Da Piaçangüera até Paranapiacaba

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Numa saudosa primavera de 1997 realizei uma pernada q deixou muitas saudades assim como tb algumas dores musculares, a Paranapiacaba-Piaçangüera, via Vale do Quilombo. De desnível respeitável (1000m!!) e passando por locais tão bucólicos qto impressionantes como o Mirante, a Pedra Lisa e o Poço das Moças, era minha iniciação em caminhadas serranas nos contrafortes da tradicional vila inglesa.


Treze anos se passaram e mta coisa mudou desde então: não existe mais a muvuca riponga e os assaltos diminuíram, o trem já não para na vila, demandando baldeação em R Gde da Serra, mas principalmente, criou-se um parque municipal q restringe o acesso independente a estes belos atrativos s/ a necessidade de um monitor q te leve de mão-dada. Entretanto, nada impede q essa outrora tradicional travessia seja feita no sentido inverso, começando do asfalto, desviando da Serra do Morrão ate subir o Vale do Quilombo montanha acima. Basta somente fôlego e mta força nas pernas. Dito e feito, num simplório bate-volta de fds, refizemos os passos daquela ocasião pra descobrir q independentemente do sentido feito, essa travessia continua sendo um ótimo programa prum domingo de sol.

Saltamos em Cubatão as 9hrs, após uma hora descendo a serra sob um dia promissor de sol, céu azul e algum trânsito na estrada. Lá, eu, Thiago e Nando aguardamos o busão q nos levaria à Cosipa, q só partiu da pequena rodoviária meia hora depois. Atravessamos td centro de Cubatão com certa lentidão pra pegar novamente estrada depois. Enfim, desembarcamos às portas da Cosipa (atual Usiminas) as 9:50, já pondo pé-na-estrada em direção à Piaçangüera. Antes , porem, uma breve parada pra dar um “oizinho” básico na Bar da Neuza, e ter um pequeno dedo de prosa com a simpática senhora.

Estamos a quase 20m de altitude, segundo o gps do Nando.
Passamos por baixo do viaduto até dar no alto, e dali ganhar o acostamento do asfalto da Piaçangüera, sentido Guarujá, q por sua vez se encontra distante uns 21km. Já de cara a rodovia contorna o sopé da Serra do Morrão, cujas encostas estão tomadas – alem da vegetação – pelas precárias residências de alvenaria da favela Mantiqueira. Mas logo a montanha apresenta-se isenta de td e qq vestígio humano, mostrando suas encostas íngremes forradas de densa mata. A caminhada pelo asfalto, por sua vez, neste trecho é tradicionalmente enfadonha, sempre atentando pros veículos na direção oposta. No caminho, uma placa indica estarmos deixando o município de Cubatão pra adentrarmos nos limites de Santos.

As 10:25 deixamos o asfalto pra adentrar numa estradinha de terra à esquerda, a Estrada do Vale do Quilombo. Aqui a caminhada torna-se mais agradável, já q a presença de mato de ambos os lados e o som onipresente de água correndo nalgum canto soa como musica aos ouvidos. Podemos perceber q ainda contornamos as encostas verticais da face sudeste da Serra do Morrão, sempre adentrando cada vez mais no vale do Quilombo, cujo rio ouvimos marulhando nalgum canto longe, à direita. A medida q avançamos, subindo imperceptivelmente, os bucólicos sítios, chácaras e recantos vão rareando, dando lugar apenas a somente mata nos abraçando por td lado, principalmente por lírios-do-brejo e uma flor vermelha ornando suas margens em belos canteiros. A estrada, por sua vez, vai se estreitando cada vez mais e cruza alguns pequenos córregos ate entrar numa gde e aprazível floresta, onde o frescor da sombra nos é bem-vindo numa hora em q o sol costuma estar à pino e o calor, sufocante.

Mas após quase 7km percorridos, as 11:50, desembocamos no final da estrada, às margens do grandioso Rio Quilombo. Aqui cruzamos o rio através de uma duvidosa ponte pênsil q alem de balançar bastante, as tabuas remanescentes de seu piso não mostram lá mta firmeza, o q nos obriga a praticamente a ir rente aos cabos de sustentação por segurança. Na outra margem, basta tomar uma larga picada acompanhando o rio q num piscar de olhos damos na chamada Represa do Quilombo, um belo local onde as águas do rio são represadas formando um enorme piscinão. Lógico q naquele horário de sol radiante do meio-dia, nos presenteamos com uma breve parada pra banho e beliscar alguma coisa.Que o digam o Nando e Thiago.

