Encontrando o Mundo Perdido

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Subir o Monte Roraima era um sonho há muito acalentado. Todos os mitos e lendas que o cercam contaminavam há muito meu coração e, volta e meia, eu me surpreendia admirando, na Internet e em livros, as fotos de suas paredes imponentes e da paisagem lunar que compõe o vasto topo desse tepuy, as montanhas em forma de mesa que marcam a paisagem da savana do sul da Venezuela e do norte do Amazonas e de Roraima.


A mitologia que cerca o Roraima e toda a região da Gran Sabana tem suas raízes, de um lado, na monumentalidade da paisagem e das montanhas que a compõem e, de outro, nos mitos de que são parte os tepuys entre os indígenas que habitam suas cercanias há milênios. Tudo isso ampliado pela célebre colaboração de Sir Arthur Conan Doyle, mais conhecido pelas aventuras de Sherlock Holmes, cuja novela “O Mundo Perdido”, tem o Monte Roraima como personagem principal – um território isolado, onde primitivas e assustadoras formas de vida foram preservadas do processo de seleção natural.

E não é difícil mesmo deixar a imaginação decolar uma vez nas proximidades do Roraima e em seu topo. As imponentes paredes de quartzito, da qual cada chuva faz despencar gigantescas e impressionantes quedas d’água, parecem paredões de uma gigantesca fortaleza saída de livros de Tolkien, a vegetação savânica, permitindo que a vista se perca num horizonte infinito, que só termina em algum lugar porque se dissolve na enorme distância – o limite está na potência de nossos olhos, a densa e úmida floresta, coberta por bromélias, musgos e liquens no sopé das paredes, entremeada por cursos d’água e cachoeiras cristalinas e gélidas. Tudo sucessivamente escondido e revelado pelo balé das nuvens e da neblina, que são parte constante da paisagem de silencioso mistério.

O topo do Roraima, por sua vez, é uma paisagem lunar. Eras de chuvas e erosão esculpiram as formas mais inacreditáveis na rocha acinzentada, criando ruínas góticas, formas surrealistas, verdadeiros labirintos de pedra e jardins e mais jardins japoneses, com lagos, pequenos e grandes, córregos e cachoeiras. Tudo realçado em sua fantasmagoria pela névoa onipresente.

AMAZÔNIA-GRAN SABANA-CARIBE

A oportunidade para subir o Roraima apareceu em função de uma ida a Manaus. Dali, 10 horas de ônibus até Boa Vista e mais 2:30 h até Santa Elena de Uairén, cidade venezuelana a 20 km da fronteira com o Brasil, te colocam bem próximos do Monte Roraima e na porta de entrada da Gran Sabana Venezuelana.
Aliás, a boa conexão terrestre entre Manaus e a Venezuela permitem um belíssimo e certamente inesquecível roteiro de férias, combinando floresta, savana e praias do Caribe. Pode ser feito em carro próprio ou ônibus. A Venezuela não é um país caro, mesmo para nosso enfraquecido Real., sobretudo quando se pensa que a gasolina por lá, país membro da OPEP, custa inacreditáveis sete centavos de real por litro.

São 805 km de asfalto entre Manaus e Boa Vista. A estrada não está em condições muito boas, mas é perfeitamente trafegável. Para quem vai de carro, importante saber que se faz necessária uma autorização das autoridades venezuelanas para trafegar – pode ser conseguida no consulado em Manaus – e que a BR-174 corta a terra indígena Waimiri-Atroari.. Por isso, só fica aberta ao tráfego entre 6h e 18h. À noite, só passam os ônibus, de forma a evitar invasão da área indígena e atropelamento da fauna, que é um recurso vital para os índios.

Os Waimiri Atroari são um povo que sofreu muito, em função de agressões no passado recente, incluindo a inundação de parte de suas terras pelas águas da malfadada represa de Balbina, no Rio Uatumã. Hoje, felizmente, conseguiram afastar o fantasma do declínio demográfico e seguem reestabelecendo seu modo de vida tradicional, graças à demarcação da terra e de justas indenizações que receberam e continuam recebendo.

A linha de ônibus é operada pela Eucatur (www.eucatur.com.br), em carros muito confortáveis e novos. O trajeto é feito em cerca de 10 horas e custa 80 reais no ônibus executivo. Há cinco horários por dia. Além disso, há a opção de pegar o ônibus do Expresso Caribe, que faz a linha Manaus-Caracas, direto até Santa Elena, evitando o transbordo em Boa Vista.

A DUPLA FRONTEIRA

Adentrar novamente o Cerrado, a norte da Floresta Amazônica, é uma experiência interessante e bonita, sobretudo para mim, que vivo no Cerrado. Aos poucos, a massa densa e verde começa a abrir espaço para manchas de vegetação arbustiva e herbácea. De repente, a floresta desaparece e a savana ressurge com suas veredas de buritis, horizontes largos e campos amarelados, como em casa, 3 mil quilômetros ao sul.

Roraima é outra vivência brasileira imperdível. Há os índios e seus descendentes – indígenas nos traços, mas que já não se identificam como índios – habitantes e donos originas dessas savanas. No mais, é uma terra de gente que não é dali, de pioneiros, aventureiros da agropecuária e do garimpo. É duplamente fronteira – internacional e econômica –, e, portanto, região de grandes conflitos.

