Cobras e Escalada

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O que fazer ao encontrar uma cobra ? e se for picado por uma ? Este pequeno texto discorre sobre o assunto tão pertinente, que é o risco do acidente ofídico durante os percursos em ambiente naturais.

Para nós que passamos um bom tempo no ambiente das montanhas, esse é um assunto super sério e que e merece muita atenção.

Estive neste último final de semana escalando em Andradas, sul de MG, na excelente região da Pedra do Pântano!. É um lugar muito legal para se conhecer, vale mesmo a pena, tem algumas dezenas de vias, divididas em três grandes pedras principais : Elefante, Boi e Pantâno. Inclusive tem dois abrigos de montanha, sendo que fiquei no Abrigo do Pântano (www.abrigopantano.com).

Enfim, eu e o Felipe Moura (GEEU/FEM/Unicamp) escalamos a belíssima 5:15, um Vsup “típico” deles… (as vias são em sua maioria ligeiramente decotadas) e após descansarmos um pouco no cume da Pedra do Elefante, fizemos a longa sequência de rapéis e chegamos na base da Via e logo começamos a trilha de retorno.

Pois bem, no caminho de volta, na trilhazinha aberta no meio da mata, eu passei por *cima* de uma cascavel e o Felipe, que vinha logo atrás, viu a cobra se mexer e ficou “paralisado” olhando para a cobra…

O nosso coração veio “na boca”, a adrenalina a “milhão”… a sensação premente de que um acidente acabou de evitar-se por muito pouco, realmente muito pouco…

A cascavel é uma cobra peçonhenta (com veneno) muito comum. Outra cobra muito comum é a Jararaca (e assemelhados). A cobra coral também tem certa incidência… Em caso de acidente (como o que quase ocorreu conosco) é fundamental reconhecer a cobra em questão, pois é em função da cobra que será dado o tratamento adequado no hospital.

Vamos voltar aos diferentes tipos de cobras….

Os venenos tem dois mecanismos de ação principais : o neurotóxico (que afeta as estruturas nervosas do nosso organismo), que é o caso do veneno da coral verdadeira e o proteolítico( que destrói os tecidos),que é o caso do veneno da jararaca.

Para o nosso azar, existe a  associação dos dois, que é o caso da veneno da cascavel, ainda que não tenha essa ação proteolíca pronunciada.

Nas picadas por cascavel, a intoxicação com o veneno se manifesta com a vítima apresentando visão dupla, prostração , face com aspecto de bêbado ( com as pálpebras caída), formigamento na região da picada, e a urina pode ficar escura (cor de coca-cola) e pode ter sua produção diminuída ou até paralisada, indicando uma provável insuficiência renal aguda.

Em algums locais é possivel encontrar a cobra “coral”. Os sinais e sintomas para intoxicação com o veneno da coral verdadeira são semelhantes, acrescentando-se a falta de ar que o acidentado pode apresentar, por paralisia da musculatura respiratória. * (veja o final deste texto para algumas adequações de caráter técnico). Eu tenho uma versão deste texto  colocada no site do GEEU/Unicamp e esporadicamente aparece algum infeliz com alguma idéia bizarra sobre “como fazer para descobrir se a cobra coral é falsa ou verdadeira”… pois é… isso não existe… até mesmo o pessoal do Instituto Butantã costuma errar no discernimento…

Quanto à intoxicação pelo veneno da jararaca, existe uma dor muito intensa no local da picada com irradiação para as imediações, sangramento excessivo (tanto no local da picada quanto em outros locais,como por exemplo a gengiva) e queixas urinárias semelhantes as da cascavel e são essas as manifestações mais comuns. Preferencialmente neste tipo de intoxicação, procure manter o membro picado elevado 45 graus em relação ao corpo para que o veneno se espalhe (dilua),  a fim de não lesar de maneira irreversível o local da picada.

Caso o sangramento seja muito grande, tente estancá-lo fazendo compressão do local da hemorragia com um pano, por exemplo (por favor, nada de torniquetes !!!).

Voltanto à cascavel, ela é a cobra que tem o “chocalho” na ponta do rabo, normalmente ela avisa (com o chocalho) antes de atacar. Outra característica da cascavel é o padrão em forma de “diamantes” em seu couro. 

A cobra coral todos sabem como é… a jararaca é uma cobra mais “gorda e encorpada”,  costuma ter uma cabeça “grande” em forma de “triangulo” muito bem definida, etc.. e tal não é em um email que eu vou ter a pretensão de explicar os diferentes tipo de cobra !!!  (isso para não falar das lachesis (Urutu) que tem o péssimo hábito de perseguir as vítimas que não consegue picar….).

