Licancabur e San Pedro do Atacama

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No primeiro dia que cheguei a San Pedro, parei em um pequeno restaurante que ja conhecia para comer, depois de 30 horas de onibus so com lanches da turbus o corpo grita por uma refeiçao decente…Pedi salmao com batatas coradas e tomate e comi, parecia bom e o gosto era maravilhoso.


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Entretanto, horas mais tarde veio a notícia, o escritorio que fica dentro da minha barriga me avisou que o peixe provavelmente nao era fresco, comecou a despejar violentamente os dejetos da refeicao estragada: Diarréia. Que étimo, sé me faltava essa…

Fulminante, de duas em duas horas. Por causa disso tive que melhorar ainda mais minha hidratação, bebendo mais e mais água. Sorte que ainda tenho sacos de tang porque nao aguento mais água!!!

Às vezes acho que o ser humano precisa do ser humano. Estar só na montanha é maravilhoso mas às vezes sinto a necessidade de companhia, dividir experiência, comentar durante a escalada, ajudar e ser ajudado…Conheci muita gente legal durante essa expedição e agora que me separei dos favoritos, sinto falta de todos, bateu uma nostalgia e por isso este ser humano aqui abandonou a idéia de tentar sozinho a próxima montanha.

Eu disse que descansaria certo? Este foi o meu descanso, escalar o vulcao Licancabur que conheci e me apaixonei em 2007!

Me juntei com 2 ingleses (Chris e Rachel) e juntos fomos com um guia muito gente boa (Gabriel) que por sinal me convidou a vir morar em San Pedro pois ele está comecando um negócio com a namorada, albergue e esportes de aventura. Como pensamos exatamente igual sobre andinismo e liberdade nas montanhas e ele se identificou demais com meu projeto (se formou nos EUA e largou tudo pra vir morar aqui sendo guia de montanha), nem pensou duas vezes antes de me convidar a firmar uma sociedade com ele e a parceira. Claro que nao dei resposta e disse que pensaria, não é tão simples assim.

Lá fomos nós, saímos do Chile, entramos na Bolívia e ficamos no abrigo de montanha, excelente por sinal, aos pés do vulcão Juriques e da laguna blanca, lugar que eu conhecera em 2007 com o Alexandre, Prio e Mônica.

O abrigo, lugar incrívelmente limpo, organizado e aconchegante

Largamos as tralhas lá, tomamos um café reforçaado e fomos caminhar pra ajudar na aclimatação. O abrigo fica a 4340 msnm, em linha reta, dista 6kms da laguna verde mas como o caminho faz um eterno zig-zag isso sobe para uns 8 kms. Caminhamos sob o sol absurdo até lá, fizemos algumas fotos e depois voltamos. Uma bela caminhada de cerca de 16kms em 4 horas. Nada mal, chegamos cansados nas proximidades do abrigo e conhecemos um guia local que vive alí com sua familia e já fez cume no Licancabur 488 vezes. Isso deve ser um record mundial não? Tem 62 anos e ainda guia pro vulcão. Agora estávamos com as pernas aquecidas pro desafio do próximo dia com um desnivel animal. Abrigo a 4340 metros e o cume do Licancabur a 5917 metros!

O vulcao Juriques de 5700 metros visto desde o abrigo
Cerro Laguna Verde de 5680 metros visto desde a laguna blanca, lindo não? Algumas vicuñas ilustram a paisagem

Para jantar, macarrão com bife de llama. Ahhhhhhh que delícia, fazia uns 3 anos que eu nao comia carne de llama!!! Me deliciei…Todos enchemos as barrigas e nos deitamos cedo, 19h (horário boliviano, uma hora a menos que San Pedro) para acordar antes das 3 horas da madrugada.

A diarréia? Muito bem obrigado, fui ao banheiro umas quatro vezes cortar o rabo do macaco até que pensei “não é possível, agora a caixa esvaziou!”. Fui deitar.

E claro nao dormi quase nada, super excitado e concentrado no vulcão…Quando o relógio despertou às 02:45h eu estava olhando pra ele, atento, contando os minutos.

Pulei da cama, acordei todos e disse “Let´s go climb this volcano!”. As risadas, todos levantaram, tomamos nosso café da manhã e às três e meia estávamos prontos. Uma carona até a base do vulcão na laguna verde (4360 msnm) e começamos a subida as 04:20h. Fazia calor, zero grau.

