Cachoeiras do Chá e Alecrim em Tapiraí

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Localizada a cerca de 130km de São Paulo, entre Sorocaba e Juquiá, a pacata Tapiraí oferece aos visitantes um misto de tranqüilidade e aventura em meio aos encantos da Mata Atlântica. Encravada nos contrafortes da Serra do Mar e de toponímia tupi q significa “rio das antas”, Tapiraí é generosa no quesito hidrográfico e, consequentemente, repleta de cachus pouco conhecidas. E foi num tranquilo bate-volta q conferimos um tiquim do q esta cidadezinha tem a oferecer, sob a forma das aprazíveis cachus do Alecrim e do Chá, seu principal cartão-postal. Como bônus, a visita duma antiga comunidade quilombola estacionada no tempo, a do Ribeirão da Anta, q luta pra proteger suas tradições da ameaça imposta por grileiros ilegais. Um embate triste e desigual q inclui até cenas dignas de faroeste e gangsterismo.

Já havíamos deixado Sampa relativamente tarde naquela manhã fria de sábado, q só deu algum sinal de melhoras climatológica após buscar a Aline, ao passar de sopetão por Sorocaba. Dali em diante, na cia da Leticia, Pri e Carol (e da pulguenta Chiara, claro) tocamos pelo suave asfalto da SP-079 até o nosso destino daquele dia, a pacata Tapiraí. Contudo, com mais uma somatória de atrasos e imprevistos q nem vale esmiuçar terminamos chegando na supracitada cidade depois das 10hrs.

Tapiraí é um ovo só, e td comércio se concentra as margens da via q corta a cidade, no caso, a Av. Prof. Natan Chaves.  Já foi gde produtora e exportadora de Chá, produto q foi substituído pelo gengibre com a desativação da fábrica anterior. Sem atividade econômica relevante (o q justifica a redução de sua população), o ecoturismo se apresenta como forma viável e geradora de renda, uma vez q quase 80% da mata nativa ao redor foi tombada como APA e esconde inúmeros atrativos ao visitante.

Enfim, após breve desjejum na "Padoca do Bigode" embarcamos na caranga e deixamos a cidade, sentido Juquiá, novamente pelo asfalto da SP-079, q neste trecho passa a se chamar de Rod. Tenente Celestino Américo. Mas não rodamos nem 2km (em frente a uma fábrica de nome "Supply") e abandonamos a estrada em prol duma via de chão batido q nasce pela esquerda. A partir dali rodamos, rodamos e rodamos por uma estrada cascalhada – mas em boas condições – sempre na direção sudeste. Visivelmente descendo ao fundo dum vale, não demorou aos horizontes se alargarem na forma de inúmeras escarpas montanhosas forradas de verde a nossa volta. No caminho, apenas um ou outra chácara isolada aqui ou ali, das quais só destoaram uma tal Faz. São José (“Monitoramento ambiental”) e a Salve Floresta, uma pousada e centro de educação ambiental cuja clientela é basicamente de alemães.

Pois bem, após rodar sinuosos 18km chegamos aos cafundós do vale, onde demos de cara com os portões fechados (e bem vigiados) da CBA – Cia Brasileira de Alumínio. Foi ali q reparamos tb q uma picape nos seguia a certa distância. Seu motorista, um senhor de certa idade, não demorou a nos interceptar e interrogar sisudamente do q fazíamos ali, pois era proibido “circular” por essas bandas e q além daqueles portões nunca iriamos. No entanto, nossa alegação de q estávamos perdidos na busca duma comunidade surtiu efeito e o cara, q nos mediu da cabeça aos pés, logo vazou dali. Estranhamos a atitude mas não demos mta atenção ao fato.

