A História do Himalaísmo Brasileiro – Parte IV

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Quarta parte do especial sobre o histórico das expedições brasileiras às maiores montanhas do mundo…

::Leia o especial sobre a História do Brasil no Himalaia desde o começo.

:: Leia a terceira parte da História do Brasil no Himalaia.

Texto: Rodrigo Granzotto Peron

Notas Iniciais

Esse segundo conjunto de artigos – Consolidação do Himalaísmo Brasileiro – abrange o período compreendido entre os dois maiores marcos do nosso montanhismo extremo: da conquista do Everest, em 1995, até a conquista do K2, em 2000. Foi uma época de assentamento das fundações do nosso montanhismo em alta altitude, marcado pelas sucessivas investidas de Paulo Coelho e Helena Coelho ao Everest e as três aventuras de Waldemar Niclevicz no K2.

Picos de 8000 no Himalaia
Quanto à terminologia, faz-se necessária explicação. Costumo utilizar o termo “montanhismo” para me referir ao esporte em si, e “alpinismo”, “andinismo” e “himalaísmo” para as escaladas nessas específicas cadeias de montanhas. Contudo, para tornar o texto mais fácil e fluido, estou utilizando neste histórico “montanhismo” e “alpinismo” como sinônimos.

Por outro lado, para evitar ter que dizer “karakorismo” ou “karakoranismo”, que são expressões não muito sonoras, a partir desse artigo usarei o termo “himalaísmo” para abranger não apenas as escaladas no Himalaya, mas também as efetuadas no Karakoram. Identifique as montanhas com amis de 8.000 metros nas duas cordilheiras. Himalaia na foto acima e Karakoram nesta.

Picos de 8000 no Karakoram
Esse registro é importante pois nessa segunda fase do histórico serão também analisadas as expedições de Niclevicz ao Karakoram, que é a cadeia de montanhas que se encontra entre o norte do Paquistão, o oeste da Índia e o sul da China, fazendo fronteira entre esses países. É lá que se situam alguns dos pontos mais altos do mundo (K2, Gasherbrum I, Gasherbrum II, Broad Peak) e alguns dos paredões de pedra mais desafiadores (Latok, Batura, Trango, Uli Biaho etc.).

Muitos mapas chegam a colocar essas duas cadeias como uma só, o que não é tecnicamente correto, já que o Karakoram não integra o Himalaya, embora seja um prolongamento ocidental dele.

Capítulo 8 – SHISHAPANGMA 1997 (8.027m)

O Shishapangma – também grafado costumeiramente Shisha Pangma e Xixabangma – é a décima quarta montanha mais elevada do planeta, com 8.027m segundo medições mais acuradas. Alguns mapas dão a ela 8.047m e a colocam em 13º lugar, à frente do Gasherbrum II (8.035m), mas esta altitude não é aceita por todos.

Foi o último pico 8.000 a ser conquistado, em 1964, por uma expedição chinesa liderada por Hsu Ching (pela aresta norte na face noroeste, a rota hoje padrão ao cume). Só foi “aberta” a ocidentais a partir de 1980. É considerada uma das montanhas mais bonitas da Ásia, pois o cume nevado se ergue diretamente à frente de um amplo platô de areia e rochas, fazendo um contraste impressionante.

Shisha Pangma
O Shishapangma tem uma particularidade interessante. A rota tradicional leva os montanhistas até o cume central (Shishapangma Central), 17 metros mais baixo que o cume principal. De lá é necessário fazer travessia por uma aresta exposta, em mais ou menos uma hora de caminhada, até o ponto culminante.

A maior parte dos escaladores, ou por falta de informação (há uma ilusão de ótica de que o cume central é mais alto do que o principal), ou por cansaço ou por má-fé, dão meia volta neste ponto mais baixo, e isso se reflete estatisticamente.

É o quarto pico 8.000 mais popular (atrás de Everest, Cho Oyu e Gasherbrum II), mas tão-somente cerca de 280 pessoas até hoje foram ao cume principal. Outros quase 500 alpinistas não quiseram enfrentar a aresta e retornaram para casa apenas com o cume central.

Paulo Rogério Pinto Coelho e Helena Guiro Pacheco Pinto Coelho, ou carinhosamente Casal Coelho, tencionando escalar o Everest, resolveram primeiro ir ao Shishapangma fazer aclimatação e assim poupar tempo no Chomolungma.

Chegaram ao Shisha em abril de 1997, sem carregadores, cozinheiros ou sherpas. Como o período de escalada normal desta montanha é o segundo semestre, o casal a pegou completamente vazia, deserta, inteirinha para eles. Somente os dois e uma imensidão de gelo e rocha para desbravar.

Oito dias após finalmente uma expedição germano-italiana aportou, quebrando um pouco a solidão dos brasileiros. Subiram e desceram várias vezes a rota normal até 7.000m, máxima quota atingida. Embora não tenham fixado cordas, efetivamente foram eles que abriram caminho nesta temporada.

