Mauá-Itamonte, Mantiqueira – Parte 2

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A pernada segue pela estradinha de terra, q desce suavemente pelas encostas montanhosas p/ noroeste. Há muitos pequenos platozinhos ideais p/ pernoite, mas a idéia é ficar do lado do rio, no fundo do vale, cujas águas são audíveis do alto . Algumas pequenas casinhas e fazendinhas são transpostas através de porteiras, onde o Maromba se divertia atazanando as vaquinhas. O sol vai lentamente esparramando seus últimos raios pelas montanhas qdo chegamos ao Rio Aiuruoca, deixando o vale razoavelmente escuro antes mesmo de anoitecer. Antes da rústica ponte, o convidativo gramado de um campinho de futebol sera nosso camping improvisado daquele dia cansativo.


Armadas as barracas 16:15, alguns arriscam um banho nas águas geladas (gelada mesmo!) do Aiuruoca. Vendo a Paula, Emilia e Edu e Silvana entrarem nas águas ate me animou, mas a idéia foi pro espaço assim q meu pezinho tocou o gelo q o rio tava. Nelson e Sandra tb desistiram. Sem chance, desta vez baixo meu chapéu as meninas, q saíram de lá c/ o queixo batendo.. A claridade enfim se foi e a temperatura caiu rapidamente ao cair da noite. Aquele vale era um gelo só! Preparamos nossa janta no quiosque do campinho, q veio a calhar como cozinha. La fizemos nosso miojão básico, sopa de legumes, lingüiça c/ arroz, etc.. O Maromba, educado q ele só, fazia aquela cara de coitado e sempre ganhava alguma coisa p/ petiscar. Bob foi o barman da noite e trouxe um bom vinho tinto q a galera detonou rapidinho.

Terminado o rango, papeamos +&nbsp, um pouco, ouvindo a Sandra contar as peripécias de sua filha, outra figura onipresente na trip. Mas o frio daquele vale úmido nos intimou a recolher antes das 20:30hrs. Fui deitar apenas p/ constatar q tava com dor de garganta e engolir tava um martírio só.. A noite, salpicada de estrelas, foi agraciada c/ uma bela meia-lua q prateou tanto o campo como as montanhas ao redor. De madruga acordei varias vezes, a temperatura despencara + e tive q ensacar meus pés p/ suportar a friaca.

Na Crista da Serra da Colina

Acordei lá pelas 6:30 – e melhor da garganta – ao som das estridentes maritacas nas arvores próximas. Tava frio e aguardei o sol estender seus aconchegantes raios sobre o vale. O Maromba mal me viu q veio todo contente querendo brincar, ele dormira aninhado no capimzão ao lado do quiosque. A bermuda q o Edu deixara fora da barraca comprovou q geara à noite, tava congelada e + parecia uma placa de alumínio de tão dura e branca q ficou! Aos poucos a galera foi acordando e, preguiçosamente, deixando seu aconchegante saco dde dormir.

Qdo o sol alcançou o campinho começou a disputa por seus raios, inclusive o Maromba, enquanto o orvalho evaporava do sobre teto das barracas. Tomamos um farto café no quiosque e cada um contou sua experiência noturna, parece q não fui o único q passara frio. De repente, vimos um cara se aproximar do campo. “Puts, vão nos expulsar ou cobrar algo”, pensei. Q nada, o cara apenas vinha nos dar um toque q ali não podia acampar, pensando q permaneceríamos ali + tempo. Expliquei q já estávamos de partida e td ficou bem. Aproveitei e peguei dicas p/ percurso daquele dia.

Iniciamos a pernada por volta das 9:30 c/ promessa de + um dia lindo, atravessamos a ponte de madeira e tomamos a estradinha de terra q acompanha o Aiuruoca, p/ direita. Não andamos nem 200m e deixamos da estrada, tomando uma picadinha galgava as íngremes montanhas à esquerda.

Bravamente, fomos ganhando altitude através de sulcos erodidos, ziguezagueando as encostas da Serra da Vargem Grande. Poderíamos ter simplesmente seguido pela estradinha de terra, mas ai seria enfadonho demais. Na verdade era + interessante ir por cima da serra e depois, do outro lado, ir de encontro com a estradinha, q contornava a serra. Enfim, um atalho. Na subida, algumas casinhas dispersas na mata ciliar, onde cruzamos c/ Seu Francisco, q descia transportando leite fresco. Ainda bem q o Maromba não cismou c/ o cavalo dele. Após atravessar um túnel-canavial e + uma casinha, onde colhemos infos – parece q éramos o assunto da região, pq td mundo sabia q havíamos pernoitado no campinho! – iniciava agora a subida derradeira q só de olhar desanimava: inúmeros ziguezagues numa piramba íngreme na encosta desnuda da montanha! Um pequeno córrego encheu os cantis e nos refrescou antes do martírio e lá fomos nos, subindo lentamente c/ varias paradas p/ repor o fôlego durante td trajeto. Claro q aqui já tava td mundo disperso, cada um seguindo seu ritmo, mas de cima eram todos visíveis.

