Alto e Baixos da Serra do Japi

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Roteiro tradicional de bikers de Jundiai (SP), a “Torre da Cultura” é tb acessivel a adeptos de pernadas um pouco mais exigentes. Pesada não pelo terreno e sim pelas grandes distâncias envolvidas na deslumbrante Serra do Japi, uma vez q o trajeto de 14km (só ida) é td feito numa estrada de chão tão bucólica qto precária.

Mas com boa logística, oportuna emenda de trilhas e, principalmente, disposição, é possivel não apenas alcançar o pto culminante desta serra como tb conhecer uma simpática cachu no fundo dum vale transversal. Um rolezinho puxado q não apenas descortina os altos e baixos da serra q guarda Jundiai a seus pés. Mas um bate-volta q não deve nada aos adeptos da magrela, utilizando apenas seus próprios pés.
 
Pra variar, madruguei feito coruja justamente com o intuito de otimizar ao máximo o tempo de pernada pois a intenção era um prosaico bate-volta. Ainda assim, perdi tempo precioso nas maleditas baldeações do Metrô e na linha rubi da CPTM, por conta dos “tradicionais” trechos em obras, algo sabiamente feito por ambas empresas aos domingos. Mas depois de demorada viagem, desembarquei em Jundiai por volta das 7:30hr, juntamente com a alvorada despontando no horizonte, q tingia aos poucos o céu de tons rubro-alaranjados a leste. O dia, enfim, prometia-se limpo e despido de qq interferência.

Da estação, situada na cota dos 700m de altitude, já sabia q tinha q chegar no bairro rural da Sta Clara, situado algo de 6kms ao sul, mas não fazia idéia alguma da condução q me levasse até lá. “Dane-se! Vou a pé!”, pensei, afinal dispunha somente dum precário impresso das ruas da cidade. Além do mais, a manhã fria inspirava já colocar os pés a trabalhar. Como já perambulara por ali na ocasião da minha primeira visita a Jundiai (lembra dum breve bate-volta á “Pedra da Baleia”?), basicamente repeti o trajeto feito naquela vez, q rasga a cidade ao meio emendando avenidas e ruas no caminho.

De forma apressada atravessei umas quebradas do centro, andei quase td extensão da rua Cica até a Vila Arens, onde cheguei finalmente a Rod. Anhangüera (SP-330) as 8hrs, já com bela vista da Pedra da Baleia iluminada pelos raios matinais. Do outro lado bastou seguir a boa sinalização rumo Sta Clara e, dessa forma, cruzei td Vila Maringá pela Av. Clemente Rosa, deixando o Serrote da Baleia pra trás pra agora ter meu primeiro vislumbre da Serra do Japi, no caso, o enorme morrão esmeralda com uma antena da Globo espetando o azul do firmamento.

As 8:30hrs passo sob a Rod. dos Bandeirantes (SP-348), onde a paisagem muda completamente. O cinza da urbe dá lugar ao verde em estado puro, e uma placa desnecessariamente me dá as boas vindas á Serra do Japi. Não apenas uma senão várias placas reiterando ali já ser área de proteção ambiental, prevenção de incêndios, macrozona de reserva biológica, abandono de animais, etc. Agora minha rota segue sempre pela Av. Attilio Gobbo q basicamente bordeja este primeiro contraforte serrano pelo sul. Sempre no asfalto, algumas chácaras e sítios pontilham o caminho dando a impressão de se estar numa cidade interiorana.

Mas eis q finalmente, a exatas 9hrs, alcanço o pacato bairro de Santa Clara, agora na cota dos 750m, onde peço algumas infos. O lugar é marcado por sítios, um boteco, campo de futebol e a simpática capelinha amarela q empresta o nome ao bairro. Dali em diante ignoro a bifurcação sentido Paiol Velho e Pirapora do Bom Jesus e me pirulito sempre pela principal, ou seja, a Av.Luiz Gobbo, popularmente conhecida como “Estrada da Laranja Azeda”. Larga, de chão batido e bem poeirenta, esta via toca sinuosamente pra sudoeste. Após o rústico portal de madeira, esta via sobe suavemente a serra em meio a muitos morros, chácaras e sítios, bordejando alguns reflorestamentos de pinnus e eucaliptos nas raras baixadas.

E tome caminhada interminável pela frente! Após deixar o “Morro da Globo” bem trás, bordejar uma lagoa, onde a poeirenta estrada se encontra ornada de enormes bambuzais de ambos lados, é q a subida aperta um pouco. O raro trânsito de veículos me faz engolir poeira vez ou outra, pra espanto do bikers q cruzam meu caminho, aos quais aceno cordialmente. Mais comum mesmo é ver tropeiros naquela bucólica via, subindo ou descendo.Mas minha vez de ficar pasmo é, na solidão da chinelada proposta, ver um veado campeiro cruzar bem a minha frente, saltitando diagonalmente a estrada.