As cascavéis costumam ser relativamente mansas e tranqüilas, preferindo fugir do que atacar, entretanto, não é por isso que você irá apezinhar a vida dela ou arriscar-se em demasia, não é ? Geralmente as cascavéis avisam que irão atacar, chacoalhando o guizo em seu rabo. O barulho parece um pouco com saída do vapor de uma panela de pressão…

O que não fazer? – O que *não* fazer é talvez mais importante do que a relação de coisas a serem feitas…
  • Para qualquer acidente com cobras NÃO faça cortes ou furos em torno da picada e NÃO tente sugar o veneno!!! (você só vai aumentar a chance de infecção e perder um tempo precioso com isso.. alem do que, se for uma jararaca, só vai aumentar a lesão e difundir mais ainda o veneno no local da picada)
  • A aplicação de torniquete, ou garrote, NUNCA deve ser feita em com cobras que tenham veneno proteolítico (os que derretem musculos), como a jararaca. Mesmo em acidentes que envolvam venenos neurotóxicos (como o da coral verdadeira) o torniquete NÃO é recomendado, devido ao risco de necrose do membro por interrupção do fluxo sanguíneo no membro garroteado. NÃO faça garrote ou torniquete em qualquer tipo de acidente ofídico. Se precisar estancar algum sangramento, faça apenas compressão.
  • NÃO dê bebidas alcóolicas, fumo-de-cobra, ou outras “simpatias”.
 
Resumindo,  o que deve ser feito é :
 
  • Tente manter a calma
  • Tente identificar a cobra (ou lembrar-se de todos os detalhes possíveis)
  • Procure o hospital ou posto de saúde mais próximo. Faça isso rápido e de forma ágil
 
Se você se lembrar apenas desses três passos e realizá-los o mais rápido possível, e, é claro, seguir o que não é recomendado, já é um excelente começo.
 
Pessoal, realmente muita atenção. Vamos estar sempre atentos nas caminhadas em lugares onde haja risco de se encontrar cobras, esteja com a vestimenta adequada ( vestindo calça e usando tênis de preferência… na medida do possível vamos evitar ficarmos indo de chinelo havaianas, sandálias, papete…), e evitar colocar a mão em lugares como buracos no chão, prestar atenção na hora de montar os banquinhos de pedra para dar segurança, etc.. etc.. etc..

Bom, creio que nem precisava ser dito, mas não se deve matar a cobra. Aquele é o ambiente natural dela, e não podemos perder a perspectiva de que os “invasores” somos nós…  Além disso, esqueça também a história de capturar a cobra e levá-la para o Butantã ou algum outro lugar… deixe a cobra quieta (sem trocadilhos) e não seja você o causador de (mais uma) pertubarção no ecossistema local.

Se você for picado por uma cobra, e tiver certeza de qual é o animal, não há a menor necessidade de levar a cobra para lugar algum… mas é claro, se não houver essa certeza, seria interessante tentar capturar a cobra e levá-la junto para que os médicos possam ter a certeza de qual deve ser o anti-veneno utilizado. (Capturar não significa matar, ok ?).

No site http://www.escalada.esp.br/doutorescalada.htm tem bastante informação para nós, escaladores. O texto foi escrito por um médico (e está bem melhor do que o meu… inclusive a foto da cobra com a corda ao lado peguei dele… ;-).

Já no site http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/zoo/peco_dados.html temos dados do Centro de Controle de Zoonoses do Estado de SP. Lá a gente vai descobrir que a incidência de acidentes com serpentes é mais ou menos estável  (em 2006 foram mais de 1700 acidentes no estado de SP) e o índice de letalidade (óbito) permanece também mais ou menos estável (em torno de 0,4%).  Em outras palavras… em média, de cada 1000 acidentes com serpentes, apenas 4 pessoas acabam morrendo….  (o que não significa que você deva ficar dando moleza para o azar)

A relação dos locais com soro anti-veneno está em :   http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/zoo/Zoo_uni1.htm
Fica aqui uma curiosidade : algumas pessoas se perguntam porque não há anti-veneno (soro) em tudo quanto é lugar, nas fazendas, etc… e a resposta é simples e direta : É perigoso demais ! O soro é feito a partir de células de outros seres de vivos (normalmente cavalos) e a aplicação dele em humanos pode provocar uma forte reação alérgica (choque anafilático), o soro exige refrigeração (embora haja os liofilizados) e a sua aplicação exige também acompanhamento médico… Ou seja, não é o tipo de coisa que é realizada na farmácia do vilarejo nem muito menos no postinho de saúde do bairro…

Vale a pena anotar o telefone 0800-0148110   do http://www.ceatox.org.br/ , que embora seja especificamente sobre intoxicação, pode orientar e informar o hospital com anti-veneno mais próximo. Além é claro, do tradicional 193 (Bombeiros)  ou 190 (Polícia Militar), que podem auxiliar no transporte da vítima até o hospital.