Exceto pelos indígenas e pelos mais jovens, não há roraimenses. Grande parte da gente não se identifica com a terra, veio de fora para tentar a vida e ganhar dinheiro. A mentalidade prevalecente é a da exploração, lógica de garimpo – sugar o que puder e seguir para diante, tal e qual os portugueses há cinco séculos. Terra de gente desconfiada e um tanto arredia, permeada por mitos modernos e teorias conspiratórias.

No assento a meu lado, no ônibus, um senhor, nordestino pelo sotaque, mas assentado em Roraima há alguns anos em atividade agropecuária, pela história que conta aos amigos no banco de trás. O dia clareia e passamos por Mucajaí, última cidade antes de Boa Vista. No horizonte, ergue-se a Serra Grande, primeiro soluço da paisagem e anúncio da movimentação de relevo que ganha escala à medida em se ruma para a Venezuela, culminando com os maciços das serras do Catrimani, Parima e Pacaraima, onde resplandecem os tepuys da Gran Sabana.

Meu companheiro de viagem aponta a Serra Grande e alardeia aos amigos:

– Serra do Sol. Querem transformar tudo isso aqui em terra indígena. Mas os índios são só fachada. O interesse é dos americanos, que querem o minério que tem nessas terras.

Mais adiante, plantações de acácia, espécie usada para a fabricação de celulose. Ele prossegue em suas teorias conspiratórias internacionais:

– Essa é a planta que usam pra fazer o dólar. Os suíços estão plantando.

Mitos e delírios desse tipo povoam a imaginação amazônica moderna. A maioria não tem qualquer fundo de verdade. Ao contrário, é propositalmente plantada para gerar fumaça e desviar a atenção das reais questões e problemas que devem ser debatidos em relação à região, ou para a consecução de interesses realmente escusos e, via de regra, contrários a um bom desenvolvimento da região.

Sandices e idiotices que circulam pela Internet, ou de boca em boca, como a de que em livros escolares de geografia americanos a Amazônia figura nos mapas como “área sob controle internacional”, ou de que o acesso à área Waimiri Atroari é interditado a brasileiros, mas livre a americanos, são conseqüência de ma fé deliberada, debate acalorado, grandes conflitos de interesse e do telefone sem fio que alimenta e agiganta tais besteiras.
A ma fé deliberada tem essencialmente por objetivo desacreditar o trabalho de organizações sérias, internacionais e brasileiras, que trabalham pela proteção da Amazônia e pelo seu bom desenvolvimento, bem como, em geral, prejudicar os interesses dos povos indígenas.

É claro,entretanto, que existe uma dimensão internacional da questão amazônica que não pode ser escamoteada. A teia de relações é complexa e há boas e más instituições, nacionais e internacionais, atuando na região. Há muita biopirataria disfarçada de trabalho sério, há interesses escusos usando gente ingênua para agir, há a guerrilha colombiana, o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas que se somam e entrelaçam – garimpo, extração de madeira, contrabando. E há um enorme patrimônio natural em jogo, sob nossa guarda e dos países vizinhos, mas que pertence a toda a espécie humana.

Não se pode também ser ingênuo. Mas essas sandices só servem para turvar ainda mais uma discussão já suficientemente complexa, conflituosa e delicada.

RAPOSA-SERRA DO SOL

A demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, sabe-o quem acompanha o noticiário, é o conflito do momento em Roraima. Um assunto muito sério que merece a atenção de todos os brasileiros, e que é uma pequena amostra do “conflito amazônico” em escala mais ampla.

De um lado, estão as etnias macuxi, wapichana, ingarikó, taurepang e patamona, uma população estimada em 15 mil índios, que lutam pela demarcação contínua de seu território ancestral de 1,6 milhão de hectares, localizado no nordeste do Estado de Roraima, entre os rios Tacutu, Maú, Miang, Surumú e a fronteira com a Venezuela, abrangendo inclusive, por sinal, a pequena porção brasileira do Monte Roraima (nada a ver, portanto, com a Serra Grande, próxima à Boa Vista, como queria meu desinformado companheiro de ônibus).

Do outro lado, perfilam-se as retrógradas forças que dominam o governo do Estado, arrozeiros que ocupam parte da área e parte dos índios, economicamente vinculada a esses arrozeiros, no maior crime cometido por essa elite exploradora, que dividiu os índios da região, colocando-os uns contra os outros. A esses, somam-se os interesses das Forças Armadas, que não querem ver a faixa de fronteira incluída na área indígena, lutando pela demarcação da reserva em ilhas isoladas. Os argumentos dessa turma – à exceção dos militares – são a mesma ladainha de sempre, de que se estará inviabilizando o desenvolvimento de um Estado porque a maior parte de Roraima já é ocupada por terras indígenas. Mentira, porque com 223 mil km2 e 273 mil habitantes, Roraima continua tendo terras de sobra para todos.

O Governo Lula segue incapaz ou sem vontade de enfrentar os interesses dos poderosos na região, e vai empurrando com a barriga a homologação definitiva da terra de forma contínua, única decisão decente possível. Para saber mais sobre esse assunto, consulte os sítios do Conselho Indígena de Roraima (www.cir.org.br) e do Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org).

