Abrigo na Montanha

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Este texto conta como Arlindo Renato Toso, Vitamina e outros construíram um abrigo de montanha onde hoje é o A1, quando ainda se cruzava o cume do Caratuva para ir ao Pico Paraná, foram confundidos com guerrilheiros e enquadrados na Lei de Segurança Nacional pelos militares no ano de 1970

Este episódio se passou em Julho de 1970 – temporada de montanhismo, exatamente quando acabávamos de realizar um sonho de todos os montanhistas que freqüentavam a região do Pico Paraná – ponto culminante do estado, ou seja: O de implantar na encosta de ligação entre o Caratuva e o pico Paraná, um abrigo de montanha, pré-fabricado, cujo objetivo não era outro senão, o de nos proteger do vento, do frio e da chuva, nos pernoites que freqüentemente fazíamos na região.
 
Pois bem, antes de contar o “Causo” propriamente dito, cabe aqui recordar que: havíamos recentemente fundado o Clube da Montanha, oriundo de dissidentes do CMC-Circulo de Marumbinistas de Curitiba, no abrigo de um galinheiro, que existia nos fundos da casa do Vita na Brigadeiro Franco.
 
Dessa “tchurma” fazia parte, além do Vita e Eu, mais o Nelsinho, o Fernando Cipó, o Amauri Brandt, o Rubens Seidel, o Ney, o Ronaldo e outros, que não me vem à memória, no momento.
 
A idéia foi a de construir um abrigo de montanha, tipo “iglú”, com armação de madeira e cobertura de alumínio, montável e desmontável por partes, pois assim seria fácil transportá-lo, não só nos carros, como nas costas, por cima da mochila de cada um dos voluntários.
 
O material necessário para tal empreitada foi adquirido, graças à colaboração de todos e, o tempo de sua construção foi um “recorde”, tamanho era o interesse da equipe que se propôs realizá-la. O quartel general continuava sendo o Galinheiro do Vita. Tudo pronto, catalogado, numerado e desmontado, marcamos data para levá-lo para a alta montanha! Que maravilha! teríamos, daí para a frente, onde nos abrigar e acomodar, naquela, que era a montanha mais freqüentada pela nossa equipe, na época.
 
Marcamos a viagem para o final de semana seguinte, dividindo a equipe em dois carros: Um deles era o fusquinha da Atalaia Cia. de Seguros, do qual eu era o usuário, com emblema e tudo; O outro era uma camioneta Corcel Belina do Amaury Brandt. 
 
No sábado, 6:oo horas da matina, lá fomos nos, pela BR-116 rumo ao posto do Tio Doca e de lá,  após a segunda ponte, por uma estradinha secundária, com muitos buracos e subidas íngremes, rumaríamos ao sítio do Belizário, onde iniciava a picada de acesso ao topo do Caratúva, primeira etapa da escalada do pico Paraná.
 
Com os carros carregados de barracas e mochilas, e nós, os montanhistas, em traje de “briga”, como se costuma dizer, antes de entrar na estradinha, chegamos no posto para tomar um café e esticar as canelas. Notamos algumas pessoas nos olhando meio de “vezgueio”, mas como já estávamos acostumados, não demos maior importância ao fato.
                                       
Seguindo em frente, atingimos a segunda ponte e em seguida a estradinha existente à sua direita. Pois bem, não demorou muito para encontrarmos o primeiro atoleiro, através do qual, o fusca passou bem mas,  a belina não …!  Carregada como estava, nos deu um belo suador para ser desatolada. Ufa! não foi fácil. Mas, como a turma era grande,  rapidamente escapamos desta e de mais duas outras encalhadas.
 
Chegando ao Belizário, mochila nas costas, mais o pedaço do abrigo que nos cabia, iniciamos a longa caminhada que se nos apresentava pela frente. Lá fomos nos, pela encosta do Caratuva. Parecíamos uns guerrilheiros… Guerrilheiros?? Epa! upa! desculpem montanhistas.
 
Chegamos e traspassamos o cume do Caratuva porque, o local onde pretendíamos montar o abrigo se situava mais a frente, na crista de ligação ao pico Paraná. Nesse local o abrigo ficaria visível de todos os ângulos em que estivesse-mos, inclusive dos que se encontrassem a bordo de qualquer das aeronaves que faziam a rota Curitiba – S. Paulo. Imaginaram!!. Época de Governo Militar!!
 
Procuramos e encontramos no meio do caminho, o lugar ideal para a montagem do abrigo e, sem perda de tempo, nos pusemos a trabalhar. Como cada um sabia onde se encaixava sua parte, em pouco mais de hora e meia,  o bicho se encontrava de pé e em condições de nos abrigar do tremendo toró que parecia estar chegando. 
 
Parecia não, poucos minutos após, o Céu que era azul para o lado noroeste, ficou preto e, com o vento forte e quente que soprava daquela direção, veio também a chuva. Uma chuva torrencial mesmo, a tal ponto que, o abrigo, apesar das amarras que o prendia ao solo, começou a tremer e fazer um pouco de água. Isto aconteceu porque, em alguns dos pregos que fixavam o teto na armação, por não ter dado tempo de calafetá-los, deixavam passar um pouco da água daquele formidável aguaceiro. Felizmente, depois de 2 horas, a chuva abrandou e, mais tarde o temporal sumiu, deixando para traz um céu estrelado que, a seguir, foi encoberto pela brilhante Lua que despontava no horizonte leste, lá pelas bandas da baia de Paranaguá e  Ilha do Mel. Pena que os paredões do pico Paraná, que ficava logo a frente, ofuscavam parte do espetáculo. 
 
