A História do 11° grau brasileiro

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O 11° grau em escalada é uma marca alcançada por poucos brasileiros. Trata-se de um grau extremo que exige muito mais do que dedicação e que apenas os melhores do mundo conseguem mandar na cadena.

O recente encadenamento da Via “Hulk”, um 11a situado em Rodellar na Espanha (8c francês) pelo escalador paulista Felipe Camargo reacendeu uma dúvida: Quantos Brasileiros já haviam realizado a proeza de escalar uma via de 11° grau?

O feito realizado pelo Felipinho foi destacado na mídia internacional especializada. Na revista Desnível da Espanha, há um destaque dizendo que ele havia “subido o nível de seu país”, como se o 11a tivesse sido um fato inédito para brasileiros, será?

Wolfgang Gullich e Jim Bridwell.

Há muito tempo os escaladores brasileiros vêm tentando sobrepor a marca do décimo grau. Esta história começa nos anos 80, quando de passagem pelo Brasil o alemão Wolfgang Güllich abriu a via “Southern Confort” que durante muito tempo foi a via mais difícil do país e da América Latina: 10a.

Acontece que até meados dos anos 90 os equipamentos de escalada no Brasil eram muito precários, era a época da escalada com Kichute e Conguinha. Poucos tinham boas sapatilhas, pois era preciso ir ao exterior para poder comprar uma, o que pouca gente podia numa época em que nossa moeda não valia nada. Isso começou a mudar e a escalada esportiva sofreu um salto em qualidade e popularidade com a abertura da economia. Não é por menos que depois de um ano desta mudança em nosso país, o Luiz Claudio Pita encadenou a famosa e até então impossível “Via do Alemão”.

Luiz Claudio Pita na via do Alemão em 1992.

Em meados dos anos 90 a escalada esportiva foi se desenvolvendo e alguns lugares tidos como impossíveis de ser escalados dez anos antes foram aos poucos ganhando vias e cadenas. Foi o caso do Campo Escola 2000 no Rio, da Serra do Cipó e Lapinha em Minas que se tornaram “mecas” da escalada esportiva no Brasil.

O Campo Escola 2000 tem uma história interessante, pois os escaladores cariocas dos anos 80 achavam que aquelas paredes só poderiam ser escaladas num futuro distante, lá pelo ano 2000, já que pelos equipamentos da época era impensável a escalada naquele local. A primeira via do Campo foi a Pedrita, um 8a aberto pelo Marcelo Ramos. Depois de abrir esta via, Marcelo abriu uma outra numa linha até então impossível, tanto que ele colocou agarras artificiais para poder escalar aquela parede. O nome da via ficou como “História sem fim” de tanto falatório que as agarras de resina gerou. Com o tempo, os escaladores foram vencendo os lances sem usar as agarras artificiais, até que mais tarde elas foram retiradas e o grau da História sem fim ficou como 10a.

No ano 2000, a escalada esportiva brasileira ganhou novos desafios com a abertura da Barrinha, uma falésia de granito/gnaiss no Rio que tinha na época as vias mais difíceis do país: Mr. Bill e Massa Critica. Ambas na, na época, foram cotadas em 11a. Seriam os primeiro 11a do Brasil?

A Mr. Bill foi posta na cadena pela primeira vez pelo paranaense Diogo Ratachesky, depois foi a vez dos gaúchos Thiago Balen e Guilherme Zavaschi até que finalmente o carioca Daniel “Coçada” Hans também botou na cadena e a via foi decotada para 10c. A Massa Crítica ficou sendo considerada a via mais difícil. Ela foi encadenada pelo Daniel Coçada pela primeira vez em 2002, mas depois foi repetida pelos gaúchos Thiago e Guilherme e recentemente Pelo Pedro Raphael de Brasília, a via acabou sendo decotada para 10c também.

Thiago Balen na Directa Challenger

Thiago Balen manteve a continuidade de seu elevadíssimo nível e em Janeiro de 2006 botou na cadena pela primeira vez a via “Directa Challenger”, uma lindíssima aresta de 35 metros de altura, localizada no Valle Encantado em Neuquén Argentina. A via nunca tinha sido escalada e os argentinos botavam fé que ela era um 8c, ou seja, um 11a brasileiro. Outros brasileiros, Cesinha e Pedro Raphael, estiveram no Valle Encantado também conseguiram encadená-la. Entretanto o francês Alex Chabot e o americano Chris Linder mandaram a Challenger e acabaram por decotar o nível para 10c novamente, fazendo com que Thiago Balen perdesse pela terceira vez a honra de ter sido o primeiro brasileiro a escalar um 11a.

