Escalada Esportiva Tradicional

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No desenvolvimento da escalada ao longo do tempo, várias vertentes foram ganhando força e identidade. Hoje, quando uma pessoa diz que pratica escalada, logo vem um pergunta: Que estilo? Pois bem, essa foi uma tendência em várias atividades esportivas, como o ciclismo, no qual coexistem o BMX, o mountain bike, a estrada etc. Na escalada, temos a escalada tradicional, esportiva, artificial, boulder, entre outras.

*Matéria publicada na Go Outside no dia 13/01/2012

No início, a escalada surgiu como um montanhismo técnico, onde montanhistas, na ânsia de conquistar novas rotas, inovaram subindo montanhas por faces mais difíceis. Surgiu aí a escalada tradicional, onde o objetivo era alcançar o cume de uma montanha escalando.

Com o passar do tempo, algumas pessoas viram em pequenos afloramentos rochosos a oportunidade de treinar técnicas para desenvolver uma escalada mais difícil. Quando isso aconteceu, o objetivo deixou de ser o cume das montanhas e se focou na escalada em si. Passou-se a valorizar lances mais complexos e também a contar com mais segurança, pois quanto maior a dificuldade maior a chance de cair. Surge aí a escalada esportiva.

A ética da escalada esportiva é diferente da escalada tradicional. Na primeira é interessante que em um afloramento rochoso exista um número maior de rotas de escalada, as “vias”, onde o objetivo é superar a dificuldade natural da rocha usando apenas mãos e pés, eliminando os equipamentos de escalada tradicional nos trechos mais difíceis.

Por conta desse objetivo, é éticamente aceito conquistar as vias de cima para baixo, planejando os melhores locais para fixar proteções, amenizando quedas e tornando a escalada mais segura.

Com a evolução da escalada, o estilo esportivo influenciou a escalada tradicional, e logo tornou-se mais interessante eliminar lances onde anteriormente eram escalados em artificial. Com o invento dos friends, que são peças de proteção móveis, a escalada tradicional ficou mais limpa e houve uma grande evolução, não sem antes encontrar opositores à essas novas ideias. No Brasil, isso aconteceu na década de 1980, quando houve um movimento interessante, liderado por André Ilha, chamado de “Manifesto pela Escalada Natural”. O pessoal dos clubes não entenderam as ideias, e brigas levaram ao esvaziamento de algumas dessas entidades.

Ideias novas que são boas, no entanto, perpetuam-se por si próprio, e com isso tivemos a modernização de diversas vias de escalada tradicionais que viraram verdadeiras obras-prima!

Bom, até agora eu contei, com fatos históricos, a influência da ética esportiva sobre a tradicional. Porém a evolução natural dessa história inverteu o jogo, e logo houve uma outra revolução.

Com a crescente utilização dos equipamentos móveis e sua popularização, diversos escaladores começaram a enxergar em pequenos afloramentos rochosos a oportunidade de treinar a colocação desses equipamentos e assim treinarem para escalar vias longas de parede, onde o objetivo era alcançar o cume de montanhas. Esse foi o princípio de uma nova modalidade que, aos poucos, vai ganhando uma conotação própria: a escalada “esportiva tradicional”.

Nesse estilo, mescla-se a dificuldade técnica e a pouca altura da escalada esportiva, que é bem concentrada, com a técnica de proteção da escalada tradicional, fundando um estilo que durante muito tempo vem se tornar um meio de campo entre as duas modalidades, mas que aos poucos ganha sua própria cultura.

Pode-se, de certa forma, afirmar que esse estilo surgiu na Inglaterra, na escalada de grit, que é uma rocha sedimentar. Nos locais onde afloram essa rocha, os penhascos são pequenos, mas bastante fendados, perfeitos para a utilização da proteção móvel. Como as vias por lá são de grande dificuldade técnica, popularizou-se o nome “hard grit” para esse estilo.

