Escalando na Mongólia

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Apesar de ser um destino completamente desconhecido para os brasileiros, principalmente no que diz respeito a montanhismo, a Mongólia oferece amplas oportunidades de trekking e algumas boas escaladas. E foi com este objetivo que eu e a Lisete Florenzano fomos para lá e levamos um pequeno grupo de clientes para uma viagem exploratória pelas montanhas Altai.


Após 2 dias na capital visitando alguns museus e vendo o tradicional festival de Naadam, voamos para Ulgi, uma pequena cidade com cara de fim de linha próxima a divisa com a China e a Sibéria. De lá viajamos de jeep por sete horas até o início de nosso trek. Uma das coisas mais impressionantes sobre o país é que fora das cidades, que não são muitas, não existe propriedade privada de modo que não há cercas ou divisões da terra. Mais de 50% da população é nômade e as famílias se movem de lugar em lugar em busca de pastagens. E onde eles encontram um bom lugar montam suas barracas, chamadas de gers e lá ficam até sentirem necessidade de mudar novamente, normalmente alguns meses depois. Para nós escolhermos o local do acampamento era mais ou menos semelhante. Um lugar plano com água de um lago, rio ou riacho de montanha e pronto. Ali dormíamos.

Caminhamos por uma grande variedade de paisagens, desde florestas temperadas até planícies semi áridas, lagos glaciares e passos nas montanhas. Por 6 dias caminhamos ao redor de 7 horas por dia até chegarmos ao nosso objetivo, o campo base do Khuiten, a mais alta montanha da Mongólia com 4374 metros. Tínhamos informações contraditórias sobre o grau de dificuldade da montanha variando desde relatos que a classificavam como objetivo de alpinistas profissionais até uma montanha fácil, mas que deveria ser feita por equipes bem equipadas. Estávamos com dois bons guias de montanha locais, cordas, crampons, ice axes, snow bars e parafusos de gelo e nos sentíamos confiantes apesar da experiência limitada de montanha dos nossos clientes.

Antes de partir para o Khuiten fizemos uma caminhada de aclimatação subindo o Malchin, uma montanha ao sul do Khuiten com 4100 metros. Apesar da pequena diferença de altitude, o Malchin é muito mais fácil, não passando de uma caminhada um pouco inclinada dificultada pela neve fresca que tinha caído no dia anterior. Mesmo assim chegamos ao cume em pouco mais de 4 horas tendo subido 1200 metros.

No dia seguinte cedo partimos para nosso objetivo maior otimistas com o céu azul que deixava as formações de gelo do caminho entre o base e o campo alto ainda mais bonitas. Cruzamos várias cravasses, mas nenhuma delas chegou a oferecer algum perigo. Ou estavam bem abertas ou cobertas com sólidas pontes de gelo. O bom tempo da manhã deu lugar a uma nevasca forte assim que acabamos de montar o acampamento. Enquanto comíamos nossos jantar de comida liofilizada víamos com um certo desânimo a neve que se acumulava em nossas pequenas barracas. Fomos dormir com o barulho da neve com planos de acordar as 3 da manhã e sair com a primeira luz que nesta latitude vem bem cedo.

Ao despertarmos vimos que os planos teriam de ser mudados pois o céu estava muito carregado e um vento forte soprava. Voltamos a nos acomodar em nossos quentes sleeping bags e de tempos em tempos olhávamos para o céu em busca de melhoras que só vieram as 8 da manhã. Subitamente o vento que fazia redemoinhos de neve no cume da montanha acalmou e um lindo panorama se descortinou ao nosso redor com o sol da manhã refletindo na neve fresca. As 9 da manhã estávamos a caminho do cume torcendo para que mais uma vez o tempo não virasse. De acordo com o que tínhamos lido o dia de cume seria de ao redor de 10 horas e como tínhamos saído tarde as chances de termos problemas a tarde eram razoáveis. A escalada começou com uma rampa pouco inclinada até chegar na crista que levava diretamente ao platô do cume. Aí vieram os dois maiores desafios da montanha, rampas de 80 metros de altura com inclinação de 45&nbsp, 50 graus. Mas, mais uma vez tivemos sorte pois a neve do dia anterior já havia se consolidado um pouco e pude abrir caminho fazendo degraus profundos e sólidos para os que vinham atrás.

Depois de 5 horas de escalada sabíamos que conseguiríamos chegar no cume. O tempo estava maravilhoso sem vento algum e o cume estava ao alcance das mãos. O angulo se suavizou e em breve estávamos vendo uma paisagem de sonho. Ao sul o árido planalto chinês. Do outro lado as montanhas da Mongólia e ao norte uma seqüência linda de cumes nevados no Altai siberiano. Três países vistos de um só cume. Pela primeira vez a bandeira brasileira foi colocada ao vento no topo de uma montanha desta região e a Lisete Florenzano, o José Roberto Resende, o Eduardo Santos Filho e eu nos tornamos os primeiros brasileiros a chegar no topo da mais alta montanha da Mongólia.

Passamos mais uma noite no campo alto, pois já era muito tarde para voltar ao base e a neve possivelmente estaria muito molhada depois de um dia de sol intenso. Na manhã seguinte percorremos o caminho de volta sem maiores problemas e passamos a tarde inteira tomando banho de sol no gramado do campo base, arrumando nosso equipamento e contando e recontando as histórias de nossa bem sucedida escalada, uma das coisas mais gostosas de estar na montanha com amigos.

Enquanto voava de volta a Ulaan Baatar, a insípida capital da Mongólia pensava na próxima viagem que faria nesta linda região do mundo quando mais uma vez trarei um grupo de brasileiros para explorar as montanhas Altai.

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Sobre o autor

Manoel Morgado é médico de formação, mas trabalha como guia de montanha há 20 anos, atuando em vários países ao redor do mundo. Há 15 anos é montanhista, tendo como ápice de sua carreira a conquista do Everest e também a realização do projeto 7 cumes. Ele nasceu no Rio Grande do Sul, se criou em São Paulo e dede 1989 não tem casa.

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