O Retorno ao Cordon Del Plata – Parte 3

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Na madrugada seguinte de nossa descida eu estava bem, nada cansado. Entretanto, como expliquei antes, com algumas bolhas nos pés por ter usado pela primeira vez a minha super latok Boreal, além disso, as pontas dos dedos dos pés estavam doloridas como se tivessem sido espancadas. Tecnicamente foram na descida quando naturalmente o peso do corpo tende para frente nas morainas. Alem disso tudo, tinha um sono meio “Clube da Luta“ onde ficava meio dormindo, meio acordado, resultado dos raríssimos períodos de sono de verdade que consegui somando todas as ultimas cinco noites.


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Decidi não subir, Edson foi com o Rainner e fizeram cume no Plata antes de meio dia. Fiquei absolutamente sozinho em La Hoyada, aproveitei pra fazer varias fotos do glaciar La Hoyada, aos pés do Cerro Vallecitos, da encosta do Cerro Plata e Pico Plata e, aos meus pés. Não se pode ver, mas estava acampado sobre o glaciar.

Acontecem muitas avalanches de rochas, todos os dias, as fotos comprovam isso. Por este motivo e pelo avançado derretimento dos mesmos, ficam submersos sob uma fina camada de rochas menores que varia de 20cms a possivelmente um ou dois metros.

Obs: Enquanto escrevo este relato acontece uma busca frenética por um montanhista de nome Javier Paduszek de 39 anos, que ao descer do Mercedario muito cansado acabou se perdendo. Sorte para ele e para a busca…

Andei pelo glaciar todo, chegando bem perto da principal ruptura e vendo o pequeno rio de degelo sob meus pés. Fiz fotos, caminhei mais ainda…Quem encontro? O casal perdido e desinformado.

Estavam caminhando tentando aclimatar-se. Disse a eles que bebessem água, mas disseram “não, obrigado não temos sede.”. Gente, como pode tanta, mas tanta ignorância a cerca de uma atividade que pode te matar só por causa da falta de informação? Sequer sabiam que devem beber muita água todo dia. “Pelo menos ainda estavam vivos” pensei.

Voltei a barraca e perto de meio dia comecei preguicosamente a organizar tudo para a descida do Edson, com a intenção de descermos rapidamente para o abrigo e no dia seguinte tentar a La Cadenita, quatro cumes de 3 mil metros.

Pouco antes das duas ele chegou, começamos a arrumar tudo e logo depois que o Rainner chegou, nos despedimos e começamos a descer, era 15h. Estávamos a 4660 msnm e tínhamos que chegar a 2900 msnm, Abrigo Mausy, para um banho e uma noite de sono, pra mim, desesperadamente necessária. Lá fomos nós…

Caminhando rapidamente, mas sem correr para não nos acidentar, chegamos em meia hora ao El Salto, onde mais grupos chegavam e preparavam seus acampamentos. Nosso amigo de Córdoba, Matias continuava lá, e na próxima madrugada tentaria o Plata. Já lhe mandei um e-mail perguntando como foi, mas não obtive resposta e ainda estou curioso.

Pegamos mais peso que deixamos escondidos atrás de uma rocha e seguimos caminho. O tempo estava péssimo mais abaixo. Bem cansados, chegamos a Piedras Grandes a 3550 m. Que eternidade para descer!

Não para por aí, quando chegávamos nas proximidades do Las Veguitas, tínhamos que atravessar o rio. Quem disse que era possível? Não! O calor dos dias anteriores deve ter acelerado o derretimento das geleiras. O rio estava bem forte impossibilitando uma travessia segura. Me veio a cabeça a cena do filme “Na natureza selvagem” em que Alexander Supertramp não consegue atravessar o rio e volta ao seu ônibus solitário, faminto e desolado.

Continuamos no mesmo lado, já com os joelhos desesperados por descanso,buscando por uma passagem segura. Nada…Fomos embora…Depois de uns 30 ou 35 minutos descendo, já no leito do rio todo pedregoso, encontrei uma possível travessia. Mas isso demandaria uma destreza e força para atirar as mochilas antes. Lá fui eu. Pulando de rocha em rocha até que consegui chegar no ultimo trecho, do arremesso. Joguei a mochila menor, joguei a maior, pulei. Ufa, consegui!

Depois veio o Edson, o mesmo e tudo deu certo. Ficamos impressionados, parecia um outro rio, um outro lugar.

Daí em diante foi rápido descer ate os 3000 metros do refugio Vallecitos e descobrir que não havia comida, que merda! Descemos mais ainda até o Refugio Mausy onde finalmente encontramos comodidade e um ambiente de montanha muito legal.

O dono nos respondeu a varias perguntas, nos serviu uma pizza que, sem exagero, foi a melhor que comi em nas cercanias de Mendoza até agora! Bebemos uma coca, papeamos mais, conhecemos mais andinistas, banho quente de verdade, cama.

Nem acreditei, dormi 9 horas direto! Que sonho…Precisava loucamente de uma noite de sono ininterrupto. Acordamos tarde, quase dez. Já levantei bem mais disposto a subir a La Cadenita mas o tempo estava um lixo, não haveria visual nenhum então desistimos.

Ao meio dia reencontramos o Rainner no Refúgio Vallecitos e voltamos pro Mausy esperando pelo Jorge que viria nos buscar as 13h. Pontual como um inglês, chegou e nos levou deixando-nos no mercadinho incendiado, onde passa o ônibus para Mendoza, as 13:55h.

Em alguns minutos o ônibus veio.Sem lugar para sentar voltamos de pé mesmo. Chegando a Mendoza descobri uma perda, a primeira da viagem. Sem perceber, no refugio Mausy, encostei minha mochila na placa do aquecedor e lá ficou a noite toda.

Meu mp3 foi parcialmente derretido e não funciona corretamente, nem carrega mais, alem de ter ficado com um look meio melancólico (risos), alem disso, o topo da minha mochila esta com um irritante cheiro de queimado, e uma das minhas 4 cordas plásticas para fixação da barraca também foi parcialmente derretida. Paciência, hoje, vencendo a preguiça, encontrei um novo mp3 vagabundo de 4gb que me custou 200 pesos. Fazer o que?…Vivo musica.

E isso ai. Dois dias depois o Edson e o Rainner partiram para dez dias de montanha, continuo na cidade tentando loucamente transporte para a montanha que quero ir, tarefa que parece quase impossível. Bah!!!…

Me resta esperar, rir dos eventos absurdos e loucos que acontecem no albergue que estou, conhecer gente do mundo todo, no que sou realmente bom. Fiz amizade com 2 amigos noruegueses muito figuras, que só querem saber de beber vinho, conversar muito e fumar maconha. Dois doidos muito comédia. Eu não uso drogas nem que me obriguem mas isso não me impede de me socializar…risos.

E isso aí, não sei se vai rolar a próxima montanha que quero, o único transporte teve a cara de pau de me cobrar 2000 pesos pra me levar e me buscar 5 dias depois. Isso e muito dinheiro! No way.

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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