LENÇÓIS MARANHENSES A PÉ!!! – P3

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DE QUEIMADA DOS BRITOS ATÉ SANTO AMARO DO MARANHÃO
De madrugada choveu ininterruptamente. Felizmente o sobreteto tava bem firme pq chovia com vento forte. Contudo, foi inevitável q começasse a pingar aqui ou acolá no interior da barraca. Porem, meu cansaço e sono eram indiferentes a tal detalhe, q só percebi ao acordar molhado na manha seguinte, as 6:00hr. As paredes estavam totalmente úmidas e havia pequeninas poças c/ areia dentro. Chovia lá fora e fiquei aguardando parar p/ poder começar a pernar naquele dia, enquanto aproveitei p/ tomar café e dar uma limpada no interior.
Texto e Fotos: Jorge Soto


Um tempão depois e, ao ver q a chuva parecia não dar trégua, resolvi levantar acampamento à contragosto, já q iria carregar o dobro do peso naquele dia: eu q me preocupava em comer td q levava a fim de aliviar peso, levaria desta vez a barraca molhada e muita areia a tiracolo. Ao desmontar minha tenda, fiquei surpreso c/ a lagoa do meu lado, q aumentara consideravelmente de volume quase alcançando minha barraca! O mesmo pras lagoas nos arredores! Incrível como a chuva e os ventos transformam subitamente a paisagem aqui!
C/ a chuva fustigando o rosto, percorro paralelamente as dunas rente ao rio, contornando as matacões e dunas + altas, seguindo o sentido indicado pelos jovens, o dia anterior. Mas ao subir uma duna p/ ter uma panorâmica, apenas avisto um maravilhoso e enorme tapete verdejante de arbustos/arvores baixas salpicado de lindas lagoas azuis. Nem sinal da vila, portanto teria q me enfiar ali e procurar. Mas q direção? P/ complicar, minha bússola tava molhada e não funcionava. O jeito foi seguir intuitivamente pelas dunas enormes paralelas ao oásis, e depois de subir/descer algumas consegui entrar no mesmo por uma brecha entre no emaranhado de arbustos, s/ cair nalguma lagoa funda.

Ali, consegui avistar muitas trilhas se entrecruzando sentido oásis adentro. Totalmente perdido, decidi seguir as trilhas q seguiam p/ oeste, pois algumas levavam apenas à lagoas maiores. O bom daqui é q ta repleto de cajueiros e miris e o chão forrado dos mesmos complementou meu mirrado café da manha. A esta altura a chuva cessara, mas isso não impediu q tivesse q atravessar laminas de água ate as canelas e muitos campos encharcados. Cada vez + no interior do oásis, noto q algumas trilhas agora tornam-se mais largas e me guio por elas. Ironicamente, é mais difícil se orientar dentro dos oásis q no deserto. Subo uma duna maior p/ ter uma geral dali, e finalmente avisto ao longe um telhado vermelho do lado de um coqueiral, e é pra lá q me dirijo em linha reta, contornando os obstáculos do trajeto.

Ao alcançar a casa – as 8hrs e c/ a chuva retornando – um senhor me convida s/ cerimônia p/ entrar. Tal qual Dna Maria, Seu Jose Domingues é extremamente cordial e hospitaleiro c/ forasteiros. Era o pai dos 2 jovens q vira o dia anterior e me oferece café e bolachas. Em seguida, me brinda c/ uma tigela c/ camarões frescos enquanto conta da vida dali, não muito diferente de Baixa Grande, c/ a diferença q em Queimada dos Brito mora + gente nas 25 casas espalhadas pelo oásis, e q ele é o único q tem eletricidade esporadicamente, vinda de um precário gerador. Tb tem suas queixas c/ o prefeito: ´Prometeu trazer eletricidade, mas agora vem c/ a desculpa de q os postes podem ser engolidos pelas dunas!´ O isolamento e as agruras do deserto tb são responsáveis pela união e pela solidariedade entre todos os moradores dali, e onde resistem como uma gde família. E de fato o são, uma vez q todos tem algum grau de parentesco.