Alcançamos o alto da serra 11hrs, onde descansamos merecidamente alem de apreciar a paisagem maravilhosa do Vale do Aiuruoca, Serra Negra e Itatiaia visto de outro lado, assim como as montanhas q descêramos o dia anterior! Um local em si bem cênico merecedor de vários clicks! O destaque ficou por conta de Bob, q discursou sobre as msgs subliminares do Malboro. Agora a trilha toca pela crista da serra pro oeste, passa pro outro lado na encosta, em meio a muita samambaia, focos de mata, araucárias e muito gramado forrado de pinhão. Deixamos o Vale do Aiuruoca atrás p/ adentrarmos agora no Vale de Vargem Grande, cuja descida não consome nem 40min, em declive suave pela encosta.

Após uma porteira, chega-se na estradinha (a mesma do inicio do dia, so q beeem adiante) e vamos p/ esquerda, já com sinais de casas, algumas pousadinhas c/ jardins decorados c/ vistosas hortensias e gente passeando de cavalo. Meio-dia e já nos encontramos no arraial de Vargem Grande, um punhado de casas c/ alguma infra ao largo da estradinha. Por sorte, uma das casas era a Pousada dos Lírios, q dispunha bebidas e petiscos. Claro q aqui foi nosso pit-stop! Descansamos, tomamos cerveja, lanchamos e mandamos ver uma deliciosa porção de lingüiça c/ cebola, q o Maromba não tirou os zóio. É ou não é uma trilha de conforto?? Tanto é q muito ficaram tentados a ficar ai…&nbsp, Mas td q é bom dura pouco e ainda tínhamos serra p/ subir, a Serra da Colina, a nossa frente, do outro lado do vale. Claro, enchemos todos os cantis pq boa água só no dia sgte.

13:30 e pé na estrada novamente. Passamos uma Igreja (Congregação Crista) e um laticínio (Serra Negra) Na ultima casa, sai da estrada pela direita e toma um trilho q acompanha a cerca, p/ norte. Trilho bem batido e largo. Logo acompanhamos outra cerca (a nossa esquerda). No fim desta, saímos da trilha principal (q dá num belo descampado de araucárias) e tocamos p/ esquerda, acompanhando a cerca de arame, q desce um pequeno vale. Através de mata baixa e arbustiva, chegamos no fundo, onde o Ribeirão Vargem Grande é transposto c/ muito equilíbrio por cima de um tronco tremulo. Agora não tem + erro, é só seguir trilha acima, ora alternando pirambas íngremes ora suaves, mas sempre sob a sombra refrescante de arbustos, samambaias e arvores baixas. Logo a mata torna-se mais fechada e úmida, mas a trilha é nítida. O Maromba, todo alegre, é quem sempre faz o reconhecimento do terreno, sai disparado na frente e se enfia nas encostas de mata fechada, emergindo do nada, as vezes. Pelo jeito ele tb tava curtindo a trip.

Pontualmente 15:20 alcançamos a crista aberta da Serra da Colina. Estamos a 1890m de atitude e Vargem Gde agora é um amontoado de casinhas, 400m abaixo, a sudeste. Agora é so andar pela crista novamente, pro norte, ainda em aclive imperceptível. Do lado esquerdo temos uma ampla vista do verdejante Vale do Rio Jiroca e à direita ainda o Vale do Aiuruoca, ao longe. Logo a crista torna-se mais ampla, quase um platozão de capim e, mais ao norte, divide-se em duas: p/ nordeste seguiríamos pela crista da Serra da Cachoeira, mas é p/ noroeste q nossa trilha vai, ainda na crista da Serra da Colina.

A subida continua suave e agradável, desta vez c/ o sol na nossa cara, ate chegarmos – ora pela crista ora pela encosta de pasto ralo – na altura máxima da trip, quase 2050m.
O sol cai rapidamente e meu olho clinico já perscruta algum local decente p/ pernoite. Enquanto a galera descansa num gramado da encosta, saio em busca de um local mais interessante p/ acampar. Achei. Continuando pela trilha, contornamos um foco de mata pela esquerda, atravessamos uma rústica porteira e tamo novamente na crista, quase no final da Serra da Colina, as 17hrs. O visu é panorâmico, a sudoeste a Pedra do Picu lembra uma barbatana de tubarão num mar verde, mais ao longe, a silhueta da Serra Fina, ao norte a cadeia da Serra do Manguara e Serra dos Costas não deixa tb por menos.

Cansados, montamos as barracas ao largo da crista em lugares planos, enquanto o crepúsculo cênico é acompanhado por uma brusca queda de temperatura, onde algumas nuvens ameaçam encobrir td de vez. No inicio da noite nos reunimos p/ jantar, menos Edu e Silvana, q não arredam pé da barraca. Após uma janta suculenta – racionando nossa água – p/ suportar o frio q fazia q era intensificado pelo vento, nosso barman coletou barras de chocolate da galera, derreteu e – num processo alquímico-etilico – transformou num delicioso “Choconhaque” q todo mundo mandou ver, sem dó! Ate o Maromba teve fartura aquela noite: a Emilia preparou um miojão caprichado especialmente p/ ele, depois soubemos q o Edu tb fez o mesmo.