Após engolir muita poeira alcanço nova bifurcação, as 9:40hrs, onde tomo obviamente a via da direita, ainda me mantendo na “Laranja Azeda”. Essa encruzilhada, agora na cota dos 978m, é marcada não somente pela profusão de placas mas pelos belos e impressionantes monolitos rochosos q pululam o bosque de pinnus na margem esquerda da via. Contudo, é a partir daqui q sítios e chacaras começam a rarear até sumirem de vez. Uma nova capelinha precede um extenso baixadão, onde as vistas se ampliam e descortinam generosas vistas deste miolo montanhoso da Serra do Japi, mas logo a subida empina outra vez em meio a muito reflorestamento. E é aqui onde engato a “primeirinha”, de modo a ter forças pra poder retornar.

Mas após passar pela Faz. Monte Castelo (e, posteriormente, o Sitio Vale do Sonho) e tocar um tanto sempre sudoeste sem gdes intercedências, as 10:20hr a estrada faz uma curva fechada em 90 graus pra noroeste, ainda subindo. Mas aqui tb observo, agora na cota dos 1100m, uma trifurcação de picadas indo em direções q tangenciam a via principal. Bem munido de infos, abandono esta e me pirulito pela trilha q prossegue na direção sudoeste, ou seja, a da direita. E assim começo a descer a encosta vertiginosamente quase q em linha reta, com poucos desvios ou bifurcações significativas. A vereda é bem batida, relativamente larga e bem erodida, não tem erro. Visivelmente percebo q perco altitude rapidamente e me dirijo pro fundo dum vale, onde o frescor da mata fechada e mais densa não tarda a me envolver. A picada, nos trechos finais, mostra-se terrivelmente erodida e escorregadia, além de enlameada conforme alcanço a baixada.

Pois bem, após perder quase 200m num piscar de olhos, o som de água correndo nalgum canto logo inunda meus ouvidos. E exatamente as 10:45hrs desemboco nas margens dum belo remanso fluvial, marcado por uma simpática cachuzinha de quase 2m de altura e um pequeno poço raso na base. Sim, é uma queda pequena pros padrões serranos, mas valiosa pruma região com escassez do liquido vital, ainda mais num inverno com estiagem. Pela carta q trago deduzo q estou na cota dos 920m do leito do Córrego de São Jerônimo, no fundo do vale do mesmo nome. O som da algazarra dos bugios nalgum canto corrobora q a vida pulsa nestas entranhas do Japi, mesmo com a proximidade da urbe bem ao lado. E dessa forma me presenteio com um breve descanso ali, naquele pequeno paraíso particular, enqto beberico minha água e reponho o cantil.

Mas o descanso e contemplação é breve pq minha jornada tinha mto chão pela frente, fora a subida. Dali partem outras picadas q provavelmente devem emendar umas nas outras, mas isso fica proutra ocasião pq meu objetivo naquela manhã era outro: o topo do Japi. E assim retorno pelo mesmo caminho, ganhando novamente td aquele desnível de quase 200m perdido na descida.

Com a língua quase arrastando o chão, as 11:15hrs dou novamente na estrada e retomo minha ascensão suave pela empoeirada via. E tome mais chinelada! A rota sobe rumo noroeste na direção dum largo selado onde dou adeus ao vale do “Morrão da Globo” (q ficou bem lá atrás) e colinas sgtes, pra adentrar noutro enorme vale bem mais selvagem, bordejando sinuosamente a encosta das montanhas ao norte, agora pra oeste. Este trecho é, alem de mais alto, mais bonito em termos de vegetação pois os reflorestamentos ficaram bem pra trás e agora a mata ao redor é basicamente composta de mata ciliar e secundária. E nas frestas e janelas desta mesma vegetação é possível ver o qto já se subiu, assim como a vista tão vertiginosa qto deslumbrante dos fundos vales ao redor como dos abruptos contrafortes serranos apontando pro céu.

Qdo a estrada faz uma curva pro sul é q subida aperta de vez e a estrada, agora relativamente calçada num misto de pedra e asfalto, embica mesmo. E tome piramba forte sob o sol escaldante do quase meio-dia, onde percebo q me dirijo prum selado q une dois gdes picos do Japi, ambos coroados por enormes antenas q espetam o firmamento. No caminho, a esquerda e meio moçada a margem da via, há uma canaletinha de captação onde corre água cristalina e pode ser a ultima opção de obtenção do precioso liquido. A subida é árdua e cansativa, mas ao menos a brisa q sopra do leste refresca o suor q escorre farto no rosto.