DE BOA VISTA A SANTA ELENA DE UAIRÉN

Boa Vista, por sua vez, é uma atração à parte. O núcleo histórico, à margem do Rio Branco, é muito simpático e tem construções muito bonitas, datando do século XIX e início do século XX. Além disso, mais recentemente, a prefeitura implementou um belo projeto de urbanização de parte da orla, com jardins, anfiteatro, deques e muitos bares, com uma excelente vista das brancas praias do Rio Branco. A parte planejada da cidade é um desses delírios curiosos do nacional-desenvolvimentismo. Ruas e avenidas enormes para pouquíssimos carros. Um crescimento desejado que nunca aconteceu. Felizmente. Boa Vista vale uma tranqüila e contemplativa tarde de caminhada, parando para conversar com as pessoas e entender um pouco mais desse Estado único do país, terminando com uma cerveja à beira-rio.

Cheguei à Boa Vista por volta das sete horas da manhã. Se você optou por pegar o ônibus até aqui – ao invés do Expresso Caribe direto até Santa Elena -, terá duas opções: 1) esperar o ônibus da Eucatur, que sai ao meio dia para Pacaraima (mais conhecida como BV8, em referência ao marco fronteiriço Brasil-Venezuela número oito) e custa 15 reais. São mais ou menos três horas até o BV8, de onde se toma um lotação por 3 reais ou 3 mil bolívares que, em 20 minutos, te deixa em Santa Elena, 2) tomar um táxi na rodoviária por 10 reais, que te deixará no ponto dos táxis-lotação que partem para a fronteira. São 20 reais até o BV8 ou 25 até Santa Elena. Se os 10 reais de diferença não são um problema esta opção é infinitamente melhor. Você espera algum tempo até que o táxi lote e serão apenas 2:30 h mais ou menos até Santa Elena. Me parece inclusive melhor que o Expresso Caribe direto para Santa Elena, porque os ônibus, além de pararem no caminho, levam mais tempo nos trâmites fronteiriços.

Em relação a esses trâmites, precavenha-se contra o alto nível de corrupção na Venezuela. Embora pelo que me tenham dito, brasileiros possam entrar só com documento de identidade, o melhor é usar o passaporte, não deixando de carimbá-lo na entrada. Tudo pode ser usado como motivo pela Guarda Nacional para te aporrinhar e arrancar uns trocados.

Não troque dinheiro no BV8, por mais que seu motorista insista com você – todos conhecem e têm acordos com os lojistas e cambistas locais. As cotações em Santa Elena são melhores e não há dificuldade para fazer o câmbio ou mesmo, em muitos casos, para usar reais por lá. A Venezuela tem mercados oficial e paralelo de câmbio. Por isso, não vale à pena usar o cartão de crédito, nem sacar dinheiro nos caixas automáticos, pois a cotação oficial nos rende muito menos bolívares por reais que os cambistas de rua do mercado paralelo. Para se ter idéia, à época da minha viagem, ao câmbio oficial, um real valia 710 bolívares, enquanto no paralelo, esse valor era de mil bolívares.

Embora tenha viajado razoavelmente pelo mundo, essa foi minha primeira experiência com a transposição de uma fronteira terrestre – lugares únicos e muito interessantes.

Paro no comércio do BV8, bem junto à cancela da Receita Federal, de frente para o Batalhão de Fronteira brasileiro e passa um Land Cruiser. Nas suas portas: “Venezuela – Ministério de Relaciones Exteriores, Uso Exclusivo em Servicio”. Estaciona em frente ao quartel e descem três bigodudos com as barrigas saltando por baixo de camisetas cavadas e por cima de suas bermudas, cada um com uma cerveja à mão, dirigindo-se à loja em frente.

Verdade é que nós brasileiros, por muitas razões, entre elas a dimensão continental de nosso território, conhecemos muito pouco os países vizinhos. E este conhecimento é fundamental, entre várias coisas, para ganharmos novos referenciais para olharmos a nós mesmos, inclusive suavizando um pouco nossa tendência à autoflagelação e a achar que tudo é muito ruim no Brasil. Sem ufanismo ou ingenuidade, feliz ou infelizmente, o estágio de evolução das nossas instituições, da nossa democracia e da cidadania é bem maior que na maioria dos países vizinhos.

Tome-se o complicado tema do garimpo, por exemplo, onipresente na região fronteiriça Brazil-Venezuela, onde pisamos sobre preciosos metais e pedras. Tive a oportunidade de conversar com duas figuras únicas típicas da fronteira. Terry, nosso guia para o Monte Roraima, é um indígena guianês que, antes de se converter ao turismo, era mergulhador de garimpo. Perguntei-lhe como era a situação do garimpo em Roraima e ele disse que não é nada fácil garimpar ali, devido à presença de povos e terras indígenas, da Polícia Federal, do Ibama e de outras instituições. Comparativamente é tão mais fácil garimpar na Venezuela, diante da ausência do Estado, que não vale à pena tentá-lo em Roraima.

