O Corcovado

0

Não, este não é o Corcovado do Rio, e sim o de Ubatuba. Sem exagero, esta é uma das mais belas montanhas brasileiras, não conheço nenhuma mais interessante em toda a Serra do Mar. Durante anos, pousava na casa de um amigo na Praia Dura e de lá mirava o majestoso perfil da montanha, a quase 1.200m de altitude. Ela me parecia tão próxima quanto inacessível.

Em seguida, acampar no cume do Corcovado passou a ser um objetivo meu. Na época, pretendia me preparar para percorrer de cargueira a Trilha Inca. Mas os planos mudaram e só fui realmente conhecer a montanha anos depois. Porém, daquela vez, fizemos ida e volta num só dia, claro que com mochila de ataque.
Saímos no início do dia da Praia Dura e subimos por 4 hs seu considerável aclive de 15%, até descortinar o lindo panorama do cume, com a costa recortada opondo-se à ondulação da serra. Este caminho me parece único, pois a rampa dentro da mata é sempre a mesma. As visões ocasionais da montanha são curiosas, sugerem que você não avançou quase nada. Um exercício de paciência, como é aliás comum nas montanhas.
Na volta à tarde ouvimos gritos, já no interminável trecho baixo da trilha. Encontramos um rapaz que, junto com seu filho pequeno, estava já há cinco horas perdido na mata. Fiquei surpreso como ele rapidamente começou a subir, mesmo sendo óbvio que seriam alcançados pela noite. Mas, antes de recriminá-lo, lembrei-me de uma tentativa que fizera tempos atrás numa madrugada, com crianças pequenas – por sorte, não achei a trilha, pois seu início é – ou era – confuso, e resolvi voltar.
Sempre ouvi dizer que havia outro acesso à montanha, pelo planalto e não pela praia. Quando visitava o PE da Serra do Mar, soube que era possível fazê-lo pelo Núcleo Santa Virgínia, que fica em São Luiz do Paraitinga. Esta é uma vila histórica, meio perdida entre o vale e o litoral. A saída era da cota de 750m, de forma que pensei ser uma trilha bem mais suave, pois a outra começava praticamente no nível do mar.
  Este caminho acompanha a deslumbrante calha sombreada do Rio Paraibuna, o que significa que pouco sobe, apesar da grande distância percorrida. Só a ½ h do cume ele resolve se alçar, quando você terá de suportar um cruel e contínuo aclive de 20%. Curiosamente, são as mesmas 4 hs, até encontrar no fim as marcas da trilha que vem da praia.
Era um dia lindo com ótimo astral, até que minha coxa colidiu com um fino toco de arbusto cortado. Senti uma baita dor e tive de retornar os quase 9 km de descida mancando miseravelmente. Então, de novo aqui, conheci mais um exercício de paciência na natureza.
Compartilhar

Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

Comments are closed.