Retrocedemos coisa de 3km pela estrada e finalmente encontramos o acesso a comunidade do Riberão da Anta, assinalada por um improvável pto de ônibus na margem da estrada, q nos passou desapercebido na ida. Dali bastou encostar o veículo q adentramos por uma boa via coisa de 200m e chegamos ao alto dum morrote onde tropeçamos com as primeiras casas. O bairro do Ribeirão da Anta é composto basicamente por membros duma única e imensa família, a Alves Silva, tanto q a comunidade é tb conhecida por “Nove Irmãos”. O patriarca, Seu Gumercindo, a mto faleceu mas seus quase 40 descendentes estão sempre lá, dispostos a receber visitantes e gastar seu dedo de prosa. Além da presença de borrachudos, tb nos chamou a atenção ali o calor abafado q fazia, q contrastava fortemente com o frio de Tapirai. Qq semelhança entre La Paz e a descida aos Yungas bolivianos não será mera coincidência.

Pois é, mal chegamos e fomos mto bem-recebidos por um punhado de tiozinhos (e alguns netos), como seu Zé e Dna Elisa. A Chiara, por sua vez, divertiu-se correndo atrás de patos e galinhas. Nos contaram de sua vida simples na comunidade, q o ônibus passa apenas uma vez ao dia e q por conta da APA tem uma pequena agricultura de subsistência. A volta ao passado se completa ao nos deparamos com a produção de farinha, com o milho moído num velho monjolo com mais de 50 anos e cuidadosamente mantido pela família. Sobrevivem, no entanto, de artesanato pois é lá q Dna Elisa confecciona as famosas cestas de bambu, esteiras e balaios de taboa, reconhecidas em td Tapirai e até no exterior.

Dali fomos conhecer os atrativos próximos da comunidade, onde não andamos coisa de 50m pela estrada e uma varga vereda nos levou as margens do espelho d’água duma das represas formadas pelo Rio Juquiá-Guaçu, mto procurado pra camping, pesca, passeios de barco. “Aqui dá tucunaré, carpa e bagre!”, entrega Seu Zé, frisando a represa se encontrar abaixo do nível normal devido a estiagem. “De barco, dá pra chegar numa linda queda resultante da foz dum afluente do Juquiá, a Cachoeira de Dezembro!”, completa.

Voltamos então ao bairro, e do antigo monjolo nasce uma vereda q acompanha o ribeirão q empresta o nome a comunidade. A trilha é bem batida, não tem erro, e basicamente adentra no vale margeando o córrego pela esquerda, a distância. Algum sobe e desce suave aliado a desvios de mata tombada na floresta surgem como únicos obstáculos. E após coisa de 500m palmilhados por trilha sussa chegamos ao lado da cachu do Monjolo, q nada mais é uma corredeira íngreme do córrego em questão, onde a água é despejada por uma enorme pedra inclinada pra então seguir seu curso em direção a comunidade. A cachu em si não é gde coisa, mas o entorno de verde pulsante é mesmo seu charme. Dali a trilha prossegue mata adentro, sempre acompanhando o rio q, segundo Seu Zé, repleto de piscinas e banheiras, até dar noutro bairro distante. Tem até uma “Poço da Massagem”, mas essa opção não pudemos conhecer por falta de tempo.

A hospitalidade e carinho do povo simples da comunidade foi algo q realmente nos marcou, tanto q Seu Zé não fez cerimonia e nos convidou degustar um delicioso bolo de fubá regado a café fresco moído na hora. As meninas não resistiram e levaram pilhas de cestas artesanais da Dna Elisa, q ajudam na renda da comunidade. A Pri levou até 1kg de farinha de milho fresquinha pra casa! Enqto isso, a Chiara divertia-se correndo atrás da bicharada até ser enxotada por uma galinha semi-depenada! “Essa penosa ficou assim depois q um gavião tentou levá-la daqui!”, diz Seu Zé. E não é raro encontrar td sorte de “espantalhos” improvisados com papelão pela roça da comunidade, inclusive pra afugentar saracuras e carcarás.