O mesmo me afirmou seu Inácio, com quem dividi o táxi no regresso a Boa Vista uma semana depois. Típico ser da fronteira econômica amazônica, seu Inácio é mineiro, onde o pai era peão em fazenda. Ainda adolescente, mudou-se com a família para o Paraná, pois o pai se empregara na produção de soja em expansão no oeste daquele Estado. Jovem, herdou a sina nômade do pai, brasileiro desprovido como a maioria, e também ganhou a estrada sozinho. Foi para o Paraguai, engrossar a horda de brasiguaios trabalhando sem direitos, muito semi-escravos, nas lavouras de soja do além-fronteira. De lá, ouviu notícias dos garimpos em Rondônia e mudou-se em busca do enriquecimento fácil. Lá, acabou comprando pequena terra e, por fim, pode trazer a mãe e as irmãs. Sempre na penúria, há ano e pouco recebera proposta para tentar a sorte nas florestas venezuelanas, em busca de ouro e diamantes. Desta empreitada regressava agora, há um ano sem falar com os parentes, tão pobre quanto antes, para passar o Natal com a mãe, distante ainda mais uma noite de ônibus e três de barco até Porto Velho.

Seu Inácio também me afirmou que garimpar em Roraima é praticamente inviável, enquanto na Venezuela há liberdade absoluta.

-Se Deus quiser, vendo um motor que tenho lá em Rondônia, volto para cá, compro uma balsa e vou garimpar mergulhando, que é negócio muito mais certo.

AUTONOMIA OU OPERADORA?

Santa Elena é outra curiosa localidade de fronteira, inusitada mistura de gringos mochileiros, garimpeiros, muita polícia e brasileiros deslocados. É o ponto de partida e porta de entrada para a Gran Sabana. Quem vem de Caracas, entretanto, opta, muitas vezes, por contratar os serviços necessários em Ciudad Bolívar, cerca de 300 km ao norte. Não obstante, pelo que pude apurar, até mesmo pelas distâncias maiores, os preços tendem a ser mais altos por lá.

Em Santa Elena, há muitos hotéis e pousadas bastante baratos, bons restaurantes, vários cyber cafés, bem como supermercados e lojas com todo o necessário para abastecer sua expedição ao Roraima ou a outras partes da Gran Sabana.

Posso indicar os hotéis La Abuela ou Michelle, ambos na mesma rua central, onde um quarto simples para uma pessoa (cama e banheiro) sai por 15 mil bolívares. O quarto completo no La Abuela (TV a cabo, ar condicionado, banheiro e frigobar) me custou 35 mil bolívares. Uma boa refeição individual com bebida, por sua vez, nos restaurantes da cidade, sai facilmente por 10 mil bolívares. No final da rua desses dois hotéis, estão os restaurantes Alfredo e Venezuela Primero, ambos bastante razoáveis.

Não há muito o que fazer em Santa Elena, exceto organizar sua próxima saída para a Savana.

Como dispunha de pouco tempo, optei por procurar um tour ao Roraima organizado por uma das operadoras locais. Mas é perfeitamente possível organizar seu próprio grupo, de diferentes formas, o que é inclusive mais adequado do ponto de vista social, já que a maior parte do seu dinheiro estará indo para o guia e eventuais carregadores, e não para o dono da operadora.

Há várias operadoras em Santa Elena e quase todos os dias saem grupos para o Roraima. Ao que parece, todos são razoavelmente profissionais, mas os preços variam bastante. Como consegui me inserir num grupo maior, de sete pessoas, pagamos 480 mil bolívares cada um pelos seis dias de passeio, o que inclui o guia, carregadores e transporte até Paraytepuy de Roraima, de onde parte a trilha. Também é possível alugar dos operadores quase todos os equipamentos necessários, desde que você tenha sua mochila: barraca, isolante, saco de dormir e adicionais, como bastões de caminhada e lanterna. Você só carrega seus equipamentos pessoais. Toda a comida e tralha de cozinha são levadas pelo guia e pelos carregadores.

No levantamento que fiz em algumas outras operadoras, os preços chegavam a 750 mil bolívares pelo mesmo passeio de seis dias. Optei pela Kamadac Tours e não tenho reclamações. Acho, entretanto, que há uma falta de articulação e maior organização entre as operadoras – talvez haja uma competição predatória entre elas – e delas com relação ao Instituto Nacional de Parques – que administra o Parque Nacional Canaima – para um melhor atendimento e melhores serviços.

A Kamadac te dará o básico, é confiável e cobra um preço que me parece justo. Mas falta sobretudo atenção a pequenos detalhes que poderiam melhorar em muito a qualidade dos serviços, em certos casos, e evitar problemas, em outros. Ressalto, entretanto, que esse parece ser um problema geral, e não apenas dessa operadora.

Por exemplo, o guia sequer leva um estojo de primeiros socorros e certamente não tem qualquer preparação para lidar com um acidente mais grave. Não vi , em nenhum dos grupos, um trabalho de preparação dos turistas, advertindo-os sobre as regras vigentes no interior do parque e a importância do mínimo impacto de nossa passagem. Por mais que eu ou você saibamos disso, tem muita gente que não sabe.

Outro exemplo ruim de falta de profissionalismo: o carregador que subiu conosco até o topo, um indígena de Paraytepuy, usava apenas uma blusa de algodão de mangas longas e tremia de frio lá em cima. Incomodados com a situação, nos revezamos emprestando casacos para ele. Por mais que o camarada esteja acostumado a subir o Roraima e passar frio lá em cima porque não tem grana para comprar um casaco, a operadora devia ter o cuidado de não colocar os clientes frente a essa situação que, no final das contas, depõe contra seus serviços. Os carregadores recebem cerca de 10 dólares por dia. Tudo isso reforça, em minha opinião, a idéia de que o melhor é ir por conta própria.

