O mito dos 40

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Lendo a materia do Elcio Ferreira (https://www.altamontanha.com/colunas.asp?NewsID=1457), me lembrei de alguns fatos. Sempre que alguns amigos quarentões e eu com os meus 45 fazemos algo um pouco fora da média, aparece comentários engraçados, do tipo: “os velhinhos são foda“ (foda no singular*), nos colocam em condições excepcionais.


Entretanto, idade é besteira, basta o sujeito não parar de praticar e ter motivação, de acordo com o Fernando Vieira. Temos vários exemplos para provar esta tese. Aliás, para certas atividades de resistência e condições complexas em montanhas, a idade avançada aliada à experiência é um trunfo importante. Até em vias esportivas muitos coroas se saem bem, o número não é maior porque haja saco para ficar trabalhando via, como é o caso do André Martins (Godofe) de 45, que fez pela segunda vez uma via de 10a na Barrinha.

Na América do Norte e na Europa é comum escaladores/montanhistas quarentões e cinquentões fazer grandes travessias e escaladas de longa duração com velocidades muito abaixo da média. Levando em conta a proporção, aqui no Brasil não é diferente, alguns colegas fazem o mesmo. Somos poucos porque o nosso universo é pequeno.

O “segredo” de escalar rápido, em minha opinião, pode ser resumido no seguinte: conhecer bem as técnicas de segurança mas ignorá-las com sabedoria (segurança em excesso = lentidão); saber fazer as costuras certas nos lugares certos (saber usar costuras longas é importante); estar em boa forma (técnica, física e psicológica); escalar o mais leve possível, pra quê levar em vias longas: GPS, rádio, comida em excesso, água que dá para tomar banho, agasalhos pesados, material técnico em acesso do tipo ATC + Gri-gri + 2X a quantidade de material móvel necessário, etc…

Aqui vai um conselho: esticar a corda toda em certas vias não é sinal de eficiência e rapidez, porque o atrito e o peso diminuem muito a velocidade do guia, que acaba ficando lento.Enfim, existem muitas técnicas, macetes e conselhos para poder escalar rápido. Certa vez montei uma palestra sobre o tema, mas não a ministrei.

Já vi muita gente, mas muita gente mesmo pagar um preço muito alto por levar equipamentos em excesso, do tipo “estou preparado para o que der e vier”, mas esta frase tornou-se falsa. Mas às vezes escalar excessivamente leve pode ser também ruim. Mas aí entra a experiência, um bom planejamento e conhecer razoavelmente o ambiente em questão. Escalar rápido não é subir correndo como um maluco, é preciso planejamento e conhecimento.

Exemplo: semana passada Diego #@&$$**!! e eu escalamos a Leste do Pico Maior de Friburgo em 56 minutos. Levamos uns 40´ para rapelar. A tática foi usar apenas uma corda de 8,2mm X 60m e 20 costuras (10 longas). Usamos a corda em única e costuramos apenas certos grampos, os que davam atrito eram ignorados (em geral pulávamos um ou dois grampos, às vezes mais…).

Obviamente a escalada foi em simultâneo da base ao topo. Planejei tudo, conhecia muito bem a via e sabia exatamente o que fazer. Tem risco? É óbvio que existem riscos, mas você tem plena consciência desses riscos e isto é importante.

O que tem de especial escalar rápido? Nada, a não ser o fato de se cansar menos e ficar “tirando onda”, deitado e bebendo whisky no gramado lá embaixo. Ok, deixando a brincadeira de lado, em certos lugares escalar rápido é sinônimo de segurança, especialmente em ambientes alpinos.

Enfim, tenho vários amigos quarentões que são escaladores fantásticos e posso dizer que a idade não pesa, alguns, inclusive, continuam comportando-se como velhos adolescentes. O André Ilha, por exemplo, completando agora 50 anos, parece que tem como dieta básica granola com formol.

Tenho colegas no RJ sessentões, ou quase lá, que continuam escalando muito bem.

E aqui vão os parabéns pelos feitos de Élcio Ferreira.

Antonio Paulo Faria

(*) O Emerson de Sabará (MG) certa vez disse… depois de ter bebido 1/5 do whisky da minha garrafa: “São Foda é o padroeiro das putas!”. É verdade, nós somos velhinhos normais, a galera é que anda muito devagar Hahahaha. Não levem estes comentários muito a sério.

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Sobre o autor

Antonio Paulo escala há tanto tempo que parece que já nasceu escalando... 30 anos. Até o presente, abriu mais de 200 vias no Brasil e em alguns outros países. Ele gosta de escalar de tudo: blocos, vias esportivas, vias longas em montanhas, vias alpinas... Mas não gosta de artificiais, segundo ele "me parecem mais engenharia que escalar propriamente". Além disso, ele também gosta de esquiar, principalmente esqui alpino no qual pratica desde 1996. A escalada influenciou tanto sua minha vida que resolveu estudar geografia e geologia. Antonio Paulo se tornou doutor em 1996 e ensina em universidades desde 1992. Ele escreveu sobre escalada para muitas revistas nacionais e internacionais, capítulos de livros e inclusive um livro. Ou seja, ele vive a escalada.

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