Entretanto nem td eram rosas naquele bucólico lugarejo. Seu Zé nos confidenciou q a comunidade passa um aperto maior por conta de grileiros ilegais (e endinheirados) q andam tomando posse de suas terras do outro lado da estrada. Contou q depois q um tal de Ivan Linhares chegou na “Faz. São José” (aquela grandona lá de cima, lembra?) e anda removendo na marra quem mora naquelas encostas de serra, não raramente recorrendo a truculência! “Meu sobrinho foi enxotado de sua casa de noite por capangas armados dele!”, diz Seu Zé, franzindo a testa. Como contra-medida, eles entraram com um advogado na justiça pra tocar o caso, na esperança q a pendenga se resolva antes q alguém da comunidade faça besteira. “Nossa paciência tá se esgotando!”, diz um dos sobrinhos. É incrível, mas basta mencionar o nome do cabra q o semblante da família Alves Dias fechar instantaneamente. E não tarda pro tal Ivan Linhares passar pela estrada em sua possante picape q a comunidade não se furta em disparar tds sorte de impropérios imagináveis (e inimagináveis) em sua direção. Pra nossa surpresa, o fulano era justamente aquele senhor q nos seguiu e perguntou o q fazíamos ali. Agora td fazia sentido…

O papo tava bom demais naquele cafundó serrano de Tapiraí, mas o tempo corria e precisávamos realmente zarpar. Podíamos ficar ali o dia td, ouvindo as estórias do Seu Zé, q não são poucas. Mas o relógio marcava além das 13hrs e precisávamos ainda conhecer o cartão-postal da cidade!! Nos despedimos da acolhedora comunidade Ribeirão da Anta e voltamos pela estrada de cascalho vale acima. Uma vez no asfalto da SP-079 tocamos coisa de 12km sentido Juquiá, e depois viramos a direita acompanhando a boa sinalização local. O asfalto novamente deu lugar a uma sinuosa estrada de chão q percorre o bucólico bairro do Chá, q rasgamos por 2km até passar pela ponte sobre o Rio Corujas. É possível deixar o veículo ali mesmo, mas a Carol optou deixá-lo 300m adiante, na Pousada Cachu do Chá.

A trilha é larga e batida, não tem erro algum. Ela percorre ao largo de 1000m a encosta íngreme q bordeja o Rio Corujas, e no caminho há algumas placas identificando a mata local, como laranja-de-macaco, cedro e canela-de-veado. A primeira ramificação surge em menos de 10min de pernada, a esquerda, e leva a “Piscina do Thiagão” (“O Senhor das Trilhas”, como frisa uma placa), q nada mais é um belo remanso composto dum enorme piscinão natural q represa a água pra depois despejá-la numa enorme canaleta rochosa onde o rio se torce numa sequência de corredeiras e desfiladeiros nervosos! Pausa pra fotos e contemplação, claro.

Tocando pra baixo ainda pela aprazível vereda principal, logo se chega no maior atrativo de Tapiraí em largos ziguezagues, a “Cachoeira do Chá”, q realmente impressiona pela sua dupla queda vertical q totaliza 30m. Ali o Corujas despenca furioso num poço fundo de água revolta onde um aviso bem colocado alerta do perigo de tchibum. Nem q fosse, pois o dia tava frio demais até pra encostar o dedão na água. Independente disso, estar ali contemplando aquela belezura natureba já tava bom demais. A Chiara até ensaiou um mergulho, mas sabiamente declinou desse intento ao encostar no espelho d’água. Pausa pra fotos. Muitas fotos, claro!

Mas claro q a gente não ia ficar somente onde a turistada costuma ir. A gente queria nosso quinhão exclusivo de aventura e resolvemos visitar o alto da cachu pra ter uma vista privilegiada da queda. Pra isso basta retroceder pela vereda principal alguns metros e logo uma discreta picada (proibida, claro!) já dá a dica de acesso. Dali basta bordejar a íngreme encosta cautelosamente, as vezes afastando a mata com as mãos pois aqui o matinho já tá mais crescido (e nadicas roçado) q na via principal. Agacha aqui, desvia ali, salta tronco acolá e pronto, o rabicho de vereda logo desemboca num braço do Corujas, paralelo a queda principal.