Para isso, há duas opções: 1) contratar um guia e um carro com tração 4X4 em Santa Elena, abastecer-se e seguir para Paraytepuy, onde, se quiser, podem ser contratados carregadores, 2) contratar somente o carro em Santa Elena e o guia em San Francisco de Yuruaní ou Paraytepuy. Os caras que trabalham como guias em Santa Elena tendem, entretanto, a ter um pouco mais de preparação. A turma de Paraytepuy, na verdade, trabalha unicamente na tarefa de carregadores. Conhecem obviamente o caminho e te levarão sem problemas, mas podem não ter muitas informações a dar, nem muito traquejo para lidar com eventualidades. De toda forma, é obrigatório subir com um guia local.

A segunda questão é pensar em quantos dias se quer fazer a subida do Roraima e com que logística de acampamentos. A subida pode ser feita em dois ou três dias. No topo, deve-se ficar pelo menos um dia inteiro, mas o ideal são três para conhecer tudo. Para descer, outros dois dias. Mais dias significam, óbvio, um pacto mais caro. Mas é preciso ressaltar: se se puder ficar três dias no topo do Roraima, não falta o que ver e fazer. Eu optei pela expedição de seis dias porque não tinha mais tempo. Mas há muita coisa que não vi.

PRIMEIRO DIA: SANTA ELENA-PARAYTEPUY-RIO TEK

Saímos de Santa Elena por volta das 9 horas. Toma-se a estrada para Caracas e gasta-se cerca de uma hora para cobrir os 70 km de asfalto até San Francisco de Yuruani. Daqui, são mais 42 km numa estrada de terra bem precária, que só se consegue transpor em veículo traçado, até a aldeia indígena de Paraytepuy, habitada por membros da etnia Pemon.

Logo de cara, na estrada, se escancara toda a beleza da Gran Sabana, com seus infindáveis campos, as manchas de matas nas áreas mais úmidas e veredas colossais como eu nunca vi no Cerrado brasileiro. Com certa tristeza, tenho que admitir que as veredas mais bonitas que já vi – e há poucas paisagens mais bonitas que uma vereda, em minha opinião – estão na Venezuela, com suas vastas renques de buritis) não há palmeira mais elegante que o buriti).
A maior parte da Gran Sabana é protegida pelo Parque Nacional Canaima que, com 3 milhões de hectares, está entre os maiores do mundo.

Em Paraytepuy tivemos tempo para andar a esmo e fotografar, enquanto Terry se organizava com os carregadores e preparava nosso almoço.

A comida oferecida pelas operadoras é boa, mas nada a ver com o que estamos acostumados a levar em trilha e montanha. Entre outros, levam muitos enlatados absurdamente pesados e verduras que se conservam melhor, como pepino e repolho. Há, em minha opinião, alternativas mais saborosas, práticas e leves. A referência, conforme já mencionado em outros relatos aqui, é o “Guia de Cozinha do Excursionista Faminto”, do guru Sérgio Beck, à venda nas melhores casas do ramo.

Almoçamos e finalmente iniciamos a caminhada. Nosso grupo era muito simpático e tranqüilo: Terry, guianês, nosso guia, Bruno, francês num tour de seis meses pela América do Sul, Kepa, um basco muito divertido, quatro alemães – Michel, Hans, Pether , Diane – e eu. Todos boa gente da estrada e das trilhas, mordidos pelos mosquitos do deus Mercúrio, o viajante.

Era muito bom voltar à trilha em grande estilo. A última desse gênero tinha sido a Travessia Teresópolis-Petrópolis, pouco menos de seis meses antes.

O Monte Roraima tem 34 km2 de área. Sua Face Sul, conhecida como “Popa”, em referência à forma de navio que a montanha tem, e por onde se dá sua ascensão, tem um comprimento de 6,4 km. É para ela que olhamos todo o tempo, à medida em que nos aproximamos da montanha. Do ponto extremo sul ao bico da Proa, que aponta para o Norte, são cerca de 15 km. As paredes chegam a mais de 500 metros de altura.

Bem ao lado, a oeste do Roraima, está outro Tepuy, o Kukenan, um pouco mais baixo, mas igualmente bonito, cuja face ostenta o Salto Kukenan, que, com cerca de 600 metros, é considerado o segundo maior do mundo.

O primeiro dia é bastante tranqüilo e predominantemente em descida, pois Paraytepuy está do outro lado do vale. Desta forma, caminhando sempre com o Roraima à nossa frente, será preciso descer até o Rio Kukenan, principal drenagem da área e, de lá, começar a subir no dia seguinte. Nesta etapa, em mais ou menos três horas, cobrem-se cerca de 12 km de distância e descem-se aproximadamente 500 metros. Há duas possibilidades de acampamento: no Rio Tek ou, meia hora depois, às margens do próprio Rio Kukenan. O Campo Kukenan, por estar ao lado de um bosque, tem mais mosquitos, por isso a maioria das pessoas prefere pernoitar no Tek, o que faz com que naquele haja grande chance, em qualquer época, de se pernoitar sozinho, o que pode ser um atrativo para alguns.

