A Trilha dos Seis Ranchos – Relato Denúncia

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Sempre me perguntei o q haveria naqueles contrafortes montanhosos opostos q cercam o Rio Anhangabaú, além do Rio Quilombo. A distância, o duplo desnível de quase 400m e a ausência de trilhas perenes desmotiva td e qq exploração a menos q seja com pernoite. Nem os guias/monitores de Paranapiacaba conhecem e mto menos se atrevem a meter as caras naquela região. Mas foi provado q aquele setor é repleto de “Ranchos“, definição usual q se dá por lá aos acampamentos de palmiteiros ou caçadores ilegais. E essa foi a proposta deste último domingo: uma árdua pernada de 10hrs ininterruptas q não apenas contempla seis destes “refúgios“ improvisados – uns desativados e outros em perfeito estado de conservação – como tb percorre o extremo norte da crista da Serra do Quilombo, incluindo um dos seus picos mais elevados, o Pico do Quilombo, pra depois retornar pelo acidentado Rio Anhangabaú, via Cachoeirão. Eis a “Trilha dos Seis Ranchos“, um circuito pesado pra ninguém botar defeito numa Paranapiacaba q poucos conhecem. A não ser os próprios extrativistas ilegais.


O dia estava perfeito naquela manha de domingo qdo eu e o Carlão saltamos na vila inglesa, as 8:20hrs. A atmosfera límpida e transparente isenta de qq vestígio de nuvens anunciava q aquele dia seria quente e ensolarado. A passos ligeiros rasgamos a vila, q recém acordava, e num piscar de olhos nos vimos envoltos pelo frescor da sombra da Estrada do Taquarussú, além de muita conversa sobre planos futuros de pernadas.

Ás 9hrs mergulhávamos definitivamente na mata através de uma trilha já cantada em verso e prosa trocentas outras ocasiões, palco de muitas aventuras passadas e de muitas ainda por vir. Já de cara topamos com uma cobrinha assustada no meio da vereda, além de muita mata tombada obstruindo o caminho, provavelmente em virtude dos últimos vendavais q assolaram Sampa nos últimos dias. O ritmo pesado imposto aliado ao calor não tardam a encharcar nossos rostos, e o suor escorre em bicas pela ponta do nariz. As paradas eram breves até pq mutucas ensandecidas não permitiam descansos maiores, mordendo avidamente até por cima da roupa.

Ás 9:45 tomavamos o ramo da esquerda na famosa “bifurcação das bananeiras” e 15min depois alcançamos o topo da serra. Dali foi só descida, e ao constatar o quão seca estava a mata em volta topamos com uma segunda peçonhenta descansando no meio da trilha. É, tínhamos q redobrar o cuidado. Deixamos a principal numa das varias bifurcações e tomamos uma discreta picada saindo pela esquerda, onde embicamos piramba abaixo através de uma vereda q logo sumiu, mas varando-mato e farejando seu rastro era logo encontrada mais adiante. O som de água próxima se fez presente e, do nada, emergimos numa clareira plana no meio daquela encosta íngreme, cercada de pés de limão e bananeiras, as 10:30hrs. Estávamos no primeiro rancho do dia, q apelidamos de “Garagem”, pois o formato do casebre deserto e improvisado lembrava uma. Sustentado por troncos finos de madeira, coberto por lonas e cercado de plásticos, o local tinha até seu charme rústico embora estivesse bem sujo. Uma maca q devia ser a cama, um fogão a lenha e mesinhas de madeira dividiam espaço com td tipo de tranqueiras, como bules, enxada, panelas, pratos, talheres, maços de cigarro, garrafas, sacos com comida vencida, latas e roupa suja, entre outras coisas.