Logo depois retomamos a pernada, agora tomando uma discreta trilha q acompanha o rio, beirando sua margem direita. Inicialmente a picada costeia uma íngreme encosta pra depois nivelar num cruzamento onde outro tributário deságua no rio principal. Este trecho é mto bonito, e alem de ter vários outros belos poços pra banho tem uma bela perspectiva do interior do vale. Mas a hora de contemplações dura pouco pq logo a vereda (bem óbvia) mergulha novamente na mata, sempre acompanhando o rio pela direita, agora ganhando um pouco mais de altitude. Aqui cruzamos pequenos córregos, desviamos de alguma mata caída até dar em boas áreas planas, ideais pra acampamento, q já sinalizam q devemos passar à outra margem do rio, às 12:50.

Qual a minha surpresa na hora de atravessar o rio de ter a agradável visão do Poço das Moças, bem à minha frente, já na cota dos 140m! Por sobre as pedras ou com água ate as canelas, cruzamos as águas cristalinas do Quilombo ate os largos e amplos lajedos e caldeirões q circundam a Poço das Moças, um enorme piscinão natural, completamente deserto. Lembro perfeitamente da ultima vez q estive aqui, o local estava repleto de gente, sujo e bem farofado. Bem, se as atuais restrições de acesso à região serviram de algo foi justamente pra isso, pra manter td limpo e sem lixo algum! Donos do pedaço, nos regateamos durante um bom tempo ali, descansando, dando tchibuns, comendo ou simplesmente estando à toa. Tinha ate uma corda amarrada numa arvore, ideal pra dar uma de Tarzan e pular na água. Xeretando nos arredores, fui dar no Córrego da Pedra Lisa, um pouco mais abaixo. Lá tomei um capote cinematográfico q faz jus ao nome do córrego, q me desestimulou (doloridamente na lomba) de continuar a exploração.

Por volta das 14hrs e já com o tempo começando a nublar, retomamos a pernada serra acima. Damos então às costas ao Rio Quilombo pra então dar inicio à uma árdua e íngreme subida q se estenderia praticamente pelo resto da tarde. A interminável piramba é vencida na base da escalaminhada, firmando mãos e pés em troncos e qq vegetação à mão,como em raízes e sulcos no chão q servem de degraus. Não tarda a nosso suor escorrer em bicas e inúmeras paradas naquela íngreme encosta são necessárias, lógico!

Nesse compasso ganhamos altitude rapidamente, sempre tendo audível à nossa esquerda o Córrego da Pedra Lisa próximo, no vale ao lado. Na cota dos 255m percebemos cair numa crista ascendente q parece suavizar, mas logo a pernada engrossa com mais pirambas a serem vencidas. Não bastasse a declividade, a mata tb nos brinda com voçorocas de inconvenientes carrapichos q se agarram à roupa, mas principalmente no cabelo de onde é difícil removê-los. Meu! Tinha esquecido o qto este trecho era difícil!
Sempre subindo forte, nos idos dos 480m atingimos o topo da crista de onde descemos um pouco – pra nosso alivio! – ate nivelar numa encosta forrada de mata, com direito a muitas “arvores-Avatar” e córregos cristalinos caindo da serra pra molhar a goela. Após bordejar um tempo a encosta em nível e subi-la mais um pouco suavemente, as 15:15 caímos no enorme lajeadão superior da Pedra Lisa, na cota dos 620m, de onde despenca o córrego q vínhamos ouvindo durante td subida!

Aqui temos um breve descanso, tendo o belo visu do alto da pedra à nossa frente já começando a se cobrir de brumas. Bem q tentei me aproximar da beirada da pedra pra bater uma foto, mas realmente confirmei q a pedra é lisa feito sabão ao quase escorregar novamente, desistindo da idéia da foto mesmo havendo um cabo-de-aço pra isso. Como minhas “sete vidas” já findaram faz tempo e não tenho créditos feito o Mario Bross, preferi ficar ali com o resto, ainda mais ao saber q muita gente despencou daquele enorme paredão de granito 300m verticais abaixo, já no Vale do Quilombo. Ao invés disso, preferi subir um pouco o córrego pra bater umas pics de umas belas cachus rio acima, alguns locais de acampamento e reparar na entrada da íngreme picada pro “Rancho do Cazuza”, outra figura folclórica de Paranapiacaba. Qdo estive aqui recordo haver no mínimo 3 barracas acomodadas por aqui, repletas de bicho-grilos fumando e emporcalhando os arredores.