Os mosquitos no Roraima não carregam ninguém. Já vivi situações realmente assustadoras em relação a mosquitos em outros lugares e os dos acampamentos na Gran Sabana são bem tranqüilos. Não obstante, um repelente ajuda, sobretudo para os mais sensíveis ou alérgicos.

Por outro lado, o acampamento relativamente cheio do Tek – umas 15 barracas – foi uma oportunidade de conhecer muitas pessoas interessantes e legais, como Chico, a Camila, o Amauri e a Sandra, quatro brasileiros que desciam do Roraima. Os dois últimos são os protagonistas do “Gosto de Brasil”, uma bela viagem e projeto de documentação de alguns dos lugares mais bonitos do país. O sítio do projeto é muito bacana, cheio de informações, inclusive sobre o Roraima, e vale à pena a visita (www.gostodebrasil.com.br).

Em geral, as pessoas que se conhece na estrada são sempre do melhor quilate, gente calejada pelas trilhas e com muitas milhas acumuladas, cujo contato com distintas realidades, as fez relativizarem seus valores e pontos de vista, tornando-as tolerantes, respeitosas, abertas e curiosas.

CLIMA NO RORAIMA

Demos relativa sorte com o clima no Monte Roraima. Choveu todos os dias, mas nunca enquanto estávamos caminhando. Segundo consta, a melhor época para se visitar a região é entre dezembro e abril, quando chove menos. Março e abril são os meses de menor pluviosidade. Em julho e agosto, muitas vezes é preciso esperar o nível dos rios baixar para cruzá-los ou fazer travessias com o auxílio de cordas. Mas lembre-se: sempre chove. Portanto, esteja preparado: capa de chuva, muitos sacos plásticos para impermeabilzar tudo e, quem sabe, uma capa de mochila.

O fato é que, independentemente da dinâmica climática equatorial, que controla o clima da região, comandada pelos Alísios de Nordeste e pela Zona de Convergência Intertropical, os tepuys têm seu próprio microclima: as correntes térmicas geradas pela radiação refletida e pelo intenso aquecimento das generosas paredes de rocha sugam o ar úmido das florestas subjacentes, que se condensa sobre os tepuys. Daí, a constante visão dos tepuys encimados por uma coroa rodopiante de nuvens, que parece presa sobre eles, como castelos transilvânicos. Desta forma, mesmo com o clima ensolarado no vale e em toda a região, é muito freqüente que os cumes estejam nublados e sujeitos a chuvas.

SEGUNDO DIA: RIO TEK- ACAMPAMENTO BASE

O nascer do sol, já me advertiam Amauri e Sandra, é imperdível e geralmente mais apreciável (os fins de tarde têm mais propensão a nuvens) que o pôr-do-sol no Roraima. Portanto, nada de preguiça. Ao abrir os olhos pela primeira vez e constatar aquela luminosidade baça, não hesite e se levante.
Um banho gelado logo cedo no Rio Tek, bom café-da-manhã com ovos mexidos e, por volta das 8:30 h, estávamos caminhando.

O segundo dia é possivelmente o mais duro de todo o trajeto. São 10 km e 820 metros de desnível em meio à vegetação savânica, quase sem sombra. Torça para que haja nuvens. Fizemos em quatro horas. Há uma opção de acampamento a meio caminho, no que se chama de Campo Militar, mas raramente usada. Chegamos ao Acampamento Base às 12:30h, armamos nossas barracas e imediatamente começou a chover forte. Com breves intervalos, a chuva durou até de madrugada. Felizmente, eu trouxera um livro e tinha meu diário para me distrair. Passei a tarde dentro da barraca. Saí apenas para jantar por volta das 18 h e voltei.

Escolhi um mau local para acampar. O terreno arenoso logo se encharcou e a água se infiltrava pelo fundo da barraca. As costuras do sobreteto, que precisam ser novamente seladas, sob o excesso de umidade, começaram também a vazar e a água pingava no interior pela tela da parede interna. Nada grave. Na verdade, sei apreciar esses exercícios de auto-abandono. Já que não há o que fazer, conviva e conforme-se com a situação.

O Acampamento Rio Tek, o Acampamento Kukenan e o Base têm todos pequenas casas de adobe e palha que servem de apoio para os grupos. São usadas como cozinha e sala de refeições. Apenas no Rio Tek, entretanto, há uma latrina coletiva, problema que, a meu ver, deveria ser solucionado.

Não tem como. Não há como ser purista e ficar achando que uma construção conspurca a paisagem. Juntou muita gente na trilha, ou se fazem banheiros, ou os arredores do acampamento ficam horrendos, verdadeiros chiqueiros repletos de papel higiênico, merda e cheiro de mijo.

O Instituto de Parques, no Roraima, deveria: 1) conduzir um estudo sério sobre capacidade de suporte da trilha e dos ambientes, sobretudo levando em consideração que o topo do Roraima é um ecossistema único e muito frágil, 2) estabelecer um limite total de pessoas na trilha num dado momento e limites específicos de pessoas em cada acampamento – diz-se que há um limite, mas não há restrição de fato, 3) instalar banheiros nos acampamentos Kukenan e Base, 4) cavar latrinas e mantê-las regularmente nos “hotéis” do topo do Monte, 5) capacitar os guias para um trabalho maior de conscientização e orientação dos turistas em relação ao impacto, entre outras coisas, de seu coco e xixi.