Tendo em vista que o objetivo principal não era fazer cume, mas apenas aclimatar (eles tinham apenas duas semanas para dedicar ao Shisha), deram a expedição por encerrada no dia 25 de abril de 1997 e partiram rumo ao Everest.

Capítulo 9 – EVEREST 1997 (8.850m)

Paulo Coelho e Helena Coelho têm definitivamente aventura circulando nas veias. Após conquistar inúmeras montanhas no Brasil e nos Andes, partiram para desafios mais distantes e mais elevados, na amplidão do Himalaya. De todos os predicados que atraem tantos admiradores, alguns sobressaem: a grande humildade, o humanismo, participando do auxílio e resgate de vários alpinistas em apuros, e o amor incondicional à montanha.

Nessa segunda ida ao Everest abandonaram o estilo da expedição de 1991 e começaram a forjar o alpinismo que é a marca registrada deles até hoje: escalada a dois (apenas o casal), leve, com pouca estrutura, sem grandes patrocinadores, por fair means, sem oxigênio suplementar ou sherpas, seguindo com fidelidade as regras do montanhismo enquanto esporte.

De novo escolheram o Flanco Tibetano – tanto por já conhecerem o terreno como pelo fato de os custos de escalada serem bem mais em conta.

Chegaram ao acampamento-base em 2 de maio de 1997 e foram subindo na montanha, instalando o campo 1 (7.000m), o campo 2 (7.800m) e um precário campo 3 (8.150m). Dormiram duas noites no Colo Norte, mas tiveram que descer devido aos fortes ventos. A partir do dia 20 fizeram sua tentativa de ataque ao cume, chegando ao acampamento mais elevado no dia 23.

O plano era pernoitar na barraca (que nem tinha sacos de dormir), se hidratar, descansar, e então prosseguir rumo ao topo de madrugada. O cair da noite, contudo, lhes frustou as expectativas, pois uma nevasca forte se abateu, perdurando quase a noite toda, obrigando-os a descer na manhã seguinte.

Em 25 de maio a expedição foi cancelada, após 24 dias de aventura. Além do clima encrespado, o principal motivo da desistência foi a falta de tempo (eles tinham que retornar aos seus afazeres profissionais no Brasil).

Essa expedição representou uma evolução de 7.000m em 1991 para 8.150m em 1997, um ganho de mais de um quilômetro encosta acima, além de acumularem experiência, muito embora o casal não se importe muito com números e estatísticas, focando-se principalmente na experiência desfrutada.

Capítulo 10 – CHO OYU 1997 (8.188m)

Helena ArtmannEscalando o Aconcágua, no início de 1997, a montanhista carioca Helena Artmann conheceu o famoso alpinista italiano Silvio “Gnaro” Mondinelli (décima-terceira pessoa a culminar todos os 14 picos 8.000), que a convidou para, no segundo semestre, integrar expedição ao Cho Oyu.

Compunham o time, também, sete italianos, três franceses, um britânico e a escaladora suíça Alexia Zuberer (uma das raras mulheres a pisar no cume do Everest sem utilizar oxigênio engarradado), com quem a brasileira fez ótima amizade.

A marcha de aproximação foi de dois dias a partir de Tingri, com chegada no acampamento-base em 25 de setembro. Outros três acampamentos superiores foram instalados, o último no dia 6 de outubro, a 6.900m da Rota Tichy, na Face Noroeste (rota padrão até o platô do topo).

Helena teve sua aclimatação prejudicada muito por causa das péssimas condições meteorológicas que imperaram enquanto esteve no Cho Oyu. Também não facilitou muito o fato de os italianos estarem com muita pressa para chegar ao cume, queimando etapas e dificultando a vida dos demais membros do time.

Na primeira semana conseguiu subir duas vezes até 6.400m (pernoitando uma vez nesta altitude). Nas duas semanas seguintes enfrentou ventanias terríveis e temperaturas extremamente geladas (segundo alguns relatos a sensação térmica teve picos de -40ºC), o que inviabilizou escalar mais alto. As condições eram tão ruins que da chegada ao Cho Oyu até o término da temporada de outono, apenas cinco escaladores conseguiram furar o bloqueio climático e fazer cume. No vizinho Everest, ninguém obteve sucesso nessa temporada.

Gnaro Mondinelli e Paolo Paglino foram dois dos felizardos que conseguiram o êxito de, no dia 15 de outubro de 1997, ir até o ponto dominante da montanha (um impressionante speed ascent de 9 horas a partir do campo I, a 6.400m). Logo após os demais ataques ao cimo foram cancelados e no dia 17 de outubro a expedição foi encerrada e o retorno para casa começou.

O cume foi elusivo para a montanhista brasileira, mas mesmo assim é uma vencedora, a segunda mulher do Brasil a se aventurar no Himalaya. Nossas duas Helenas fizeram bonito em 1997.

Continua…

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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