Morro da Jacutinga

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Receita: Sangue no zóio, olhar de falcão e convívio harmonioso com carrapatos. Facão bem afiado, mochila, bota e equipamento bem surrado.

Para subir o Morro da Jacutinga – 1149 metros – em Bairro Alto, próximo da Usina Hidroelétrica Parigot de Souza, no município de Antonina são necessárias 5 horas de muito esforço numa árdua caminhada. Siga pela Picada do Cristóvão até onde esta deriva a direita e se inicia a Trilha da Conceição, depois da entrada para a Piscina dos Elefantes. Uma primeira bica d’água se derrama por cima de uma tubulação de concreto, da antiga Usina de Cotia abandonada desde 1953, que desaparece sob a estrada para reaparecer à esquerda por entre uma espessa moita de lírios-do-brejo. 
 
Caminhe com cuidado uns 200 metros por cima destes tubos até uma grande caixa de captação em concreto quase engolida pela mata, desça pelos degraus de ferro e contorne a construção até encontrar outra tubulação, com menor diâmetro, na face oposta. Avance com cuidado redobrado caminhando por cima da tubulação coberta de limo, desviando das árvores tombadas e trechos semi destruídos. Por aqui um desatento já vazou, espatifando-se sobre um bloco de concreto e quebrando as costelas. 
 
A tubulação cruza com a linha de energia em Baixa Tensão assinalada nos mapas e desaparece por uns 100 metros, mas depois da grota continua até a Barragem do Rio Saci num total de 1,5 horas de pernada. A construção de concreto está completamente assoreada pelos anos seguidos de abandono e proporciona um belo recanto para repor as energias enquanto se coleta água para as próximas 2,5 horas de caminhada.
 
Atravesse por cima do muro da pequena barragem até a outra margem do rio avançando por um ramal seco e pedregoso, um pouco mais a esquerda e de frente ao que restou de um muro de contenção inicia-se uma trilha de palmiteiros subindo o barranco. A primeira fita amarela marca uma árvore uns 100 metros à frente.
 
Bons mateiros não encontrarão dificuldade em seguir esta trilha orientados apenas pelos vestígios deixados por palmiteiros e caçadores porque a sinalização com fitas foram arrancadas das árvores por eles. A trilha é muito bonita e percorre a mata sub-montana onde é comum a ocorrência de grandes árvores, muitos pássaros e animais de maior porte como macucos, jacus, bugios e macacos prego.
 
 A trilha deriva a esquerda passando por um leito seco e descrevendo suaves zig-zags para ganhar altitude até aproximar-se de uma encosta muito íngreme depois de aproximadamente uma hora de caminhada desde a barragem.
 
O caminho começa a aplainar e aparece uma enorme pedra a direita da trilha e a frente uma pequena clareira cujo é sombreada pela copada das grandes árvores. A trilha tende a contornar a montanha evitando as íngremes encostas onde o palmito não mais cresce e os extrativistas não sobem por falta de interesse. 
 
Próximo da cota 600, junto à clareira há um grande tronco de árvore caído e passando por debaixo se avistará uma fita amarela fixa num arbusto à direita. Este é o início do território dos “Cachorrões da Serra” onde surge uma espécie de alameda forrada de folhas secas subindo suave por entre finos arbustos marcados com as fitas amarelas dentro da mata escura. 
 
Bem acima a claridade invade a mata no rastro de um grande desmoronamento em cuja base existe um velho tronco que lembra até um banco de praça. Ótimo lugar para descansar e alimentar um exército de pernilongos e borrachudos sempre presentes por aquelas bandas.
 
Agora é só subir abrindo caminho em meio a quiçaça que está cobrindo o lamaçal. Um grande tronco tombado mostra o caminho e deve-se ter muito cuidado para não quebrar a cabeça do companheiro com as pedras soltas que despencam do barranco.
 
