Cerro Tunari

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A Bolívia sempre me atraiu, seja por suas montanhas, seja por seu povo que luta para manter viva a sua cultura.

Desde que comecei a fazer algumas caminhadas pelas montanhas brasileiras, sonhava com o dia que caminharia nas montanhas de grande altitude como as Andinas.

Motivado pela ida de um amigo ao Machu Picchu no início de Janeiro, decidi que esse era o momento para me jogar para a Bolívia e realizar o sonho de conhecer suas majestosas montanhas, e depois tentar encontrá-lo por lá, para quem sabe tomarmos uma cervejinha em La Paz.

Fui solitário, de busão e trem, no “pelo duro”, com pouquíssima grana, mas com muitos planos, e muita, mas muita disposição.

Tudo começou no final de uma travessia aqui em terras catarinenses. Combinei com um amigo de fazer uma travessia pela Serra do Quiriri para começar o ano com chave de ouro, a travessia Monte Crista-Pico Garuva. Começamos no dia 2 e terminamos no dia 4 essa majestosa caminhada, e nesses dois  dias tive o prazer de apresentar ao meu amigo Henrique essa serra que sou apaixonado, pois foi ali que descobri meu amor pelas montanhas.

Terminando a travessia começava a trip para Bolívia, assim, direto mesmo, com as mesmas roupas e equipos usados aqui eu me joguei para terras Andinas, sem nem tomar um banho.  Descemos do Pico Garuva tomamos uma cerveja gelada, comprei a primeira passagem e fui sentido Campo Grande, pois queria entrar na Bolívia via Trem da Morte

Passados as mazelas e complicações aduaneiras entrei em terras Bolivianas, e consegui finalmente tomar um banho depois da travessia, já tava ficando difícil a situação.

Dia seguinte comprei passagem de Puerto Quijaro para Santa Cruz via trem da morte. Se arrependimento matasse, eu tava duro e gelado no paletó de madeira. Nunca mas eu entro nesse trem! Puro tempo perdido.

Depois da maravilhosa viagem até Santa Cruz, nem sai da rodoviária e já embarquei para meu principal destino na Bolívia, Cochabamba, onde se encontra o magnífico Cerro Tunari.

Essa viagem até Cochabamba é rápida, até demais, pois os motoristas Bolívianos parecem querer treinar para serem pilotos de F1 dirigndo um busão. Apesar disso a viagem foi tranqüila. Comecei a subir realmente, e com a subida comecei também a sentir o tão esperado mal de altitude. Até agora não sei realmente se foi mal de altitude ou se foi o cagaço de se aproximar do Tunari, mas passei muito mal. Cheguei no terminal de Cochabamba já com embrulho no estômago, vontade de vomitar e uma “disfunção intestinal” que me fazia visitar o trono a cada hora. Procurei um alojamiento bem rápido e mais barato possível. Saí para comer algo, mas eu não consegui comer os “quitutes” da feirinha de rua, e fui dormir com a barriga roncando mesmo, só na base da água, muita água, para tentar ajudar na aclimatação e para ter o que vomitar também.

Acordei cedo no dia seguinte. Os meus planos eram comprar os mantimentos necessários para os dias na montanha, comprar umas milagrosas Soroche Pills, e partir rápido para o Parque Pairumani em Quillacollo, onde a trilha para o Tunari começa a se desenrolar, e começar a caminhada no mesmo dia, mas tive que esperar alguma farmácia abrir, coisa que só acontece depois das 10 da manhã por lá, o motvo eu não sei. Comprei a pílula de Soroche e embarquei nos minibuses, ainda planejando começar a subir no mesmo dia. Mas chegando no parque o bicho pegou! Comecei a visitar o trono de meia em meia hora, para vomitar e para fazer o nº 2. Os males da altitude bateram forte na cachola, fiquei lesadão. Desisti de caminhar naquele dia e fiquei por ali mesmo.

Ainda bem que um casal de amigos brasileiros que encontre na viagem decidiu conhecer o parque, e eu tive companhia durante esse perrengue.Quando eles foram para La Paz, eu fui pra barraca preparei um rango,  ascendi um incenso e cochilei um pouco tentando descansar, acordando umas três horas depois, já não sentindo tanto o soroche.  Dei uma olhada no mapa do rumos.net, consegui deixar umas coisas com os guardas do parque para não levar muito peso, e voltei a dormir. Durante a noite choveu muito, me fazendo até pensar em desistir. Tinha escutado muitas estórias sobre os perigos das tempestades dessa época nos Andes, o que aumentou ainda mais o fator cagaço que eu estava sentindo.

No dia seguinte acordei umas 6 da manhã, mas como eu sou um montanhista meio vagabundo, só saí da barraca as 9, fiz um café pra animar o espírito e desmontei o acampamento pra começar a pernada, e que diga-se de passagem, que pernada nervosa. A caminhada até o acampamento base é muito extenuante.

Coloquei tudo na mochila e espantei a forte preguiça de sempre pra começar a peleja.

