, estava debilitado e “zoado” de saúde.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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