Uma vez no selado, ao olhar por sobre o ombro os horizontes descortinam-se de tal modo q percebe-se q não há mais o q subir. Equivocadamente tomo a via da esquerda q me leva na solitária antena da 105FM, situada num dos gdes picos avistados, onde estridentes cães fazem questão de me anunciar. Mas, aos trancos e barrancos, retorno e tomo a direção correta rumo o pto culminante da Serra do Japi, onde um punhando de antenas (de telefonia, principalmente) divide amplo espaço do cume, com a “Torre da TV Cultura”. Ali, do alto dos 1300m do lugar é preciso fazer força pra ter algum visual, tomado por arvoredo em volta, e quiçá por isso seja meio frustrante no quesito paisagem. Mas por entre as frestas pude avistar parte da Serra da Hermida e do Guaxinduva, belos contrafortes do Japi situados, respectivamente, ao norte e ao sul.

Assim, as 12:20hrs me sento na sombra dum pequeno arbusto ao lado de tds aquelas torres afim de beliscar algo e, principalmente, descansar. Os pés estavam inchados ate não poder mais. A pernada cobrava seu tributo, claro, mas tava contente por estar ali na base da chinelagem. Qdo cheguei estava de saída uma picape da Guarda Municipal de Jundiai, provavelmente fazendo alguma vistoria no lugar, sei la. Me passou vagamente pela cabeça pedir carona pra eles, afim de não ter de voltar td aquele chão novamente. Mas logo essa idéia se diluiu qdo pensei q se havia chegado na sola, poderia voltar no mesmo esquema. Precisava apenas ter um tempo pra me recompor, nada mais.

Pouco antes das 13hrs comecei a longa e demorada jornada de volta, de preferência pelo mesmo caminho. Havia a opção de tomar a “Estrada da Malota” q, sentido sul, me deixaria no bairro do mesmo nome, perto de Jundiai. Mas deixei essa alternativa proutra ocasião visto q mesmo assim teria q andar um tanto até a estação, opção q imediatamente descartei. Logo, minha idéia era chegar na Santa Clara e dali pegar busão (q sabia q tinha) pra CPTM. E assim prossegui minha interminável volta, sem esperança alguma de carona pq neste trecho do Japi vez ou outra passa algum carro, embora seja mais freqüente avistar o pessoal adepto de duas rodas. Mesmo assim, destes só vi pouco mais de uma dúzia nesta minha visita a região..

Devagar e aos trancos e barrancos, finalmente cheguei na Santa Clara por volta das 15hrs e me informei dos horários de buso no simpático (e único) boteco dali, o “Recanto Santa Clara”. Pra variar, os horários de condução eram bem irregulares mas eu não quis nem saber, e decidi aguardar o proximo buso mesmo q tivesse q esperar 3hrs! O joelho latejava, a perna cambaleava e o pé pedia pra sair da bota de tão inchado q tava. Tinha pernado pouco mais de 30kms, vencendo um desnível superior a 850m em menos de 7hrs! Como tô "véio", andar mais tava fora de cogitação! E simplesmente desabei numa das cadeiras do boteco e matei o tempo de espera entornando uma, duas, três e até quatro garrafas de breja solitariamente, enqto assistia ora o vai-vem do pacato bairro ou a peladinha de futebol dominical no campo logo a frente, a distancia.

O buso (“582 – Rami”) so passou ao redor das 16:10hrs e nele embarquei num estado etílico (meio) avançado, q proporcionou uma boa soneca durante a demorada volta. Mas logo acordei com o cobrador me cutucando q o latão já tava no pto final, ou seja, o Terminal Rami, situado na Vila Arens. Dali tive q fazer baldeação (gratuita) em qq buso q me deixasse no centro, q no caso foi o “986 – Terminal Cecap/Vila Arens”, viagem esta apinhada de gente bem vestida, empunhando sua sagrada bíblia. Saltei no tal Terminal Cecap q, pasmem, fica bem próximo da estação da CPTM.
 
Pois é, como agora sei como chegar na Santa Clara sem “camelar” desnecessariamente, é possivel se programar melhor pra conhecer na sola outros atrativos da região. Há mto mais mirantes em cumes serranos esperando visitação, como mais cachus situadas em vales escondidos nas entranhas da Serra do Japi. Sem falar nas trocentas picadas q se entrelaçam pela serra oferecendo belos circuitos q podem ser palmilhados num ou até mais dias. A Malota, Hermida e Guaxinduva já estão na mira, pois zonas fartas em caminhos e, principalmente, nascentes, justificando o nome da serra q em tupi-guarani significa “cabeceira”. E estas são rotas q somente pés bem dispostos podem alcançar.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

2 Comentários

  1. Embora faça tempo, só corrigindo a informação: a estação ferroviária fica ao lado do Terminal Vila Arens, e não Cecap (este, inclusive, fica longe da estação).

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