O papão tava muito bom mas o frio não permitiu maiores delongas. Hora de mimir as 20hrs! O céu tava estreladíssimo e o faiscar tremulo das luzes de Itamonte, a noroeste, era sinal q nossa trip tava próxima do fim. Começou a ventar forte, afinal aquele cume era totalmente aberto. Ate cogitei colocar o Maromba na barraca, mas ao vê-lo se coçando varias vezes desisti da idéia. Depois ele se aninhou confortavelmente encostado na barraca do Edu. De madruga fez menos frio q a noite anterior, mas ventou muito, eu já via minha barraca voando e tinha horas em q a parede lateral encostava no meu rosto! Em compensação,a mesma lua iluminou maravilhosamente as montanhas ao redor.

A Volta

Levantamos ao raiar da alvorada, depois das 6hrs. A paisagem ao redor ganhava novos tons c/ a luz matinal, e um tapete de nuvens lentamente se dissipava sobre Itamonte. Tomamos nosso café, arrumamos nossas coisas e pé na trilha, ou final quase 8:30. Erroneamente, voltamos ate antes da ultima porteira adentrando numa trilha em meio a mata, q julguei q descesse a serra. Q nada, ela subia pros outros morros. De onde acampáramos é&nbsp, só seguir ate o final da crista (oeste) e depois ir descendo gradativamente pela encosta. Logo a trilha é novamente identificada, descendo por um ombro de serra com pasto ralo e arbustos, pro norte. Daqui Itamonte é bem visível, assim como Manguara, um arraial antes dela.

Agora descemos em acentuados ziguezagues enquanto a vegetação aumenta de porte consideravelmente, e o trilho, inicialmente pedregoso, torna-se um sabão só de tão erodido e escorregadio q tava. Aos poucos, sons familiares de latidos, água e ate vozes indicam q estamos no final mesmo da trilha. Assim, antes das 10hrs, chegamos no final da picada, vale abaixo, num pequeno curral aparentemente abandonado, onde descansamos, beliscamos alguma coisa e enchemos os cantis.

Acabou a trilha mas não a trip. Agora era so tocar pela estrada de terra q partia dali, sabe-se la p/ onde. E la fomos nos, bordejando interminavelmente morros com o forte sol nos miolos, enfim, um trecho cansativo e sem graça, mesmo q em suave declive. Sítios e pequenas fazendas se sucedem, enfim, civilização. Perguntando, descobrimos q ainda tínhamos quase 13km ate Itamonte, um trecho q decididamente não faríamos a pé. Q o digam Nelson e Sandra. Ao chegar numa bifurcação (onde havia uma Igreja, devia ser o bairro rural da Conquista ou Bento José) perguntamos por seu Ico, um cara q teria uma Kombi e c/ quem negociamos nosso retorno por um precinho de mãe. Beleza. Eram12:30. As cenas q se seguiram são dignas de qq matinê melosa de Sessão da Tarde: a despedida do Maromba, q não parava de latir e chorar ao nos ver entrar no veiculo. Comoção e choradeira total foi ver o bicho correr atrás da Kombi boa parte do caminho, ate q finalmente ficou atrás, exausto. Seu Ico garantiu q logo o bichim adota outra família ou simplesmente volta p/ Maromba.

Ao invés de Itamonte saltamos em Itanhandu, onde teríamos + chances de busão p/ sampa. Eram 13:30 e não haviam vagas. O jeito foi aguardar busão p/ Cruzeiro enquanto víamos alguns Itanhundenses se preparando p/ algum rodeio, trajados curiosamente a caráter. Silvana e Edu, fazendo jus a fama de anti-sociais (rs), se separam da gente dizendo q vão visitar “um amigo” e logo voltam. Não os vimos mais. As 15hrs fomos p/ Cruzeiro, onde felizmente havia vaga p/ sampa. Comemoramos c/ varias brejas na espelunca-lanchonete da rodoviária ate o embarque, exatas 17hrs. O resto da viagem foi feita no estado onírico avançado, apenas dando conta da gente ao chegar no Tietê, as 20hrs. Despedida aqui.. despedida acolá, qual minha surpresa ao constatar q a Emilia mora perto de casa, razão q não me fiz de rogado e aceitei sua gentil carona. Cheguei no lar uma hora e pouco depois.

Para um pais celebrado por generosas paisagens tropicais, o Brasil é brindado igualmente c/ fartas regiões serranas q acabam tornando-se refúgios ideais p/ viver os prazeres do frio. E nesse meio-termo q a Mauá-Itamonte cumpre todos os requisitos p/ uma pernada agradável, moderada, brindada c/ altas paisagens, alem de oferecer varias opções e variantes em quase todo seu trajeto. Todas c/ muita água. Não é a toa q o próprio nome,em tupi, Amantiquira, significa “serra q chora” devido a suas numerosas vertentes q descem serra abaixo.

Texto: Jorge Soto&nbsp,&nbsp, Fotos: Bob Barros
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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