Observações finais (de caráter técnico):

A Andréa Cristina Roncaglia Duarte, do Centro de Ciências da Vida (Puc-Campinas), também é escaladora e mandou-me um adendo com algumas correções (que em virtude do meu texto acima devem ter feito os biólogos pularem na cadeira), as quais elenco a seguir (dei uma rápida ajeitada no texto para fins de clareza) :

Os venenos da casvavéis não tem ação proteolítica pronunciada. Já quanto ao termo “peçonha”, existem serpentes que podem ter ou não a peçonha, isto é, a serpente peçonhenta  possui estrutura que possibilita a inoculação do veneno (isto é, não é apenas venenosa, a serpente pode ser venenosa e não ser peçonhenta…..).

O veneno de Crotalus ssp (cascavéis) está relacionado “apenas” (se é que pode ser apenas, rs…rs…rs…) com as ações Neurotóxica: Age no Sistema Nervoso. Este tipo de ação é encontrada nos venenos de Crotalus – cascavéis e Micrurus – coral.

A fração neurotóxica do veneno crotálico atua na membrana pré-sináptica da junção neuromuscular, impedindo a liberação do mediador acetilcolina. Nesta circunstância a administração de anticolinesterásicos é ineficaz, uma vez que não reverte o bloqueio provocado pelo veneno. As neurotoxinas elapídicas atuam tanto a nível pré como pós-sináptico, dependendo da espécie de Micrurus que se considere. Nos venenos de atividade pós-sináptica os sintomas podem ser revertidos com o emprego de anticolinesterásicos, como a neostigmine.

  • Miotóxica: a ação miotóxica sistêmica é encontrada nos venenos das serpentes do gênero Crotalus – cascavéis. Foram constatadas lise e necrose de fibras musculares com liberação de enzimas e detecção de mioglobina livre na urina. A mioglobinúria é responsável pelos quadros de insuficiência renal aguda.
  • Coagulante: o sangue de uma pessoa acometida pela picada de uma serpente que apresente tal atividade, torna-se incoagulável (a protease – enzima que degrada proteína – existente na peçonha promove uma diminuição no estoque sanguíneo das moléculas responsáveis pela coagulação sanguínea)

No manual merck tem ótimas informações também : http://www.msd-brazil.com/msdbrazil/patients/manual_Merck/mm_sec24_287.html

 
E chega de história ! vamos escalar !

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Vejam só… é domingão, fim de dia, e eu estava navegando da internet quando vi um post do Eliseu Frechou, falando sobre… cobras !!!

Putz.. não dá para deixar de indicar o link desse post :

http://blogs.espn.com.br/eliseufrechou/?p=400

e inclusive reproduzo abaixo… post bom… acho que vou usar polainas também em algumas das caminhadas…

Jararaca, Itatiaia, RJ. Foto: Eliseu Frechou

 

Com o final do inverno e
início da primavera, alguns animais peçonhentos, entre eles, as cobras,
se tornam muito mais ativos, e por conta da temperatura, muito mais
agressivos, uma vez que seu metabolismo aumenta bastante, refletindo
nas suas ações. infelizmente par nós, os locais de escalada são sempre
o habitat ideal para estes animais, que procuram tocas e buracos,
sempre abundantes nas bases de montanhas e falésias, para se abrigar.

A
maior parte das cidades da região sudeste e sul do Brasil têm hospitais
que possuem ampolas de soro para tratamento, e se você conseguir chegar
a um deles em menos de 4 horas, as chances de  seqüela ou morte será
bem menor – na maioria dos casos.

Entretanto, um
acidente com um desses animais peçonhentos pode ser bem complicado de
ser resolvido se você está longe de uma cidade ou hospital que tenha o
soro antiofídico. Na região norte e nordeste, é bem pouco provável que
você consiga chegar a um hospital com soro em tão pouco tempo.

Como
em qualquer situação de risco, o melhor é sempre prevenir. E uma boa
atitude para isso é usar polainas (sim, aquelas usadas nas escaladas em
gelo), quando estiver atravessando trechos de capim alto ou outra
vegetação que camufle as cobras. Como a maior parte das picadas é na
região abaixo da canela, suas chances de ser picado diminuirão
substancialmente. Existem vários modelos a disposição no mercado, o
importante é adquirir uma realmente grossa para que as pressas não a
atravessem. Eu uso um par de polainas Deuter (http://www.deuter.com.br) e apesar de não terem sido colocadas à prova até hoje, me sinto bem mais seguro ao atravessar o agreste com elas.

Polainas Deuter.

Polainas Deuter.

Postado por Eliseu Frechou em 04.12.2008

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Sobre o autor

Davi Marski (In Memorian) Era guia de montanha e escalador em rocha e alta montanha (principalmente nos Andes) desde 1990. Além de guia de expedições comerciais, ele ministrava cursos de escalada em rocha. Segundo ele mesmo "sou apenas mais um cara que ama sentir o vento frio que desce das montanhas". Davi levava uma vida simples no interior de São Paulo e esforçava-se por poder estar e viver nas montanhas. Davi nos deixou no dia 19 de Novembro de 2014.

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