Magnífico! o Abrigo aprovou cem pôr cento. Comemoramos o acontecimento com champanhe e tudo o mais que tínhamos direito. O pouso foi estupendo! apesar de um pouco apertado, pelo número de pessoas ali acomodadas. Porém o dia seguinte foi melhor ainda, porque? Porque, após um rápido café partimos rumo ao pico Paraná em cujo ponto culminante chegamos por volta do meio dia.
 
Nesse local havia um livro de registros. Nele anotamos o grande acontecimento, fizemos um lanche, tiramos as fotos de praxe e retornamos imediatamente á nossa nova base, a qual, a partir daquela data, passaria a ser nosso abrigo na montanha e, não mais o topo do Caratuva, como antigamente. 
 
Novamente com as mochilas nas costas, agora com toda a carga que deveríamos levar de volta, iniciamos a descida rumo ao sitio base, chegando ao mesmo pôr volta das l6:oo horas. 
 
Depois de um breve papo com o Sezinando, filho do Belizário, este nos informou que um pessoal do exército esteve rondando o local após havermos iniciado nossa caminhada do dia anterior. O que estaria acontecendo? Ninguém falou nada… Nada! Pois bem, a bordo dos carros, nos despedimos do dito cujo e seguimos  direto para o posto do Tio Doca onde pretendíamos tomar um café e retornar a Curitiba, agora cansados, mas felizes por termos atingido com êxito, nosso objetivo.
 
Eu falei que pretendíamos tomar um café no posto do Tio Doca! lembram? Pois bem, ficou só na pretensão, porque, assim que desembarcamos dos carros fomos imediatamente cercados, por não sei quantos milicos!!!! do Exercito, da Aeronáutica e não sei de quantas outras armas mais, haviam… Fomos detidos ali mesmo. Com direito a uma revista de cima a baixo, tudo como determinava o figurino de um filme de guerrilha na selva. Mas que selva?, se estávamos em pleno posto de abastecimento de veículos, inocentemente? E o que havíamos feito? Não havíamos feito nada!!! Era necessário uma explicação… Sim, uma explicação clara, do que estava acontecendo! 
 
A explicação demorou a chegar, e como demorou! Chegou muito depois do impacto inicial. Depois de uma demorada conversa do Vita com o Oficial comandante da operação, onde soubemos que na região da Ribeira, estava ocorrendo uma operação de treinamento de guerrilha e que, o Exercito foi chamado a intervir. Os pretensos subversivos haviam fugido em direção ao sul e estes estariam dispersos pela região onde nos encontrávamos. Será possível que aquilo estaria acontecendo conosco? Não seria uma … brincadeira?
 
Brincadeira? Não…Foi sério mesmo. Para todos os efeitos éramos nós os próprios. E como tal, pelas nossas roupas, as botas de montanhista, e o chapéu de milíco camuflado que caracterizava o Vita na época e, o identifica ainda até hoje, éramos os próprios. Não havia dúvidas!. Porque haveríamos de construir um abrigo na montanha? Para sinalizar aos aviões inimigos? Será ? Montanhistas? Mentira!, Éramos, na realidade, os suspeitos número um do evento acima mencionado, e como tal, tínhamos que ser identificados e fichados.
 
Fichados de fato fomos. Soubemos mais tarde que no Dops de Curitiba, havia um completo relato do ocorrido, com fotos da turma toda, incluindo o fusquinha da Atalaia Cia. de Seguros que eu dirigia. Acreditem pois é verdade, é a pura verdade. Não é uma beleza? Beleza pura!! Ah, ah, ah, 
 
A ficha do Vita, não sei porque… Era a mais extensa. Era íntimo daquele órgão de repressão da ditadura militar. Uma Beleza!! Porque será em, em ! Cala-te boca… cala-te.
 
Bem voltando ao episódio em si, teríamos a acrescentar que o circo estava armado, a confusão era generalizada. O bate boca continuava e a adrenalina estava a mil! 
 
Explica daqui, explica dali e aos poucos a evidências do engano, foi aparecendo. Quem tinha feito a denúncia?… Quem tinha nos dedurado? Foi o próprio Doca, uma espécie de Xerife da região, o qual nunca havia entendido direito e, não entenderia nunca, o porque da freqüente presença daqueles esquisitos personagens nas serras da região? O que faziam La em cima? Não tinha nada de especial lá!… Montanhistas? Que bicho é esse? Os caras eram muito suspeitos, ah! se eram… Lembram do ambiente carregado que citei no início desta narrativa, pois é, o resultado foi este…
 
Feita a acareação de todos e, não muito convencidos de nossa inocência, chegaram a conclusão de que não poderiam nos deter ali, razão pela qual, por absoluta falta de provas,  nos liberaram para seguir viagem. Ao chegarmos a Curitiba, pôr volta das 22:oo, todos os nossos familiares se encontravam preocupadíssimos com a demora e, como não poderia deixar de ser, ficaram ainda mais preocupados  quando narramos o acontecido. 
 
Ufa! que sufoco. De que enrascada nos safamos? Foi digno de registro, não foi? Um fato pitoresco que, somente poderia ocorrer, nas inteligências do regime militar em que vivíamos na época…, concordam?
 
Neste ponto, me vem a lembrança de mais alguns belos pernoites que fizemos na região do Caratuva e/ou Pico Paraná. Principalmente com o Gavião; a Mariza; Os Filhos. Eu e a Marly. 
 
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