Cavar ou não cavar?

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Recentemente no site Escalada Brasil foi posta a discussão sobre os problemas em se cavar ou alterar agarras nas vias de escalada. Muito foi dito, mas não se chegou à um consenso. Neste artigo pretendo pôr minha opinião sobre o assunto.


A Natureza, apesar de muitas pessoas pensarem assim, não é estática, está em constante evolução. Onde hoje é praia, há 60 milhões de anos atrás era a Serra do Mar. Onde antes foi praia, hoje é um Planalto. Isso não é filosofia, é conhecimento de caso.

A Serra do Mar sofreu um forte processo de recuo paralelo das vertentes durante o período geológico do Terciário. O material correlativo desta regressão se encontra abaixo das águas do Atlântico e na bacia do Paraná. Em momentos mais recentes, em bacias como a de São Paulo, do rio Paraíba do Sul, de Curitiba e Itaboraí no Rio.

O arenito esbranquiçado que escalamos na Serrinha de São Luis do Purunã era, há cerca de 400 milhões de anos atrás, areia de uma praia em um oceâno que nem existe mais em um continente que também já se desintegrou e que daquele relevo não resta mais nada na Paisagem.

Pois bem, este texto começa radical para argumentar contra pessoas radicais. Sim, pois achar que furar um buraquinho em um afloramento rochoso de 1/2 polegada não é impacto. Cavar uma agarra para transformar uma via difícil em algo escalável ou colar agarras que cairam com a ação do tempo e do próprio peso dos escaladores também não é, mas para este caso a discução transcorre a questão ambiental para adentrar à questão ética e cultural.

Eu sempre critiquei os escaladores que, de maneira utópica, achavam um absurdo agarras de vias de escalada caírem. Na perspectiva que eu tenho de evolução de paisagens, isso é normal e ocorre de maneira natural. Claro que na escala de tempo da vida humana não iremos ver uma montanha sendo erodida, mas dentro desta perspectiva iremos ver microformas do relevo sendo formadas ou destruidas e isso quer dizer que vamos ver desplacamentos de rochas, quebra de cristais de quartzo, etc etc…

Entretanto se este campo de discussão for levado para dentro da questão ética da escalada esportiva, discordo que pessoas “fabriquem” vias de escalada no meio natural.

A colocação de agarras artificiais na rocha natural, o “cavamento” de buracos para usar de pegas, ou colar algo que caiu na minha opinião são atitudes que prejudicam a escalada.

A escalada esportiva evoluiu com a colocação de desafios aos escaladores. Na década de 1950 escalar um 7a francês (7c do Brasil) era algo impossível. Hoje estamos no limite do 9b (12 brasileiro). Imaginem se os afloramentos rochosos onde há vias de grande dificuldade fossem todos considerados impossíveis e para serem vencidos fossem cavadas agarras para “facilitar” a escalada. Então estaríamos de fato jogando uma pá de cal na evolução.

Tá certo que na Europa a cavação de agarras permitiu que várias vias, das mais difíceis do mundo, fossem passíveis de serem escaladas, tais como a Realization. Mas será que permitindo a cavação estaremos abrindo no Brasil vias como esta? Ou estaríamos destruindo Realizations do futuro?

No Paranorama atual da escalada brasileira vejo que ainda é precipitado permitir uma alteração do estado natural das vias de escalada, pois há uma grande discrepância do nível técnico dos escaladores. De um lado temos alguns poucos talentos que são capazes de malhar para mandar vias extremas, mas por outro, a grande massa da escalada, escala vias bem fáceis.

Se formos permitir em nosso código de ética a cavação de agarras para fazer vias de 11 grau, por outro lado haverá gente no direito de transformar um 7a em um sexto. Pensando de uma maneira mais pura, a cavação também seria um contra na escalada pois na natureza temos que desafiar uma via da maneira que ela é e não produzí-la como produzimos uma via de campeonato dentro de um ginásio.

Por todos estes motivos sou contra a liberação de agarras cavadas e da alteração de vias naturais para facilitar ou dificultar uma via. Não por causa de um possivel impacto, mas sim por causa das consequências para a escalada, ou seja, por um motivo cultural e não ambiental. Nisso o Brasil tem que se orgulhar pois aqui felizmente poucas vias foram alteradas e não é por isso que vamos deixar de ter vias de 9a francês no futuro. Com a evolução e a exploração de novos lugares, como aquela gruta em Passa Vinte – MG, teremos vias de ótima qualidade e que nunca tiveram nenhuma alteração e que por isso representarão um grande significado na história da escalada.


Pedro Hauck, colunista do Altamontanha.com e tem apoio de Botas Nômade.

 

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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