Eu tomei água sem tratar em todos os lugares e não tive problema nenhum, mas sou meio bronco. Acho recomendável, diante da situação acima descrita, levar pastilhas ou hipoclorito e usá-los, especialmente no Base e no topo. A ameaça é menos séria nos outros locais.

TECEIRO DIA:BASE-TOPO.

O dia amanheceu nublado, mas felizmente não chovia.

Nada a fazer, a não ser conformar-se e socar a barraca ensopada dentro da mochila, cuidando de que todo o resto esteja bem selado. A mochila estava sensivelmente mais pesada pelo líquido extra nas entranhas do tecido.

O terceiro dia é tão duro quanto o segundo. A diferença é que se caminha quase todo o tempo na sombra, quando não em meio às nuvens. Em compensação, a inclinação é sempre razoável – em alguns trechos acentuada -, e o terreno pedregoso. Não há, entretanto, trechos expostos à altura. Não obstante, deve-se tomar cuidado, pois todo o trajeto é escorregadio. Sobretudo o trecho conhecido como Paso de las Lágrimas, onde se passa sob uma das cachoeiras que despencam sobre a rampa, exige atenção e conhecimento do caminho, pois há muitas pedras soltas e risco de quedas fatais.

Se a vista já era todo o tempo até aqui sensacional, agora, a cada passo para cima – se você puder ver alguma coisa em meio às nuvens -, torna-se absurdamente bela.

Os trechos mais inclinados são justamente o inicial, logo após o Campo Base, onde será necessário usar as mãos para escalar, e o final, após o Paso de las Lágrimas, rumando para o topo.

São cerca de três horas até o alto do Roraima. E daí, mais algum tempo até o “hotel” de seu grupo, dependendo de onde ele se localize.
Há oito hotéis, como são conhecidas as pequenas grutas onde se acampa no alto do Roraima: Guacharo, Basílio, Índio, Uno, Principal, Jacuzzi, San Francisco e Coati (Brasil). Sete deles estão na Popa do Roraima. O Coati, único localizado na Proa, serve de abrigo aos grupos que se aventuram para estes lados.

Nosso grupo teve a sorte de se hospedar no Hotel Jacuzzi, cujo nome faz referência aos maravilhosos poços com fundos de cristal de rocha, localizados nas cercanias. Além de se beneficiar dessas piscinas, o Jacuzzi é o hotel mais próximo e com vista para a “Janela da Guiana” e, há mais alguns passos, da “Janela do Kukenan”, mirantes para a assombrosa queda que leva aos vales adjacentes, com a visão da densa floresta guianesa e do tepuy vizinho.

Se puder negociar com seu guia para ficar aí, não tenho dúvida de que é o melhor dos hotéis. Mas pode não ser tão fácil ficar onde se quer. É preciso sorte, pois esses abrigos são alocados em negociação entre os guias, tendo em vista o tamanho e quantidade dos grupos.

O Hotel Jacuzzi abriga até sete barracas. Da minha, descortinava-se a vista em direção à Guiana. Para além dos charcos e ruínas que compunham o topo do Roraima, descortinava-se uma de suas paredes, de onde despencavam sete monumentais quedas d’água de mais de 400 metros.

As gélidas jacuzzi proporcionam deliciosos banhos de fazer doer pés e mãos. Claro que os europeus – à exceção de Kepa, o basco – abriram mão de seu direito. Aliás, como era de se esperar, os alemães e o francês não tomaram banho em nenhum dos dias. Com boa vontade em relação à água gelada, há locais para banho em todos os acampamentos durante a ascensão.

O MUNDO PERDIDO

As rochas metamórficas e ígneas que formam o Escudo das Guianas, do qual o Roraima faz parte, são antiqüíssimas, chegando algumas à idade de 3,6 bilhões de anos. A montanha em si é mais recente, mas também muito antiga se comparada às grandes cadeias de montanhas como os Andes, que têm apenas cerca de um milhão de anos de formação. Os tepuys do Escudo das Guianas se soergueram com o início da separação do supercontinente de Gondwana, no Período Jurássico – há cerca de 150 milhões de anos -, que deu origem ao Oceano Atlântico e separou os blocos continentais das Américas e da África. Desde então, seus topos permanecem isolados dos ecossistemas circundantes, num lento e prolongado processo de erosão e de evolução de espécies que não encontra similar no planeta.

O resultado é a já mencionada surrealista e gótica paisagem lunar, composta por intrigantes formações de rocha em todas as escalas, de monumentais a microscópicas. São pináculos, torres, grutas, arcos e todo o tipo de ruínas, entremeadas por pequenos córregos, charcos, lagos e por uma vegetação única, adaptada às difíceis condições ambientais do topo – solos pobres e inexistentes e alta umidade -, que fazem com que praticamente todas as espécies só existam nos tepuys, e cerca de metade delas apenas no topo do Roraima. São bromélias, orquídeas e carnívoras, entre outros tipos de plantas, algumas muito primitivas e altamente adaptadas.

No reino animal, há um gênero de minúsculos sapos bastante primitivos – Oreophrynella -, cujos traços genéticos os relacionam mais a sapos africanos que americanos, indicando que suas origens remontam ao supercontinente de Gondwana. Esses pequenos sapos pretos de barrigas alaranjadas surgem em várias espécies diferentes nos topos dos vários tepuys e também nas florestas em suas bases.