Dali bastou escalaminhar com cuidado os rochedos e lajes limosas queda acima, costurando o curso d’água sem mta dificuldade. Troncos tombados estão ali a td hora pra servir de oportunas agarras e corrimãos na subida, evitando q se patine pelas pedras escorregadias feito sabão. E assim, sem gde dificuldade a exceção da Chiara (q teve de ser carregada nos trechos em q suas patinhas não alcançavam), chegamos ao topo da Cachu do Chá, onde nos brindamos com um breve descanso e bela contemplação do visual do fundo vale do Corujas. Um gigante da floresta havia tombado sobre o mirante, mas isso não impediu q curtíssemos nosso único momento radical e adrenado do dia.

Retornamos pelo mesmo caminho, satisfeitos pela visitação deste belo remanso de Tapiraí. Dando continuidade a picada rio abaixo é possível, coisa de 2km beirando o Corujas por vereda menos roçada, atingir o asfalto da SP-079, programa q declinamos pq não vimos mto interessante e pq não tínhamos quem ficasse de resgate pro veículo. Mas fica a dica. Voltamos td e encostamos um tempo de relax na Pousada cachu do Chá, onde finalmente beliscamos alguma coisa e entornamos uma deliciosa breja. A Chiara, pra variar, se esbaldou correndo atrás da bicharada, coelhos e patos, dando vazão ao seu instinto predador.

O dia tava quase no fim mas ainda sobrava um quinhão de luz de modo a visitar uma última cachu. Voltamos pelo asfalto da SP-079, sentido Tapiraí, e por volta de 3km antes da cidade adentramos no bairro do Alecrim, devidamente sinalizado. Dali bastou tocar sempre pela principal, vale abaixo. A primeira bifurcação a direita leva a um belo mirante, onde se tem uma bela panorâmica de cristas e cristas de floresta desdobrando-se por 30km ou mais, na direção sul e sudeste. Mas mantendo-se na principal basta serpentear por mais 3km serra abaixo q logo se alcança um estacionamento forrado de cascalho. Dali já é possível avistar a Cachu do Alecrim, a qual se chega mediante breve picada logo adiante. A queda é bonita e tem algo de 4m, formando um poço ideal pra banho. Contudo, já passava das 18hrs e um frio cortando a alma já se debruçava na penumbra daquele vale. Pausa rápida pra fotos e bye!

Já escurecia qdo cancelamos nosso último rolê á Cachu do Juquiazinho, e nos pirulitamos em definitivo pra Tapiraí onde encostamos novamente na “Padoca do Bigode”. Antes de zarpar pra Sampa, brejas e salgados fizeram a festa do nosso bucho enqto a noite se avizinhava naquele cafundó frio e esquecido situado a sudoeste da maior Metrópole da América Latina. Um curioso cartaz anunciava laconicamente q “domingos e feriados não se vendia bebida em dose” no estabelecimento. Logo descobrimos q essa medida se devia ao fato dos bares estarem ali fechados naqueles dias, resultando num fluxo maior de bebuns na padoca, q fatalmente tropeçariam (e afugentariam) eventuais turistas como nós. É, coisas de cidade interiorana mesmo.

Tapiraí foi uma grata surpresa no quesito programa natureba próximo, de fácil acesso e ideal pra td família. Sim, um dia é insuficiente pra conhecer esta pérola e acredito q um final de semana com pernoite (em pousada ou camping) seja ideal prum reconhecimento mais completo dos atrativos locais, q não são poucos. Além da cachu do Juquiazinho, a oeste estão as do Limoeiro, Belchior, Turvo, Cerelo, Moças, Fartura, Gruta e Beija-Flor, sem falar nas situadas em área particular, como as quedas Dengosa, Macuco e Tombo. Há tb opção de exploração selvagem das corredeiras do Rio Verde, mas isto fica a critério do visitante da vez. Pra gente, além das boas imagens registradas ficou principalmente a lembrança marcante do caloroso povo do Ribeirão da Anta, q já valeu a pena. Torço pra q a pendenga envolvendo suas terras, q se assemelha à luta de Davi com Golias, se resolva logo e de forma pacifica. Só assim, ao lado dos deliciosos causos do Seu Zé e o sorriso largo de Dna Elisa, haverá continuidade da bela tradição artesanal q lhes deu notoriedade no exterior. E de preferência, na terra q lhes é sua por direito.
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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