Mal o 4×4 parou, descemos e com lanternas seguimos para a escalada sem perder um minuto. Por lei, dentro do parque nacional boliviano que abriga a laguna verde e os vulcões, um guia local deve nos acompanhar. Assim sendo, Nosso grupo aumentou para cinco pessoas com o guia Pedro, que já fez cume no Licancabur umas cem vezes e nao tem nem trinta anos.

Subimos super rápido o primeiro tramo, em apenas duas horas atingimos a altitude de 5250 msnm, 900 metros de desnivel. Que isso, corrida de aventura? Os ingleses estavam se cansando rápido demais e comentei com o Gabriel que deveríamos subir mais lentamente, eu estava aclimatado, bem, mas tudo que eles fizeram foi o Cerro Toco no dia anterior (5604 metros, escalei em 2009) e este era seu record de altitude até entao. Gabriel concordou e seguimos com mais calma, desfrutando mais da montanha…

Primeira foto do dia, nascer do sol visto durante a escalada. A direita a encosta do Juriques

Na marca dos 5650 metros eu estava com a bola toda, surpreendido com a minha excelente aclimatação, nem senti falta de oxigênio!!! O terreno mudou e passou a ser trepa pedra e isso cansa mais. Chris e Rachel estavam práticamente derrotados, se arrastavam por cinco passos, paravam por três ou quatro minutos…Isso não e bom pra alta montanha. O importante é se concentrar em um ritmo e seguí-lo, sem parar.

Ao chegarmos aos 5750 metros parei com o Gabriel e comentei que eu achava melhor eles descerem e ele disse que já estava pensando nisso. Nao adianta nada se exaurir e chegar ao cume sem energia pra descer, isso e muito perigoso. Peguei um rádio com o Gabriel e continuei a subida com o Pedro, ele ficou para trás com Chris e Rachel para conversar com eles e avaliar melhor a situação.

Rápidamente eu e Pedro continuamos sozinhos a empreitada e quando o GPS marcava 5815 metros a barriga soou o alarme de novo, cacete! ahahahahahah meu record de cortada de rabo, primeira vez que faco isso nesta altitude kkkkkkkkkkkkkkk.

Enterrei o filho e continuamos montanha acima. 65 metros abaixo pude ver o Gabriel continuando a subida com os dois, chegaram a um acordo. Me virei e continuei a subida concentrado no cume, sequer estava cansado.

Incrível como o falso cume e a subida pro cume é parecida com o San bernardo, parece a mesma montanha! Quando cheguei próximo do cume comecei a filmar pra fazer um video da chegada. Já estava emocionado, o GPS marcava 5902 metros e lá fui eu, Pedro já no cume sentado quieto…Cheguei lá, passei direto pelo totem do cume e fui até a laguna que muitos dizem ser a mais alta do mundo, nao sei se e verdade mas…

Quando parei o video atendi o Gabriel pelo rádio e gritei “Paulo desde la cumbre de Licancabur!” e ouvi aclamadas felicitaciones do Gabriel, me ajoelhei e chorei por uns cinco minutos…Tenho que parar com essa choradeira senão vou desidratar mais rápido ainda ahahahahhahah

Vulcao Sairecabur desde o cume do Licancabur, escalei este tambem em 2009
Altitude no cume do Licancabur, o gps errou somente por 4 metros

Segundo o Gabriel, o tempo normal de subida e de 6hs (mais rápidos) a 9 hs (devagar), levei 5h e 25min, nem me reconheci! Só senti falta de oxigênio na hora do video porque fiquei falando e subindo, não tive dor de cabeça, nada. Fiz o cume com diarréia e tudo. Gabriel chegou depois de vinte minutos com Chris e Rachel completamente exaustos, mas chegaram.

Se arrastando, Chris e Rachel chegaram ao cume. Queriam se sentar mas não deixei, primeiro dei um abraço caloroso e parabenizei pelo esforço psicológico que tiveram. Depois bati um rápido papo pra ver como estavam e alguns minutos depois pedi que fizessem minha foto de cume, pois eu ja havia feito cerca de 35 fotos incluindo uma panorâmica do cume com 5 partes.

É claro, ambos não aproveitaram nada do cume. Eu estava feito barata tonta andando todo o contorno da cratera que e relativamente pequena, deve ter uns 100 a 120 metros de largura. Fui até a outra extremidade, fiz uma foto da face sul levemente nevada, fiz uma foto de antigas ruínas no cume, da laguna verde, do Sairecabur…Pirei.