Prosseguimos a pernada por meio de uma trilha óbvia saindo do rancho q despencou piramba abaixo, passando por arvores gigantescas e verdejante mata, mas q logo desapareceu por completo. Não faz mal, pois havia apenas q descer e assim fizemos, varando um matinho básico sem gdes dificuldades apenas orientados pelo rugido onipresente e cada vez mais forte do Rio Quilombo nos aguardando lá embaixo. Eventualmente surgiam voçorocas de cipós nos segurando ou mata espinhenta da qual desviar, mas nada de mais. E assim alcançamos o fundo do vale, as margens do Rio Quilombo, as 10:50hrs. Cruzamos à outra margem saltando de pedra em pedra ate nos empoleirar numa, onde tivemos um breve pit-stop de descanso. Menos de 10min, diga-se de passagem.

Após mastigar sandubas, bolachas, pedaços de bolo e frutas, retomamos nossa marcha agora piramba acima e sem trilha através da íngreme encosta q surgiu. As vezes havia vestígios de trilha mas q logo desapareciam, daí varamos mato nos guiando pelas marcas de facão e assim ganhamos lentamente altitude naquela íngreme encosta. Firmando-nos no arvoredo ao redor penosamente e depois de alguns lances de escalaminhada de barrancos, atingimos um patamar onde o terreno suavizou até encontrar uma trilha, ornada por belos exemplares de esguio palmito.

Acompanhando a dita cuja desembocamos no segundo rancho, este desativado, as 11:40hrs, q apelidamos de “Caçador” por razões óbvias. Em meio a madeira, plásticos, mangueiras de captação e td sorte de tralhas encontramos colchões, um chuveiro intacto e até uma carteira de couro pra munição. Mas o q deixou o Carlos radiante foi encontrar uma “pistola” de fabricação artesanal, feita de um cano de ferro apoiada numa base enfaixada por uma borracha, onde uma mola acionava o “gatilho”. Uma relíquia q o Carlos fez questão de levar junto.

Prosseguimos então nossa jornada piramba acima tomando uma picada q partia do rancho, e assim fomos ganhando altitude lentamente naquela íngreme encosta. No caminho, uma” tocaia de caçador” disposta estrategicamente num cocoruto serrano apenas corrobora nossas suspeitas de q aquela região realmente tem visitação seleta. Mas logo a picada sumiu em definitivo nos obrigando a varar mato outra vez. E assim fomos ganhando sucessivos patamares no q parecia ser uma crista ascendente q bordejava um enorme rochoso, eventualmente atravessando bambuzais secos q estalavam diante nossa passagem forçada.

Enfim, ao meio dia emergimos já no alto da serra pois já não havia mais o q subir, onde tomamos uma trilha q percorria a crista sentido NE. A partir dali a pernada transcorreu agradável e sem gde dificuldade pois se manteve sempre no mesmo nível, com gostosa vegetação nos proporcionando a sombra desejada naquele calor dos infernos. Infelizmente a mesma mata q nos provia de sombra nos proibia qq visibilidade do entorno, principalmente enormes bambuzais q as vezes tínhamos q quebrantar no caminho.

As 12:15hrs topamos com uma bifurcação em “T”, onde logicamente tomamos o ramo da esquerda (NE) pois o da direita (S) levava jeito q percorria a crista sentido Poço das Moças, mas isto há de ser confirmado ou não noutra exploração. Assim a pernada pelo alto da serra correu no mesmo compasso anterior, de forma sussa e desimpedida, agora através de uma crista descendo suavemente. Em tempo, nossa intenção indo pra NE era chegar nos limites da Faz. Matarazzo (ou Sitio Quilombo), uma área de reflorestamento, onde se encontram as nascentes do Rio Anhangabaú.

Nessa hora a sede apertou e lamentei não ter abastecido meu cantil no fundo do vale pois dificilmente teríamos água no topo da serra. Mas eis q as 12:50hrs meu desejo se materializou num improvável córrego de encosta parcialmente seco correndo por entre pedras desmoronadas. Não me fiz de rogado e fiz uma captação q satisfez meu ardente desejo pelo precioso e refrescante liquido. A pernada assim transcorreu sempre no mesmo compasso anterior, descendo suavemente aquele topo de serra através de uma crista florestada e coberta de bambus e mata ressequida. No caminho, vestígios de enormes fornos cavados na encosta deixam aqueles q se vêem na “Volta da Serra” parecerem caçapas de bilhar.

Continua…

Fotos e texto de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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