Contou q certa vez alguém adoeceu gravemente, colocaram a pessoa numa rede pendurada num pau, e em comitiva de parentes atravessaram o deserto ate Sto Amaro (6hrs dali), se revezando qdo alguém cansava!! Seu Domingos foi muito gentil comigo, tanto é q deixei c/ ele mantimentos q tinha de sobra. ´O que é isto? Como é q come?´, perguntou qdo entreguei um pacote de miojo, sinal de q seu único horizonte eram as areias. Dele e de muita gente, pois haviam jovens q nunca saíram dali. O papo tava ótimo, Seu Domingues me deu ate um gole de ´Xoxota´: um mix de cachaça, suco de morango, leite de coco, leite condensado, gengibre e açúcar. E eu q achava q o Guaraná Jesus era a bebida + doce q teria ali. Antes de me entusiasmar e beber +, me despedi dele logo qdo q a chuva novamente passou.

Seguindo as instruções dos filhos de Seu Domingues, cortei caminho pelas ´morrarias´ ou ´serras´ – como eles chamam as dunas – paralelas ao oásis p/ novamente entrar e estar em trilhas no meio do oásis. Atravessando arbustos e arvores baixas molhadas, alcanço a Queimada dos Lira e, logo a seguir, a Queimada dos Paulo, onde haviam + casinhas simples c/ gente nos roçados. Todo mundo, s/ exceção, pára p/ me ver. Coleto infos e prossigo, bem na hora em q a chuva torna a cair. Ao chegar nos limites do oásis com o deserto, busco marcas de trilha q deveria seguir e nada. Claro, a chuva havia apagado! E agora, José? Sem trilha e bússola quebrada, como ia fazer? Matutando em como sairia dali, volto pras casas de Queimada dos Paulo, onde espero a chuva passar. Pensei em ate contratar um dos locais p/ me acompanhar o resto da trip, mas ai seria morrer na praia. Esperança de carona era zero, pois realmente as chuvas detonavam as já precárias estradinhas ate pras possantes Toyotas, e nem havia uma sequer ali, de acordo c/ os locais. P/ minha felicidade, um dos locais (Neto) tinha q ir buscar uns bodes na direção de Sto Amaro, meu destino. Beleza, iria c/ ele e dali continuo sozinho o resto!

E foi o q fizemos qdo a chuva parou, lá pelas 11hrs! Eu e Neto passamos pelas ultimas casas de Queimada – na única estradinha de areia q tem – ate alcançar os limites do oásis c/ o deserto. Ate lá tivemos q atravessar c/ água ate os joelhos muitas lagoas q simplesmente transbordaram no caminho. Neto colhia frutos nos arbustos como o jabiru e o mirim p/ eu provar, e olha q eram ate gostosos. Chato era um mosquitinho parecido com borrachudo, o marium.
Finalmente no deserto, começamos o já habitual sobe/desce/atravessa/contorna/lagoa. Por estar nublado naquele horário, a pernada estava tolerável e ate agradável. O q me incomodava em Neto era somente a enorme peixeira q levava junto. ´Pra que?´, pensei, e imaginei q o cara ia me matar, roubar e me largar no meio do nada. Ele disse q podia ter ´caboclo ruim´ no deserto (!?) Ainda assim, não tirei os olhos daquela peixeira e deixei ele ir sempre na minha frente. Receios de gente de cidade grande.

Sempre em ritmo firme e forte p/ oeste/sudoeste, paramos apenas 1 vez p/ descansar e beliscar algo. O destaque deste trecho são as várias sondas desativadas da Petrobrás espalhadas pelas dunas, e uma pequena cobra q Neto quase pisou ao atravessarmos o pasto numa lagoa seca. De resto, a beleza das dunas e suas laminas de água reluzindo naquela tarde de nebulosidade clara valiam o preço daquela dura pernada. Por conta das chuvas, as lagoas aqui eram maiores e espaçadas, e as dunas eram + fáceis de caminhar. Ainda bem.