Além disso, há lagartixas e alguns pássaros. Entre os mamíferos, existem apenas duas espécies de ratos e uma de coati.

Em um dia se pode ver bastante coisa no topo do Roraima, mas é tempo claramente insuficiente para conhecer tudo o que a montanha oferece. A cada passo e esquina dobrada, revela-se um novo cenário de cair o queixo.

Os grupos que fazem a ascensão em seis dias, como o nosso, dormem duas noites no topo em um acampamento fixo e têm uma tarde e um dia inteiro para conhecê-lo. O tour de oito dias significa quatro noites no topo com uma mudança de acampamento. Vai-se direto para o Coati, na proa, área onde se localizam os Labirintos, supostamente a porção mais fantástica de ruínas, o Lago Gladys, batizado em homenagem ao lago da obra de Conan Doyle, o ponto tríplice, marco da fronteira Venezuela-Brasil-Guiana, o fosso e o Vale dos Cristais. Para as duas últimas noites no topo, o grupo se muda para um dos hotéis da popa. Para se ter a referência, do topo da rampa ao Ponto Tríplice, são cerca de nove quilômetros. De lá ao Lago Gladys, outros cinco, e mais dois até a Proa.

Faz bastante frio no topo do Roraima. Na savana, lá embaixo, com sol equatorial, a temperatura pode ficar acima dos 30oC. Cá em cima, à noite, pode chegar a zero, mas costuma flutuar em torno dos 10oC, caindo facilmente a sensação térmica com o vento.

DESCIDA

A descida é feita em dois dias. No primeiro, descemos do topo diretamente ao Rio Tek, ficando o trecho de 12 km até Paraytepuy para o último dia. São gastas aproximadamente sete horas até o Campo Tek. É certamente possível fazer tudo em um dia, mas seria cansativo em demasia e ninguém está ali testando seu preparo físico.

Pode-se pensar em outras variantes logísticas que otimizem o tempo no topo, mas descer em um dia é certamente a menos recomendada delas.
Outra possibilidade é a ascensão direta do Rio Tek até o topo, num longo dia de cerca de oito horas e 12,5 km de caminhada para vencer 1700 metros de desnível. Bastante gente faz essa opção, ganhando um dia a mais no topo.

Mais racional, entretanto, de forma a distribuir o esforço proporcionalmente entre os dois dias de ascensão, me parece a possibilidade de ir, no primeiro dia, de Payratepuy até o Acampamento Militar (17,5 km e aproximadamente 400 m de desnível ascendente) e, no segundo dia, daí ao topo (7 km e 1300 metros de desnível). Na opção anterior (Tek-topo no segundo dia), as distâncias caminhadas ficam equilibradas, mas o desnível todo concentrado no segundo dia. O primeiro dia é muito fácil e o segundo bastante puxado.

É uma delícia chegar de volta ao Rio Kukenan para um bom banho, depois de tanto esforço, sabendo que o acampamento e o jantar estão há apenas meia hora de distância.

O último dia é bastante tranqüilo, com tempo suficiente para mais fotos e muitas paradas para nos virarmos e contemplarmos mais uma vez o Roraima, ontem tão próximo, agora já bem distante.

Claro que todos pensavam nos lençóis limpos e secos do hotel em Santa Elena, no vício da coca-cola e da cerveja, e numa bela refeição, mas deu enorme pena olhar para o Roraima, já quase chegando em Paraytepuy, e pensar que tudo estava acabando. Certamente eu teria que regressar ali para uma nova ascensão com mais tempo e para conhecer o resto da Gran Sabana, incluindo o lendário Salto Angel com seus mil metros de queda livre.

Em Paraytepuy, nos esperava um belo almoço, cerveja gelada e a ineficiente gestão de parques venezuelanos. Acredite e prepare-se: haverá um solitário guarda-parques que tem que revistar todas as mochilas em busca de cristais de quartzo. Nunca vi nada tão estúpido e ineficiente em se tratando de gestão ambiental. Primeiro, porque continua sendo fácil, se se quiser, carregar os tais cristais: coloque-os no bolso, embaixo do chapéu ou jogue-os numa moita próxima e espere o final da revista para recuperá-los. Segundo, porque é descortês com os visitantes. Último e mais importante, é absolutamente ineficaz para conter a depredação dos cristais. O que funciona melhor é um trabalho de conscientização e educação dos guias, para que eles conscientizem e fiscalizem seus grupos. E isso não há.

Dicas do autor:

Como Chegar: A porta de entrada da Gran Sabana venezuelana é a cidade de Santa Elena de Uairén, onde se chega de ônibus ou táxi a partir de Boa Vista, ou de ônibus, vindo de Caracas.

Onde Ficar: Em Santa Elena, opções boas e baratas são os hotéis Michelle e La Abuela.

Outras Dicas: Há muitas operadoras que trabalham com a subida do Roraima. Pesquise preços e barganhe. Seis dias são o prazo mínimo para a subida, de modo a se ter algum tempo no topo. Se puder, entretanto, não hesite em se programar para oito dias, tendo tempo de sobra para conhecer tudo o que o topo do Roraima oferece.

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