Aliás, digno de nota, o Cesinha em 2006 obteve resultados impressionantes, tanto na rocha quanto no plástico, ele realizou cadenas importantes como Explosão de Dedos 10b e Full On 10a, ambas na Falésia dos Olhos em Paraisópolis MG, realizou também o boulder Jericó V12 além é claro da Directa Challenger 10c e “9 dias e 500 noches”, 10a no Valle.

O Provável primeiro 11a do Brasil foi escalado pela primeira vez no começo de 2007. O escalador gaúcho Vinicius Tordero, o Vini, mandou a via que ele mesmo abriu na Gruta da Terceira Légua em Caxias do Sul: “Disciplina não ter, Jedi não será”. Sobre a via, deixemos que o próprio Vini fale dela:

Ela possui 55 movimentos, sendo que a primeira parte é composta por um teto de uns 6 metros de agarras boas que está em torno de 9b. Aí tem um descanso bom e depois a via segue fácil por mais uns 6 metros em diagonal para a direita até um último descanso. Nesse ponto a via segue finalmente reto para cima, onde o bicho pega de verdade: São cerca de 15 movimentos relativamente difíceis. E para piorar as coisas existe uma árvore exatamente atrás da via, e em caso de queda o escalador corre o risco de cair bem próximo ou até mesmo em cima dela, o que dá uma adrenada extra. Quanto ao grau da via, este sim eu acredito ser um 11a, e considero a Disciplina mais difícil que a Karma.”

O setor teto da Gruta das 7 Léguas em Caxias do Sul RS.

O problema da “Disciplina” é que ninguém até agora fora o Vini conseguiu encadená-la. A via só recebe a confirmação de grau quando outros escaladores botam a ela na cadena e há um consenso. Entretanto pelo fato de que nenhum outro escalador conseguiu tal feito já, de uma certa maneira, prova que a via seja um 11a.

Vini ainda botou na cadena outra via cotada em 11a, a “Sombra e a escuridão Karma”, mas ele mesmo diz a “Disciplina” é a mais difícil. Será então que a Karma é um 10c ou a Disciplina um 11b? Enfim, depois de muitos decotes, parece que este foi o primeiro 11a escalado por brasileiro. A confirmação está no aguardo, mas somente para saber quem foi o primeiro, já que a “Hulk” do Felipe Camargo é um legítimo 11a, pois ela já foi confirmada e encadenada por diversos gringos.

Há novos projetos de 11a no Brasil. De norte à sul existem vias cotadas. Além das vias gaúchas de Caxias, já escaladas, há ainda o projeto “Premonição”. Em Goiás, no Morro do Belchior tem o projeto Central do Brasil e no Rio, na Falésia Fantasma, existe uma via que promete. Ela é, até agora, “apenas” um 10a, isso por que foi escalada só até décima chapa. Ela tem 22! Outra via que certamente será superior à um 11° grau é a extensão da Coquetel de Energia no Campo Escola 2000. Há ainda muitos lugares que já tem 10c e que poderão receber novos projetos com dificuldades ainda maiores, como em São Luis do Purunã no Paraná e na Serra do Cipó e Sete Lagoas em Minas.

São muitos os nomes que passaram pela perseguição brasileira à um 11a, são muitos também os lugares onde se passa esta história. Por fim podemos concluir que a escalada esportiva do Brasil cresceu muito com este desafio. Desta experiência podemos notar que alcançamos em pouco tempo um nível elevadíssimo e com o apoio devido, nossos atletas, merecedores deste nome, são capazes de mandar vias de grande nível como foi o caso do Felipe que só está treinando e escalando na Europa por que conseguiu um patrocínio devido. Então que venham os apoios e novas cadenas sairão.

Sangue nos zóio…

Para fazer esta matéria, agradecemos os betas dados pelo Kalango do site Escalada Brasil, Jean Ricardo “Fluber”, Bernardo Bié.

Ps. Ao término da viagem de Felipe Camargo na Europa, ele encadenou a via “Pata Negra” outra 11a em Rodellar na Espanha, o segundo de Felipinho e o segundo 11a brasileiro confirmado nesta história de muitos nomes, muitos lugares e muitos decotes.
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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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