Às 13:30 nos separamos. Neto seguiu p/ sul atrás de seus bodes, mas não s/ antes apontar a direção q eu devia seguir, s/ desviar pra nenhum lado. E foi o q fiz, atravessando o deserto p/ oeste, já meio cansado e sentindo as assaduras novamente. Felizmente, minha bússola havia secado e voltava a operar normalmente. Estava no sentido correto. Meia hora depois, do alto de uma duna, meu corpo doído se encheu de alegria ao conseguir avistar no horizonte os matinhos q limitam o povoado de Santo Amaro. Agora havia apenas q chegar lá, o q me tomou quase 2 intermináveis horas! Ai resolvi seguir em linha reta mesmo, s/ desviar de lagoa alguma. Subia e descia duna, e cortava pelas lagoas, secas ou não. As q estavam cheias felizmente naquele trecho eram até rasinhas, mas como meu pé já tava detonado pelo atrito da areia c/ a bota molhada, a água ate veio em boa hora.

Cada vez + próximo dos matos q me guiavam, as lagoas q se interpunham no trajeto eram maiores e largas. Como não as contornava e sim as atravessava direto, apenas tomava a precaução de não serem fundas avaliando a distancia ate a outra margem. Felizmente a + funda chegou apenas quase ate a cintura. Foi ali, já quase no areal perto dos matos, q avistei sinais de trilhas deixadas por veículos e de bicicletas!! Ótimo, bastava segui-los. Varei a ultima lagoa, sob o protesto de vários carcarás, e coloquei pé na areia firme do q teoricamente era o limite de Santo Amaro. Arvores baixas, palmeiras, dunas, lagoas, etc.. o local é bonito, mas esta totalmente repleto de dejetos de bode forrando a areia.

Adentrando em terreno + amplo e plano, c/ mato aqui e acolá&nbsp, – sempre seguindo as marcas de veículos – contorno lagoas e algumas dunas forradas de arbustos ate chegar numa extensa planície de pasto encharcado. A trilha continua p/ oeste, passando a bordejar por um bom tempo uma enorme lagoa q se apresenta à direita, a Lagoa de Sto Amaro. Meia hora depois, e ladeado à minha esquerda por um extenso carnaubal, avisto pescadores retornando de + um dia duro de batente, c/ os quais apenas tenho a confirmação q to no sentido correto e q não falta muito p/ chegar à vila. Extremamente exausto e não vendo a hora de tirar o peso das costas, o silencio da pernada é quebrado pelo alto som de forró aumentando atrás de mim. Uma Toyota repleta de pescadores vem pelo mesmo caminho q percorro e me oferece carona. Não recuso, claro, e os 5km restantes são feitos num divertido sacolejo, entre isopores cheios de gelo, tainha e pescada frescas, embalados ao som do ´Garoto Safado &amp, Lagosta Bronzeada´. Cheguei ao meu destino exatas 16:30.

Sto Amaro do Maranhão é uma vila cercada de palmeiras. Simples, dispõe de alguma infra, porem é bem menor q Barreirinhas. Ficou famosa recentemente pelo filme ´A Casa de Areia´ (c/ Fernanda Montenegro), q trouxe eletricidade ate ali. Apesar disso, ainda mantém charme e rusticidade, as ruas de areia do entorno contrastam c/ o pavimento existente apenas na ´rua´ principal, cercada de igrejinha, vendinhas, etc.&nbsp, O motorista da Toyota conhecia uma pousadinha barata e me deixou bem na frente. Não era só pousada, era ´Restaurante &amp, Hospedaria Fé em Deus´, onde pechinchei meu pernoite por R$15. Devidamente instalado, tomei um banho demorado, tratei das malditas assaduras, comi uma suculenta galinha caipira e comemorei a empreitada com 3 cervas, p/ somente depois atentar p/ preço caríssimo delas!