Vencida esta etapa, chega-se num paredão de pedra exposta para contorná-lo pela esquerda, seguindo a base por aproximadamente 100 metros quando aparece a primeira canaleta seguida por uma segunda com a forma de diedro e uns 45º de inclinação. Esta segunda canaleta está equipada com uma fita de poliamida que mais parece uma velha mangueira de bombeiros instalada ali para maior proteção em dias de chuva.
 
Depois de subir os 10 metros da canaleta os rastros evidentes levam a esquerda pelo barranco que nos próximos 300 metros exigirá bastante esforço dos braços na escalaminhada onde ainda surgirão dois trechos encordados antes de atingir o primeiro mirante com vistas para as paredes do Saci, partes da crista leste do Ferraria e todo o complexo dos Capivaris.
 
Adiante aparecerá uma última corda para auxílio num barranco de barro vermelho e chegando ao topo notará a mudança de vegetação agora composta principalmente de moitas de bambu e caraguatás típicos da cota 700.
 
Ok! Pode por água para ferver no caldeirão porque logo vamos começar a depenar o bicho. É o início da longa crista ou espinha dorsal da Jacutinga que em mais 1,5 horas nos levará até o topo. A trilha é evidente no meio do bambuzal e depois de meia hora subindo suave se ouve um leve borburinho no aclive ao lado. É o Rio do Almoço fora da trilha, a direita, onde no apuro cabe até uma pequena barraca.
 
O batismo deste córrego aconteceu em 10/12/2011 no dia da conquista quando eu, Alex Pacheco, Alex Machado, Josafat Kaczuk e o já falecido Jamil dos Santos atormentados pela fome resolvemos parar por ali e esquentar o almoço.
 
Feijoada pré-cozida e nosso mestre gourmet conseguiu a proeza de derrubar toda a comilança no chão, coisa sem importância para o pedigree daquela turma sem frescura e higiene que raspou a terra até o último grão de feijão para que nenhuma lombriga montana passasse fome.
 
Aos 750mnm ainda falta uma hora para o cume seguindo sempre pela suave crista onde se pode novamente observar as encostas do Saci e o profundo vale que os separa. No dia da conquista pudemos ver uma grande ave empuleirada a beira do abismo que imaginamos se tratar de um gavião, mas ao virar-se em nossa direção imediatamente a reconhecemos.
 
Sua plumagem grisalha descendo pelas costas como loura peruca carnavalesca a identificava sem sombra para dúvidas e começamos a chamar o local de Pouso da Jacutinga e, dias depois quando constatamos que ninguém jamais ouvira falar do nome desta montanha, resolvemos por unanimidade rebatizá-lo com o nome deste pássaro em extinção.
 
Morro acima perceberá a trilha bem definida e evidente na crista cercada pela floresta Alto Montana com um mirante a direita de onde se avista o cume e toda a parede rochosa da face leste do Pico Paraná. Mais 10 minutos de caminhada estaremos na cabeça do bichão onde existe uma clareira, a esquerda, para uma barraca ou 2 redes.
 
Parabéns, companheiro, suor e bambu rasgando a pele fazem cicatrizes que moldam a personalidade. A ardência e mutilação dos braços nos enche de orgulho por estar numa montanha inóspita, distante das avenidas enlameadas e dos badalados point’s serranos. No melhor estilo desta nobre atividade ao ar livre. Vida longa às Jacutingas neste lugar isolado onde escapam da panela dos palmiteiros, da pólvora dos bacamartes e das foices da degola. Na companhia de amigos e admiradores ficará preservado seu nome no montanhismo paranaense. 
 
Preserve a natureza, não maltrate animais e nem colha plantas. Deixe no caminho somente pegadas e traga consigo o lixo, as fotos e lembranças. E um ou outro carrapato grudado no saco!
 
