Fechamento da Casa de Pedra e o cenário dos ginásios no Brasil

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Há 8 anos atrás São Paulo tinha 6 ginásios de escalada. Com o fechamento da Casa de Pedra da Chácara Santo Antonio, a cidade ficará com somente 2. Por que São Paulo entrou em decadência na escalada e qual é o cenário dos ginásios e da escalada Brasil afora.

Cena do último campeonato brasileiro na Casa de Pedra

A Casa de Pedra da Chácara Santo Antonio agora fará parte de uma lista de ginásios de escalada que não foram para frente em São Paulo. Ela se juntará à Casa de Pedra da Granja Viana, Ginásio Rocódromo (anteriormente chamado de Crux), Vertical Indoor (que ficava em Arujá) e também no interior o ginásio Alpino de Campinas.

A primeira impressão que o fechamento de ginásios dá, é que a escalada como um todo está em decadência. Isso pode ser facilmente deduzido, pois afinal, a existência de um ginásio de escalada em um local, mostra que por lá existe uma comunidade de escaladores consolidada, pois em quase todos os locais, os ginásios foram implementados por eles para melhorar seu nível técnico, ajudar no aprendizado de novos escaladores e ter um local para treinar na época de chuvas implementando a escalada quantitativa e qualitativamente.

Entretanto, mesmo com tanta história e importância, o fechamento da Casa de Pedra e a decadência da escalada paulista é uma exceção no cenário nacional, que teve uma melhora qualitativa muito grande no Brasil.

Aqui no AltaMontanha noticiamos várias vezes esta melhoria na escalada brasileira. Em 2009 tivemos dezenas de campeonatos, festivais de escalada, eventos culturais de montanhismo, festas de aberta de temporada e até Seleção participando de mundial Juvenil… Vários destes eventos ocorreram em locais antes “secundários” no montanhismo, como em Santa Catarina, Brasília e o Nordeste. Entretanto nem todos estes locais eram secundários…

Existe no Brasil um certo “Paulicentrismo”, ou seja, sempre São Paulo é o centro das atenções. Os motivos disso não são difíceis de deduzir, as empresas, a maior parte da população com alta renda, os meios de comunicação, quase tudo se concentra em São Paulo. Voltando um pouco na história do montanhismo e escalada nacional, vemos que São Paulo, até a década de 90, era ,de fato, um local secundário no montanhismo brasileiro, que sempre teve Rio de Janeiro e Curitiba como grandes centros de propagação da cultura do montanhismo e conseqüentemente da escalada.

Foi somente com a abertura da economia, após o governo Collor, que a escalada deslanchou em São Paulo. Antes ela era praticada por poucas pessoas excêntricas, mas impulsionado, principalmente com a construção de ginásios, logo a atividade (principalmente a escalada esportiva), se tornou popular, chegando nos principais meios de comunicação, dando a impressão que antes da década de 90, a “novidade” não existia no Brasil.

No final da década de 90, escalar em lugares como a Pedreira do Dib, a rocha mais próxima de São Paulo, requeria muita paciência e atenção com os rapeleiros. Escalar era “moda” e como tudo o que é moda para a classe média em São Paulo, todo mundo tem que fazer. Da mesma forma que para entrar num restaurante ou Shopping da moda em São Paulo você tem que entrar na fila, para escalar por lá, nesta época, você também tinha que esperar sua vez…

Da mesma maneira que no trânsito paulistano existem os motoqueiros, na montanha paulista existiam os rapeleiros, pessoas “radicais” que procuravam adrenalina e emoção sem muita ética e educação. Não obstante a sociedade paulistana levou pra montanha seus problemas e sua maneira de viver, seja com as modas, a mania de fila, a necessidade de pagar mais caro em tudo e exportar sua falta de educação, o individualismo, a competitividade e sua visão empresarial de tudo.  Não raro os rapeleiros viraram “empresários”, donos de empresas especializadas em enfiar a faca na barriga dos clientes e torcê-la para extrair mais e mais dinheiro.

A moda da escalada não era só coisa ruim. Ela deixou a escalada mais acessível para as pessoas, por que dela abriram várias lojas, cursos (de verdade) e ginásios, como a Casa de Pedra. Em São Paulo este ginásio equivale à Urca para os cariocas, ao Anhangava para os curitibanos e ao Cipó para os mineiros. Mas diferente destes locais sagrados para os montanhistas, a Casa de Pedra tem um custo alto de manutenção e ela não vive de filantropia. A conta a ser feita para manter o ginásio aberto é simples, somando todos os ganhos e subtraindo os custos, o número tem que ser maior que zero, de preferência bem maior…

Fazendo estas contas vários ginásios e lojas de montanhismo foram fechados. Folheando revistas (hoje também fechadas) e vendo páginas antigas de sites que só davam importância para a escalada quando ela dava dinheiro (bem diferente de hoje!), eu vejo diversos nomes de pessoas que tinham patrocínio e estavam sempre em evidência, mas que quando os holofotes apagaram, elas desapareceram, mostrando que nunca assimilaram a cultura do montanhismo. Onde estão estas pessoas agora?

Mostrando este quadro, até parece que a escalada brasileira está em decadência, mas não está. Neste ano foram inaugurados dois novos ginásios no país. Um em Belo Horizonte (7 cumes) e outro na pequena Cambé, região metropolitana de Londrina no Paraná. Outros ginásios, como o Kaverna em Curitiba e o Adrena Limits em Porto Alegre foram ampliados. Em 2009, pela primeira vez, tivemos a cadena brasileira de uma via de 9a (11c brasileiro), realizada por um paulista, Felipe Camargo. Dois paulistas também foram campeões nacionais Janine Cardoso e Cesinha, este último, inclusive, teve a melhor colocação brasileira em uma Copa do Mundo em 2009, 15° lugar em Barcelona.

Além disso, tivemos a abertura de várias vias de altíssimo nível, seja esportiva como tradicional, como “Place of Happiness” de Edmilson Padilha, que escalou uma via de nono grau na Pedra Riscada (MG) com o alemão Stephan Glovacz. Outro acontecimento interessante foram os 4 montanhistas brasileiros que escalaram o Cho Oyo neste ano e por não dizer a Seleção Brasileira Juvenil de escalada, que está indo para seu segundo ano. Por estes e muitos outros motivos, posso afirmar que o Brasil evoluiu qualitativamente na escalada e montanhismo e amadureceu muito, mesmo com o fim da moda.

O que aconteceu em São Paulo foi uma retração quantitativa, pois lá também houve uma evolução qualitativa. Entretanto o sistema capitalista precisa de números e São Paulo, a cidade mais capitalista da América Latina sabe bem disso…

Com uma estrutura bem modesta, vários ginásios sobrevivem no Brasil, mas em São Paulo é diferente, não basta sobreviver, tem que dar dinheiro! Esta é a diferença com o resto do país. O ruim disto tudo é que quando algo sai de foco em São Paulo, sai de foco de todo o país, pois infelizmente, como bem colocado anteriormente, o Brasil continua sendo paulicêntrico.

Enfim, posso concluir que o que fez a Casa de Pedra falir foi uma única coisa: O fato de que poucas pessoas em São Paulo assimilaram a cultura do montanhismo. Ao contrário disso, somente valorizaram a cultura do capitalismo, descartando aquilo que não dá dinheiro, uma pena…

Veja mais:

O que fez a Casa de Pedra fechar? – Blog do Pedro Hauck

 

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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