Refeitos, cruzamos cuidadosamente o córrego ate a outra margem, onde a picada continuava ainda costeando a montanha. Mas não por muito tempo pq logo as pirambas quase verticais recomeçaram, agora sendo vencidas em largos e intermináveis ziguezagues serra acima. Não é a toa q este trecho chama-se “Trilha do Zigzag”, e q demanda mto fôlego e força nas pernas, diga-se de passagem! Na cota dos 800m atingimos o nível da neblina, q por sua vez adentrava na mata conferindo-lhe um aspecto tão místico qto assustador, pois me senti meio q no filme a “Bruxa de Blair” ou no medonho videogame “Silent Hill”!!

A subida, no entanto, parecia não arrefecer nunca, sempre íngreme montanha acima. No caminho, algumas bifurcações surgem gerando duvida, mas basta manter-se na picada principal, sempre à direita, e tentar evitar os “atalhos” q sobem direto, pois erodem o solo da montanha. Mas lá pelos 920m a pernada suaviza, deixando o ziguezague pra bordejar desimpedidamente a encosta, pra enfim emergirmos da mata úmida no pto culminante da serra, a exatos 1000m!! Estamos no Mirante, as 16:15hrs, mas infelizmente não temos visu algum a não ser uma paisagem opaca de tds os lados! Mas dizem q daqui tem-se uma impressionante panorâmica de td Baixada Santista, do complexo Anchieta-Imigrantes, do pólo industrial de Cubatão e do Vale do Mogi. Bem, fica pra uma próxima. Pausa pra descanso e devorar o resto do lanche nas mochilas, claro!

A partir dai a picada se enfia na mata úmida outra vez, agora descendo suavemente a encosta da serra, onde não tarda a encontrar outra trilha (a da “Trilha Volta na Serra”), pra então prosseguir nesse mesmo compasso ate o final. Passamos pela “Pedra do Índio”, um paredão de granito q dizem ter um traçado q lembra o perfil de um índio, mas q eu não vi nada por conta do espesso nevoeiro. Mais adiante caímos enfim na famosa estrada de paralelepípedos – q outrora foi de manutenção de uma antiga torre de tv – e dali descer mais um tanto ate a entrada do Pq Municipal das Nascentes, onde não havia alma viva nem na guarita ou cancela.

Dali foram dois palitos pro centro da vila de Paranapiacaba, onde chegamos as 17hrs, após mais de 13km e mil metros de desnível vencidos. Fazendo jus à fama, a vila estava envolta em nevoa. E se na mata me sentia no filme “Bruxa de Blair”, aqui me sentia num clipe do Ozzy!! Boa parte do comercio estava fechado e não nos restou alternativa estacionar no famoso Bar da Zilda, cujos preços abusivos sempre me afastaram, mas paciência! Apesar do “X-Miséria” e da breja a 4 pilas, pelo menos o atendimento foi decente e pudemos bebemorar o passeio, alem de trocar as roupas úmidas por aconchegantes blusas secas.

As 19hrs zarpamos pro pto de bus, já à noite e relativamente frio, q por sua vez se encontra do lado do cemitério. Àquela altura do campeonato e com nevoa não permitindo enxergar um palmo à frente, me senti desta vez num clipe do Evanescente! Indiferente a td isso, Nando divertia-se com um pulguento vira-lata enqto Thiago morria de frio por não trazer blusa avulsa. Por sorte o busão partiu no horário, e logo tomávamos sequencialmente o trem pra Sampa, onde nos despedimos cada um seguindo pro seu respectivo lar. Eu cheguei em casa pontualmente as 21:30, indo direto pruma ducha quente e pro berço, de onde so arredei pé no dia sgte. Sem dor muscular alguma,desta vez.

Desta forma, a empreitada foi uma espécie de “retrô-trekking” q alem de matar saudades serviu pra retificar a Piacangüera-Paranapiacaba como boa opção de bate-volta de um domingão de sol. Mas as possibilidades não param por ai, já q essa pernada pode ser perfeitamente emendada com a tradicional descida do Vale do Rio Mogi (Raiz da Serra), resultando num circuitão puxado de fds q desce e sobe a Serra do Mar, começando e terminando em Paranapiacaba.

Fica então a dica. Cabe a vc descobrir as varias possibilidades q esta bela região tem ainda a oferecer, pois a subida do Vale do Quilombo é apenas uma delas. E q apesar das restrições de acesso “por cima” agora o Poço das Moças, a Pedra Lisa e o Mirante estão aguardando andarilhos conscientes q venham “por baixo”, desta vez sem a muvuca, lixo e farofa de outrora. E isso é mto boa noticia, pois mesmo passados 13 anos, somente assim as belezas de Paranapiacaba ainda se mantenham intactas por mto mais tempo.

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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