Algumas curiosidades:
 
1) Na encosta ao sul do Morro da Jacutinga está a vila da Copel onde residem funcionários da Usina Hidroelétrica Parigot de Sousa (que toda manhã alimentam com milho as jacutingas selvagens que os visitam) e a entrada do túnel que abriga a casa de máquinas com as turbinas geradoras. Ponto de chegada das águas do Rio Capivari que descem a serra percorrendo 14,5 quilômetros de túneis por debaixo das montanhas.
 
2) Uma velha antena de rádio confeccionada com tubos de aço galvanizado encontra-se abandonada próximo ao cume. Tem aproximadamente 4 metros de comprimento por uma e meia polegada de diâmetro, várias pequenas hastes com 60 centímetros e engates para o esteio.
 
3) Após a abertura da picada pela crista leste do Ferraria pelos “Cachorrões da Serra” (ver https://www.altamontanha.com/Colunas/3048/na-trilha-dos-cachorroes), Jamil dos Santos (ex Dragão da Independência) e Juliano Volpini (ex Fuzileiro Naval) iniciaram as explorações para alcançar o cume do Morro do Saci pela crista do leste, a partir da Cachoeira do Rio Saci, mas na primeira investida encontram tubulações abandonadas que os conduziram até a barragem de captação, rio acima, e chegam ao local de um deslizamento que nomearam de “pororóca”. Voltaram dali com a idéia de escalar esta montanha de nome desconhecido.
 
4) Em 10/12/2011 acompanhei o grupo canino na conquista do morro subindo pelo leito do rio acima da barragem, mas diante das dificuldades resolvemos sair pela esquerda tangenciando a encosta na direção do deslizamento quando encontramos uma boa trilha de palmiteiros seguindo em direção a já conhecida “pororóca”. Dali pra frente se fez a relação 4×1, 4 horas de facão para cada quilômetro avançado com revezamento do ponteiro a cada 20 minutos de labuta.  
 
O primeiro (ponteiro) fura o taquaral, o segundo aumenta o estrago e o terceiro limpa a trilha enquanto o quarto orienta a turma com a carta e a bússola. Neblina e garoa suavizam o calor do verão pra quem faz serviço de peão e a reidratação é feita gole a gole no bico das pets até que Alex Pacheco, Alex Machado, Josafat Kaczuk e o saudoso Jamil dos Santos, as 15:20 horas, atingirem o cume sem visual nenhum na montanha ainda sem nome conhecido. Neste dia nasceu a brincadeira de concorrer à diretoria do CPM com a chapa “Gente com Jota”. Jamil Jeitoso para presidente, Jalex, Josafat e Japeko que ralavam sem preguiça debaixo da chuva enquanto os amigos preparavam excursões à terra da Catáia.
 
5) O Pico Paraná deixou-se fotografar pelo Emerson Stenge (Simepar) durante a segunda escalada ao Jacutinga.
 
6) Na terceira escalada fomos abordados em Bairro Alto pela polícia que procurava um bandido foragido e atolamos o jipe numa estrada secundária. Também foi nesta expedição que o Papael, convidado do Jamil, encontrou os tubos da antena abandonados próximo ao cume.
 
7) No retorno da quarta escalada nasce a marchinha carnavalesca em homenagem a um montanhista bem conhecido: “Eu tô na lama, eu tô na lama…porque não durmo de pijama”. Na calada da noite, próximo a caixa de acúmulo d’água, caí do aquaduto e quebrei a costela flutuante – costela de Adão. 
 
8) Houve ainda outras 3 escaladas ao Morro da Jacutinga sempre acompanhados por amigos. Na ultima delas estiveram presentes o Vinicius, o Willian e os experientes mateiros Julio Fiori, Moisés Lima e Paulo Marinho que nos foram muito prestativos (https://www.altamontanha.com/Colunas/3881/20-de-abril-no-1o-de-maio) ao término da Travessia pelos Capivaris no bloco norte do Ibitiraquire em abril passado.
 
 
 
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