No inicio da trilha, eu estava na beirada de um rio enchendo o cantil, quando aparece do nada, me dando um susto,  o Eleonor e um muleque. Os dois são Bolivianos naturais de Cochabamba, caminhantes experientes daquelas bandas, verdadeiros montanhistas. Me convidaram para  caminhar junto a eles, e essa oportunidade foi uma experiência que eu nunca vou esquecer, poder caminhar com verdadeiros montanhistas bolivianos, que vivem lá em cima e por isso tem uma enorme conhecimento de montanha, que caminham sem todas as nossas frescuras ocidentais. Me senti um fraco caminhando com botas, calça especial para caminha, mochila, guiado por GPS, enquanto eles caminhavam com uma pequena bolsa a tira colo e suas sandálias de pneu de caminhão. Todo meu aparato era inútil, desnecessário.

Caminhamos por 4 horas até chegar aos muros de pedra, ponto onde nos separamos. Eleonor estava indo para as montanhas para plantar a “papa”, trabalho que ele intercala com um outro emprego que é obrigado a ter em Santa Cruz, pois a agricultura manual não rende o bastante para sustentar sua família. Um dos muitos problemas daquele país.

Continuei a caminhada, e mais duas horas acima, quando alcancei os 3600 metros de altitude encontro a tribo Kaspicanchi. Tinha lido na descrição do rumos.net que teria uma tribo lá, mas nunca imaginei que fosse nessa altura. Enquanto me faltava ar pra caminhar, encontrar um povo que vive lá em cima me fez de novo me sentir um fraco.

Dei uma pausa na caminhada para descansar, ali pertinho da tribo, e enquanto recuperava o fôlego escutava gritos em quéchua de umas das montanhas ao lado, era alguém avisando a tribo que havia um turista ali. Algumas crianças vieram falar comigo, mas não entendi nada.

Busquei um pouco de água no rio que passa no meio da tribo, me despedi e continuei a subir, nem precisei do saquinho de balas que o Rumos.net aconselha levar para fazer amizade com as crianças da tribo.

Muitas pernadas depois, umas 4 horas de muita subida chego na Laguna que abastece Vinto e Quillacollo. Ótimo, estava próximo do acampamento base.

De repente de cima de uma montanha, ao lado da Laguna, vejo um homem correndo em minha direção, caminhado sobre as pedras e a vegetação com uma habilidade de dar inveja. Chega perto de mim, que estava sentado e exausto, pergunta se tenho comida, se tenho algum pão. Mal sabia se a comida que eu levava daria para me sustentar pelos dias que estaria lá em cima, se doasse algo pra ele com certeza faltaria pra mim.

Me despedi dele e continuei  o restinho de caminhada que faltava para o acampamento base, a 4800 de altitude.

Cheguei no acampe, armei a barraca em um lugar estrategicamente protegido por um belíssimo paredão de rocha, com lindas fendas, e fendas virgens…Ainda volto lá pra abrir uma via de escalada!

Dei uma caminhada até um pico do lado, avistei o caminho de ataque ao cume, depois voltei pra barraca e bordei até de manhã.

No dia seguinte acordei cedo, por voltas das 6 da manhã, arrumei umas coisinhas na mochila de ataque e comecei a peleja para o cume.

A caminhada para em direção ao cume é de uma beleza ímpar no verão, os cumes próximos estão todos brancos de neve, o vale está magnificamente verde, muita vida, muita cor.

Não é uma caminhada tão extenuante como a de aproximação, mas o fato de ganhar altitude me fez sentir muita falta de ar e cansaço excessivo, principalmente quando ultrapassada a faixa dos 5000 metros de altitude.

Mas fui na garra e na coragem e consegui chegar no cume, que estava todo nevado, sendo muito difícil caminhar os metros finais de bota brazuca e sem crampon, ainda mais sem um óculos para proteger a visão. Quase fiquei cego com o reflexo da neve!!

Infelizmente o céu estava encoberto, como é costume, e não deu pra ver nada, apenas algumas esparsas aberturas nas nuvens possibilitou ver a dimensão do  que é estar acima dos 5000. Mas valeu muito à pena!!

Tiro uma foto, como uma maçã  e é chegada a hora de botar pra baixo. Desci rápido e com muito medo pois o tempo piorou, uma tempestade se formou  no vale  e diminuiu muito a visibilidade na montanha.

A navegação da caminhada de volta foi tranqüila até um pedaço, mas perto  da descida final pelas morainas, me perdi um pouco, o que me fez andar mais umas 4 horas par achar o caminho certo. Mas no fim achei, só cheguei no acampe no escuro, mas tudo bem, tinha chegado inteiro.

Comi , acendi um incenso pra agradecer por estar tudo bem, e desmaiei de sono novamente. No dia seguinte desci com um sorriso no rosto por ter conhecido os Andes, por ter passado por todas as experiências que esta caminhada proporcionou.
 
Toquei direto para La Paz,  fui conhecer a Cordillera Real!

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