Laguna na cratera do Licancabur, tem uns 40 metros de diâmetro.

Já tinha terminado minha sessão de fotos depois de uns 40 minutos andando pelo cume me sentei e fiz um lanche. Chris e Rachel continuavam sentados tentando se recuperar pra descida, so se levantaram pras fotos de cume o que levou so uns 3 minutos.

Gabriel dormia profundamente, Pedro quieto encostado no tótem, eu comendo e olhando ao redor…

Nao sei ao certo, mas acho que ficamos no cume cerca de 1h e 20m. Bastante tempo e importante pra dupla se recuperar depois de comer algo. Depois disso começamos a descida por uma rota diferente da subida. Alí era possivel a descida rapida via ski bota e no início até que fiz isso, mas depois não mais.

O motivo foi a dupla britânica. Ainda estavam muito cansados. Pedro descia quase correndo, eu ia atrás e depois de mim eles e por último Gabriel. Então eles começaram a reclamar do guia local, Pedro, dizendo que ele estava se exibindo descendo tão rápido. Expliquei que não tem nada a ver, todo andinista (senão quase todos) gosta de descer assim rápido, é divertido e agiliza muito mais chegar à comida no acampamento ou refúgio. Não adiantou, eles não entenderam.

Por isso fui descendo mais devagar pra ajudá-los em caso de algum problema. Gabriel vinha fechando o grupo.

Algum gelo lutando contra o calor atacameño.

A partir daí o cansaço irritou mais ainda os dois que só reclamavam o tempo todo. Chris que tinha sido educado e sequer falava palavrões começou a soltar um monte de “fuckin´ el” (jeito inglês de falar fuckin hell) a cada vez que escorregava. Rachel até que estava calma e descia mais tranquilamente.

Eu ainda tentava fazer com que mudassem de idéia dizendo “Chris e Rachel, vocês ja pararam pra pensar que acabaram de escalar o lindo vulcão Licancabur? Seu record de altitude! O esforço que fizeram e estão fazendo e o preço a se pagar! Vamos lá, falta pouco…”. Com a Rachel isso funcionou mas o Chris estava super irritado…

Parei de dar ouvidos e me concentrei na minha descida. Depois de duas horas chegamos a base do vulcão, próximo as ruínas inkas que ficam ali. Fiz algumas fotos e continuamos. Aí que parei e prestei atencao, eu nao estava cansado! Como pode??!!

As ruínas do Licancabur.

Fomos embora, dalí até o carro do guia Pedro que já estava lá foi só mais uns dez minutos. Quando lá chegamos olhei pro Licancabur, fiz uma última foto com a lua sobre o cume, me ajoelhei e agradeci a montanha por me permitir subir e descer com segurança. Não, dessa vez não chorei, he he he.

Entramos no carro e fomos embora. Meia hora depois estavámos no abrigo, fomos surpreendidos com costelas de llama! Ahhhhhhhh inacreditável! Alguem aí têm noção de como é bom descer da montanha e comer costela de llama??????? ahahahahahahha

Que maravilha!

Acompanhando as costeletas, tomate fatiado e coca-cola gelada. Melhor impossível. A essa hora finalmente o ânimo da dupla melhorou e começaram a fazer piadas, já nao era sem tempo! Comemos desesperadamente, nos arrumamos e pegamos uma nova carona até a fronteira boliviana para novo carimbo no passaporte, de saída.

Nessa hora senti uma dor na virilha, forte! Esforço físico. O sangue esfriou, a adrenalina cedeu e sentí. Nossa como doía…2 comprimidos de Dorflex pra aliviar. Na fronteira batí um longo e amigável papo com o militar que ao ver no meu peito a bandeira boliviana puxou assunto. Ficou feliz ao saber que eu era brasileiro e que tínha um carinho especial pelo seu pais. Me abraçou e tudo!

Passaporte carimbado, pegamos a van pra San Pedro onde novamente carimbei a entrada no Chile. Minutos depois estava na Tocopilla, rua onde fica o albergue que estou.

Mais um sonho realizado, estou super feliz e agora ja recuperado da dor na virilha, espero por companhia para a próxima investida que ainda é incerta.

Finalmente posso dizer, escalei o vulcao Licancabur!

Abraços a todos.

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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