Apesar da presença de fendas, nem todos os locais contam com boas colocações de móveis, daí no hard grit surgir o grau de exposição, que é um grau relativo que mede a dificuldade psicológica de escalar a via. Esse grau é medido através da letra E. Alguns escaladores levaram ao extremo a escalada de vias com alta exposição. Aos poucos, a letra “E” foi ganhando números cada vez maiores, mostrando a evolução do hard grit e, conseqüentemente, da escalada esportiva tradicional. Já foram escaladas vias no grau E11 e sugeridos alguns E12.

No Brasil esse tipo de escalada encontra algumas dificuldades para seu desenvolvimento pleno. Primeiramente trata-se de uma escalada muito difícil, que leva ao extremo o grau técnico e psicológico. Obviamente trata-se de uma escalada para pessoas mais experientes e que estão em forma. Essa escalada também exige que o escalador tenha equipamentos móveis, que custam caro. Por esses dois motivos, e também pelo fato que só recentemente os escaladores começaram a respeitar as fendas em vias curtas, é que no Brasil ainda não há muitos adeptos.

Mesmo assim, por aqui há locais muitos bons para a prática dessa atividade, e existem escaladores que se destacam bastante. No Rio de Janeiro, há algumas vias nesse estilo perto da Pedra do Urubu, e há também a falésia São Sebastião, que talvez seja o local onde esse estilo é predominante. No Paraná, esse estilo ganhou muitos adeptos depois da conquista do setor 3 de São Luiz do Purunã, nos arenitos dos Campos Gerais, no final da década de 1990 e durante os anos 2000.

Muitas pessoas acham que o arenito, por ser uma rocha mais frágil que as rochas cristalinas, é uma rocha imprópria para esse estilo. Em São Luiz do Purunã, no entanto, temos condições perfeitas para a prática da esportiva tradicional, pois o arenito lá é muito maciço e bastante fendado, possibilitando uma ampla utilização de peças móveis. Para completar, São Luiz é um local onde o penhasco rochoso é bastante negativo, com a presença de grandes tetos, mas também agarras grandes, possibilitando vias bastante esportivas, porém com esse toque mágico que é a escalada em móvel.

Após um geração de pioneiros, o setor 3 ficou um tempo sendo pouco freqüentado, até que no ano passado alguns amigos que gostam bastante desse estilo resolveram promover o local e a modalidade, organizando o primeiro Festival de Escalada Tradicional do Paraná, que na verdade é “Esportivo Tradicional”. De acordo com os organizadores, o evento surpreendeu, com a presença de muitas pessoas, uma amostra de que a escalada está evoluindo no estado e se tornando menos elitista.

Por conta de todos os motivos que contei acima, São Luiz do Purunã é o diferencial da escalada no Paraná. O arenito Furnas, que é o nome técnico dado à rocha desses locais de escalada, só aflora aqui. No resto do Brasil há arenitos mais novos e, por isso, menos consolidados. Por isso que o arenito é a peróla da escalada paranaense e este estilo cada vez mais desenvolvido por aqui.

Dizem que quem consegue escalar com facilidade no Setor 3 de São Luiz do Purunã consegue escalar em qualquer local. Talvez esse seja o segredo da dupla de escaladores paranaenses Edmilson Padilha e Valdesir Machado, que nos últimos anos se tornaram conhecidos no Brasil inteiro por suas conquistas nos mais longínquos locais, como na Patagônia e no Salto Angel, na Venezuela, onde com outros escaladores de renome repetiram um dos big walls mais difíceis do mundo. Ed e Val, como são conhecidos, são um dos pioneiros que mais conquistaram vias de escalada em São Luiz e difundiram esse estilo no Estado.

Ed e Val também são pioneiros numa nova onda de escalada ainda mais comprometedora, onde mescla-se a dificuldade da escalada esportiva, com a colocação de móveis da tradicional em rotas de montanhas onde o objetivo é fazer cume. Esse foi o diferencial da conquista da via Place of Happines, na Pedra Riscada (MG), feito da dupla paranaense com o renomado escalador alemão Stefan Glovacz. É certamente a via de escalada mais difícil do Brasil, com 800 metros de altura e lances de até grau 9!

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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