Ao anoitecer, dei uma volta pela vila a fim de conseguir transporte p/ São Luiz. Lógico q ali não tem rodoviária, mas tem uma pequena agencia da Cisne Branco, empresa de bus do Maranhão, q ia ate a capital em 2 horários: pela manha e tarde. Depois fiquei zanzando pela pacata vila, q se conhece em menos de 15min. Destaque p/ sem-numero de moscas e sapos q circulam livremente pelas ruas, alem de um curioso ´trator-bus´, meio de transporte coletivo q consiste num trator c/ reboque c/ assentos. Engraçado era ver os jovens motoristas fazendo pose – qdo estavam s/ passageiros – tal qual a playboyzada na cidade gde, só q c/ um baita tratorzão. Hilário! O cansaço e o sono me pegaram antes das 20hrs. No quarto, não bastasse o calor sufocante ainda haviam os pernilongos, q pela qtdade industrial q estavam presentes no recinto + parecia praga egípcia. Felizmente, o ´hotel´ dispunha de ventilador e mosqueteiro, senão uma boa noite de sono seria impossível. Pior q td isso, era um forrozão rolando em alto som quase do lado.

CAMELANDO DE SAO LUIZ ATE SAMPA
A Toyota me pegou na pousada por volta das 5:30 da matina já de péssimo humor. Queria tomar banho antes de viajar mas as torneiras estavam secas, e falei um monte p/ cara da pousada. Tentei me animar c/ a perspectiva de ainda achar bus p/ SP ainda naquele dia e assim foi. O ´pau-de-arara´ estava vazio na caçamba e foi lá q sentei, pois a cabine tava lotada. Assim, deixamos Sto Amaro por uma sinuosa e precária estrada de areia, q atravessava ora matas fechadas de restinga alta ora pequenas lagoas c/ água acima das rodas!! Aventura mesmo! Bem q tentei cochilar, mas o sacolejo, a trepidação e os constantes ´chicotes´ dos galhos úmidos no meu braço impediam qq tentativa de descansar. O jeito foi apreciar a alvorada dando cores àquela paisagem selvagem e agreste.

Às 7:30 e 35km depois alcançamos o rijo asfalto (MA-402), num ponto de apoio chamado Matões, onde se fazia conexão ate São Luiz. Tomei um rápido café c/ tapioca p/ pegar o bus logo a seguir, onde desta vez consegui dormir ate chegar na rodô da capital maranhense, exatas 11hrs!!

Por sorte havia poucas vagas no busão p/ SP, as 14hrs. Infelizmente, revirando tds meus bolsos possíveis vejo q não disponho grana suficiente p/ passagem, faltando apenas R$20 p/ completa-la. O cx eletrônico dali não funcionava e se fosse p/ cidade sacar grana me consumiria sabe-se lá qto tempo… Não queria perder esse busão e + uma noite em São Luiz tava fora de cogitação, e agora? Pepinos extremos requerem medidas extremas, e já q durante td viagem tinham me confundido c/ riponga vendendo artesanias resolvi fazer jus à alcunha. Peguei as camisetas e souvenires q havia comprado p/ trazer de lembrança p/ família e passei a anunciá-los ao lado de um vendedor de pitombas. Achei q minha breve profissão não renderia muito pela discrição q tinha em vender meus ´produtos´, mas não é que a gringaiada na rodoviária se interessou?? Não deu nem meia hora e já tinha vendido td, c/ lucro até! Preciso repensar minha carreira. Assim q garanti minha passagem, tive tempo de fazer uma boquinha e ate de secar a barraca e as botas. Tomei o busão e, após 2dias e meio de cansativa trip – c/ longas paradas em Teresina, Petrolina, Feira de Santana, Vitória e Niterói – cheguei finalmente na Terra da Garoa.

Recapitulando, os Lençóis Maranhenses recebem esse nome justo pela similaridade q suas dunas guardam com as dobras de um lençol estendido na cama. Injusto, porém, é enquadrá-lo na simplista definição de deserto, uma vez q sazonalmente ele se transforma por completo proporcionando miragens de rara beleza q se tornam tangíveis na forma de oásis verdejantes, lagoas cristalinas, muita vida, habitantes gentis esporadicamente nômades e donos de uma cultura peculiar. Ao contrario dos demais desertos, locais efêmeros e sem memória, os Lençóis são igualmente locais mutantes ao sabor dos ventos, porem de uma dimensão exótica q fica + evidente qdo se cruza este nosso deserto-tupiniquim tal qual seus moradores, ou seja, a pé.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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